Já existem elementos jurídicos para o afastamento da presidente da
República.
Sejam pelas pedaladas fiscais ou pelos indícios de delito
eleitoral, Dilma pode ser enquadrada na lei 1.079, que tipifica o crime
de responsabilidade
Desde que o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff
passou a dominar a pauta política, muitas vozes se levantaram para
discorrer sobre o aspecto legal do processo. As opiniões, em geral,
procuram levar em consideração se Dilma cometeu ou não um ato de
corrupção, pois no único caso registrado no País, o impeachment de
Fernando Collor, em 1992, foi possível fazer a associação direta do
presidente da República com o malfeito. Naquele ano, Collor foi acusado
de ter suas contas pessoais pagas pelo esquema PC Farias, tesoureiro da
campanha que seria uma espécie de testa-de-ferro do então presidente.
Como Dilma não incorreu em algo semelhante, há no meio jurídico quem
sustente que não há nada que justifique, até agora, a abertura de um
processo de impeachment. Mas se ainda não há uma denúncia que ligue
pessoalmente a presidente a uma prática de corrupção clássica, como a
que apeou Collor do poder, o mesmo não se pode dizer de outras ações,
igualmente ilegais, cometidas por Dilma que podem sim ser enquadradas na
norma constitucional que disciplina o impeachment.
No Brasil, o impeachment está previsto nos
artigos 85 e 86 da Constituição, mas, como eles precisariam de uma lei
complementar para ser regulamentados, a discussão se baseia na lei
1.079, de 1950. A 1.079 tipifica 65 crimes como sendo de
“responsabilidade” e passíveis de afastamento do presidente da
República. Dilma pode ser enquadrada em pelo menos dois artigos do
capítulo VII desta lei. Ao tratar dos crimes contra o emprego do
dinheiro público, a norma condena duas condutas: “Ordenar despesas não
autorizadas por lei” e “abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as
formalidades legais”. No exercício do mandato, Dilma cometeu os dois
erros. O TCU já concluiu que o governo atrasou repasses do Tesouro a
bancos públicos para melhorar as contas de 2013 e 2014. Uma maquiagem
que rendeu prejuízos bilionários e obrigou os bancos a usarem recursos
próprios para bancar despesas da União. Além disso, o governo atrasou o
pagamento das obras do programa Minha Casa, Minha Vida, para manter os
recursos na conta e forçar um saldo positivo que não existia. O mesmo
ocorreu com outros programas sociais, como o Fies. Pelos prejuízos que
teve com essas manobras, a Caixa cobra na Justiça mais de R$ 200 milhões
em taxas que não foram pagas por ministérios. A prática ficou conhecida
como pedalada fiscal.
A situação da presidente pode ficar ainda
pior, uma vez que os técnicos do tribunal descobriram também que Dilma
assinou de próprio punho a abertura de créditos sem fundamentos e sem a
autorização do Legislativo – proibição também prevista na lei. No
parecer que está sendo elaborado pelo TCU, os técnicos vão afirmar que é
impossível poupar a presidente pela culpa nas pedaladas fiscais, já que
foram descobertos 10 decretos criando despesas ilegalmente. O ato de
ofício presidencial não deixa dúvidas de que ela foi responsável pela
criação dos créditos suplementares em desconformidade com a lei e
aumentou despesas sem a autorização do Congresso – crime previsto no
artigo 58 da Lei de Responsabilidade. Somente um deles, criou despesa de
mais de R$ 15 bilhões em 3 de dezembro do ano passado.
A presidente Dilma também pode ser
enquadrada no capítulo que trata dos crimes contra a probidade na
administração. O artigo 40 diz que incorre nesse crime o presidente que
“não tornar efetiva a responsabilidade de subordinados em delitos
funcionais ou atos contrários à Constituição”. Em depoimento, os
delatores da Lava Jato deixaram claro que a campanha presidencial foi
abastecida com recursos de origem ilegal. O empreiteiro Pedro Barusco,
por exemplo, disse que o PT recebeu entre US$ 150 milhões e US$ 200
milhões entre 2003 e 2013. O delator Júlio Camargo diz ter repassado
irregularmente US$ 2 milhões para as campanhas petistas em 2010 e 2014.
Há ainda o depoimento do empresário Ricardo Pessoa, dono da empresa UTC,
que afirmou aos procuradores da Lava Jato ter doado à campanha de Dilma
à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da
Petrobras, depois de pressionado pelo tesoureiro da campanha. “Com um
parecer técnico, vai ficar difícil até para aliados do Planalto
explicarem”, diz o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).
Outro fantasma ronda os corredores do
Palácio do Planalto: a ameaça de impugnação da chapa pelo TSE, caso se
confirmem as denúncias de que a campanha de Dilma no ano passado foi
abastecida com dinheiro do Petrolão. Os indícios são fartos. Ao votar no
dia 13 de agosto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que existem provas
que justificam a instrução processual da ação de impugnação de mandato
eletivo quanto ao financiamento de campanha com dinheiro oriundo de
corrupção. “Nem precisa grande raciocínio jurídico para concluir que a
aludida conduta pode, em tese, qualificar-se como abuso do poder
econômico, causa de pedir da ação de impugnação de mandato eletivo”,
afirmou. Para dois ministros ouvidos por ISTOÉ, o depoimento dos
delatores da Lava Jato, em especial de Ricardo Pessoa, serão decisivos
para provar a origem ilegal do dinheiro para a campanha. A própria
prisão e a condenação do tesoureiro do PT, João Vaccari, levam a
campanha de Dilma para o epicentro do Petrolão. O parecer do juiz Sérgio
Moro é contundente: “A lavagem de dinheiro gerou impacto no processo
político democrático, contaminando-o com recursos criminosos”, afirmou
Moro.
Diante das evidências, o pedido de
impeachment feito pelo jurista Hélio Bicudo sugere o julgamento da
presidente tanto pelo crime de responsabilidade, como também pelo crime
comum. “A existência de crimes comuns apenas reforça a necessidade de se
punir a irresponsabilidade. Em primeiro lugar, tem-se que a
Constituição Federal, a lei e a doutrina não afastam a possibilidade de
dupla punição (por infração política e também penal) e, em segundo
lugar, diante da inércia da autoridade competente para fazer apurar o
crime comum, ainda mais legítimo rogar a esta Egrégia Casa que assuma
seu papel institucional”, escreveu. O consenso no mundo político é de
que não faltam demonstrações de que a presidente praticou algumas das
irregularidades listadas na lei de responsabilidade. Quanto mais as
investigações avançam, mais os fatos empurram a presidente para a
saída.
Fonte: Isto É