Como a sociedade tem aprendido que devemos aceitar de bom grado a perda de liberdades para acabar com um vírus que está solto na natureza, venho humildemente propor o fim do HIV
Se podemos acabar com algo tão transmissível quanto a covid, por que não acabarmos com a aids, que é tão mais letal e tão menos transmissível? 
A aids deve ter matado muito mais pelo mundo do que a covid. 
Além disso, é um vírus estruturalmente racista, já que mata muito na África. 
A covid, por outro lado, causa estragos em países ricos e emissores de carbono, sendo portanto um vírus anti-imperialista ecológico.

Vamos acabar com o HIV no mundo!

Sexo, só com camisinha
A Ciência sabe que a camisinha é uma medida extremamente eficaz no combate à AIDS. Por isso devemos criar leis que obriguem o sexo a ser feito só com camisinha.
Algumas objeções serão levantadas.
Por isso, deixo aqui já uma seção FAQ, que é a sigla de “perguntas frequentes” em inglês.

1. Os casados devem ser obrigados a usar camisinha?
Sim.
Nesta sociedade heteropatriarcal cisnormativa, os homens cis se dedicam diuturnamente a oprimir as mulheres. Por isso os homens casados fazem sexo com prostitutas – ou até prostitutos – e passam o HIV às suas esposas. 
Negacionistas dirão que, do total de esposas do mundo, apenas uma pequena porcentagem pega AIDS do marido, de modo que essa diminuta exceção não justifica tamanha invasão na vida privada. Ora, isso é um desprezo pela vida humana. Nenhuma mulher deve ficar para trás!

2. Que devem fazer os casais que desejam ter filhos?

Não é recomendável aumentar a emissão de carbono, coisa que ocorre tão logo venha ao mundo uma criança que não seja abandonada para morrer. Assim, a medida de exigir camisinha compulsoriamente nas relações sexuais contribui para salvar o planeta. Por outro lado, é claro que pessoas boas e instruídas, como Bill Gates, podem presentear o mundo com sua prole. Há controvérsias quanto à higiene dos métodos primitivos e anticientíficos de procriação humana, já que são produzidos indivíduos com maus genes. Contudo, como a Ciência ainda não decidiu se a procriação humana por meios primitivos deve ser extinta, nem tem a capacidade de garantir para todos os portadores de bons genes a reprodução assistida (estamos contatando com Tabata Amaral e o pessoal do Livres para resolver isso), então o sexo com finalidade reprodutiva será dispensado da exigência de camisinha, desde que se apresente um exame de HIV negativo.

3. As lésbicas também estarão sujeitas a escrutínio?
Ninguém se lembra da existência de camisinha feminina; e, com a questão trans no centro dos holofotes, as lésbicas estão ainda mais esquecidas que as camisinhas femininas. Podemos dizer então que, em virtude da opressão estrutural sistemática imposta pelo patriarcado às mulheres, as lésbicas serão isentas de fiscalização. Como não somos transfóbicos, as mulheres trans não serão discriminadas. Se vir uma lésbica se rechaçando os avanços de uma mulher trans, pegue o telefone e ligue imediatamente para a polícia. A transfobia não pode ficar impune!
 
Como pôr em vigor essa lei?
A Ciência já determinou que a camisinha salva vidas
. Só genocidas seriam contrários ao uso obrigatório de camisinha. Como existem pessoas ignorantes e más no mundo, é preciso coagi-las em nome do bem maior que é a vida. A inviolabilidade do lar é um direito anterior à AIDS. É dever do Estado assegurar que haja funcionários públicos capacitados para a averiguação da atividade sexual dos brasileiros.[caso não haja, é só um partideco ingressar no STF exigindo que tais fiscais sejas disponibilizados e um dos ministros do Supremo estabelecerá prazo - de dias ou horas - para que um número suficiente de fiscais seja contratado.]

Será criada a Polícia da Higiene Sexual, com um corpo de servidores capacitados para o exame e inspeção atentos do membro viril. O concurso público contará com uma reserva de vagas de 50% para pessoas LGBTQUIABO, como uma singela forma de reparação histórica.

A Polícia será servida de uma base de dados a ser implementada. O SUS contará com um cadastro de homens sexualmente ativos.  
Quando um mancebo for iniciar suas atividades sexuais, estará obrigado por lei a notificar a Polícia da Higiene Sexual e a entregar sua chave de casa. A não-notificação será punida com multa. A entrega das chaves servirá para que o servidor entre na casa das pessoas sem aviso, em horários suspeitos de cópula. Isso deixará o cidadão muito bem educado para estar sempre com a camisinha.

No entanto, se as cópulas reduzirem, o trabalho da fiscalização fica mais fácil. Como uma forma de reparação histórica, as mulheres terão ao seu lado a Primazia da Palavra da Vítima (isto é, da mulher), um princípio jurídico bem estabelecido de atual, contrário à noção retrógrada e obscurantista de “presunção de inocência”. Toda mulher poderá pegar o telefone e delatar o homem que não usa camisinha, e nossos policiais irão imediatamente tomar metade dos bens dele e dar para ela.

Estudos apontam que a violência camisinhal (quando o homem deixa de usar a camisinha) acomete bilhões de mulheres no Brasil. A nossa lei fará com que as mulheres finalmente se sintam à vontade para denunciar essa forma de violência.

A questão dos homossexuais passivos é controversa. Uma ala quer dissociar a AIDS da homossexualidade para reparar injustiças históricas, já que a AIDS, sem nenhum amparo na realidade era associada a esse segmento social nos anos 80. Por isso, seria preciso fazer uma propaganda contrária contra a heterossexulidade. Outra ala, porém, quer criar o Cadastro dos Homossexuais Passivos e, após criterioso exame do órgão excretor, dar o mesmo direito da Primazia da Palavra da Vítima (isto é, o passivo). As feministas não gostaram. Mas, pensando bem, desestimula-se a prática do sexo também entre os gays, o que faz com que precisemos de um efetivo menor de concursados. Assim há menos gastos públicos e é, portanto, obrigatório os verdadeiros liberais defenderem a medida.

Quanto aos infectados com HIV, mandá-lo-emos (se não cortarem a minha mesóclise) para acomodações confortáveis em que terminarão seus dias com a certeza de não infectar os sadios.

O mundo está mesmo cheio de boas intenções.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES