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quarta-feira, 5 de julho de 2023

Para ser um Estado Democrático de Direito, não podemos ter exceção - Alexandre Garcia

Não podemos ter exceção para o princípio do devido processo legal. E o poder do povo seria realmente exercido por seus representantes se mandantes e mandatários estivessem mais próximos, como através do voto distrital

Quando alguém grita água, água, água, ou quando clama insistentemente por pão, ou, desesperado, ainda consegue pedir ar, é porque está sedento, faminto ou precisa respirar.  
Assim, hoje, como todos os dias, a palavra democracia aparece na televisão, no rádio, nos jornais, nas tribunas, na boca de políticos e eleitores. A conclusão é que está faltando; há sede e fome de democracia, sem a qual as liberdades não respiram e morrem afogadas. 
 
Você não consegue passar um dia sem ouvir ou ler dezenas de vezes a bendita palavra, na abundância de sua escassez. É óbvio que os responsáveis por isso somos nós. Nós permitimos e nós os elegemos
Os que operam as instituições estão lá em nosso nome. 
Os que escreveram a Constituição e as leis, o fizeram em nosso nome e com o nosso voto. 
Os que fazem funcionar a administração do Estado são nossos servidores. 
Mas tudo isso fica na teoria, porque, na prática, os que receberam o poder do povo se sentem donos do Estado, da lei e das instituições enquanto muitos tratados como servos, pagadores dos impostos que sustentam os Poderes em três níveis — e isso não é democracia, que é o exercício do poder do povo, regido pela Constituição.
 
Há, portanto, uma disfunção institucional. A lei básica é desrespeitada e, sendo ela desrespeitada, prevalece o arbítrio, pessoas impondo suas vontades. Se você ler comigo a Constituição, verá no primeiro artigo que deveríamos ser uma "república federativa" num "Estado Democrático de Direito", e que "todo poder emana do povo". 
Com a atual distribuição dos impostos, o Brasil é uma república unitária, já que o Executivo federal centraliza os impostos
Para ser um Estado Democrático de Direito não podemos ter exceção para o princípio do devido processo legal. 
E o poder do povo seria realmente exercido por seus representantes se mandantes e mandatários estivessem mais próximos, como através do voto distrital — pois, hoje, votam no Parlamento em desacordo com seus mandantes eleitores.
 
O segundo artigo da lei básica diz que são independentes o Legislativo, o Executivo e o Judiciário — nessa ordem. A ordem hoje está invertida, e o sistema de governo é presidencial só no nome, pois o presidente tem pouca autonomia.  
O Judiciário legisla e intervém no Executivo. No art. 5º, você lerá: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e muitas leis já foram feitas e até criadas no Judiciário, aplicando distinções. Ao negar a igualdade, usam a falácia da "ação afirmativa" para discriminar.
 
O capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos é tão fundamental que só pode ser alterado por uma assembleia constituinte, mas já virou rotina desrespeitar a livre manifestação do pensamento (IV), a livre expressão (IX), a inviolabilidade do sigilo das comunicações (XII), o direito de reunião pacífica sem armas (XVI) e o direito de propriedade (XXII).  
O mesmo art. 5º estabelece que não haverá juízo ou tribunal de exceção, mas inquéritos sem o Ministério Público, como estabelecem os art. 127 e 129, fazem exceção ao devido processo legal, essencial em democracia.
 
 
 
 
O art. 52 diz que presidente condenado fica oito anos inabilitado para função pública, mas isso foi desrespeitado na condenação de Dilma Rousseff e foi a porteira por onde começou a passar a boiada.  
O art. 53 diz que deputados e senadores são invioláveis por quaisquer palavras, mas não têm sido. 
O art. 220 garante a manifestação do pensamento, sem qualquer restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo; 
diz que nenhuma lei poderá ser embaraço à informação, sendo vedada toda e qualquer censura política, ideológica e artística.
Não preciso dizer a você, que está sedento por democracia, o quanto nos faz falta cumprir a Constituição.
 
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Estelionato sanitário – Folha de S. Paulo

Opinião

Aperto da quarentena 1 dia após vitória tucana em SP é sinal de engodo eleitoral

Bruno Covas (PSDB) reelegeu-se prefeito de São Paulo com quase 20 pontos percentuais de diferença, em votos válidos, sobre Guilherme Boulos (PSOL). Pode-se imaginar que tal vantagem talvez estivesse em risco se medidas de quarentena contra a Covid-19 tivessem retornado na capital antes do segundo turno que consagrou o tucano.

[só pessoas extremamente sem noção, desprovidas  de raciocínio é que se surpreendem com a quarentena decretada pela dupla tucana. O passado dos dois, a conduta em relação à pandemia escreve na testa dos dois que são adeptos da quarentena meia boca e do isolamento ridículo e inútil.

O chefão para bem desempenhar suas funções de caixeiro-viajante do governo chinês precisa de tempo - até que uma vacina genérica seja aprovada - e para isto o melhor é maximizar eventual alteração para maior na média de infecções e mortes pela covid-19 e o seu pupilo precisa do mesmo para reapresentar a política de 'criação de engarrafamentos' e mostrar que é competente na compra de milhares de urnas funerárias.] 

O fato é que, logo no primeiro dia após a eleição, Covas e o governador paulista, João Doria, do mesmo partido, se apressaram a anunciar que o estado todo retrocederá à fase amarela do Plano SP. Deixar o estágio verde —o mais brando na escala de cinco níveis— significa que estabelecimentos comerciais voltam a ter ocupação limitada a 40%, com dez horas de funcionamento e término às 22h. Escolas continuam abertas.

A rapidez em adotar a providência permite supor que ambos os mandatários tinham noção da gravidade prenunciada no repique da curva de Covid-19. Isso não impediu o candidato de afirmar ainda no sábado (28), véspera da segunda rodada, que havia estabilidade da pandemia na cidade de São Paulo. Indícios como a alta de internações em hospitais públicos e privados já apontavam então na direção oposta. Nada se alterou tanto, em apenas 48 horas, para justificar a súbita recaída na precaução.

Postergar medidas imperativas e difíceis para depois de fechadas as urnas é um velho vício brasileiro, a principal modalidade do famigerado estelionato eleitoral. Verdade que Covas e Doria tiveram de lidar com a ainda mal explicada pane informática no Ministério da Saúde, que recebe e totaliza dados nacionais de casos e mortes pelo coronavírus. Foram duas semanas de falhas, provável fruto da invasão de seus computadores.

Com essa justificativa, o governo paulista anunciou o adiamento, para depois do segundo turno, da revisão mensal do Plano SP marcada para 16 de novembro. Alegou-se que a imprecisão nas informações poderia levar cidades a progredirem para a fase verde mesmo tendo alta indetectada. Verificou-se o inverso —uma capital de 12 milhões de pessoas demorando a reforçar o distanciamento.

Ambas as campanhas dos adversários no segundo turno, ademais, seguiram promovendo aglomerações para conquistar eleitores. Não surpreendeu que Boulos tenha contraído Covid-19 precisamente nesse período. Atrasos têm consequências funestas. Nas próximas semanas, paulistas e paulistanos descobrirão qual o preço, em infecções e óbitos, de ver o poder público procrastinar medidas sanitárias inevitáveis.

Opinião - Folha de S. Paulo

 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Oposição leal

[lealdade por parte do PT? e da esquerda que o segue? IMPOSSÍVEL!]

 Os mandatários que assumirão as rédeas do País precisam ter ciência de que não se faz uma democracia apenas com palavras de ordem

Se a preocupação de todos os protagonistas da eleição concluída no domingo era preservar a democracia, como dizem ter, então a primeira atitude a tomar desde já é não apenas comprometer-se a respeitar o resultado das urnas, mas principalmente a exercer bem e com serenidade o papel que lhes caberá ao longo do próximo mandato presidencial – seja como governo, seja como oposição –, de modo a privilegiar exclusivamente o interesse maior do País. 

Isso significa não somente que o vencedor da eleição não pode tratar a oposição como inimiga, como a oposição precisa ter claro que seu papel é o de eventualmente contestar medidas propostas e adotadas pelo governo, e com as quais não concorda, e propor alternativas, e não acabar com o País. Ou seja, a oposição precisa ser leal com o Brasil e com seu eleitor, que não lhe conferiu um mandato político para sabotar o governo e agravar uma crise que já foi longe demais. Afinal, não há democracia se o diálogo entre forças políticas antagônicas está interditado por definição. 

É preciso que, de parte a parte, haja consciência do enorme desafio a superar nos próximos tempos, e que um eventual insucesso do governo eleito nessa empreitada pode comprometer o futuro do País por décadas. Não é possível que o interesse particular deste ou daquele partido e deste ou daquele líder político se sobreponha à tarefa essencial de tirar o Brasil dessa profunda barafunda econômica, política e moral.  Não dá mais para apostar na surrada estratégia do “quanto pior, melhor”, porque o resultado quase certamente será um retrocesso inaudito, cujas maiores vítimas serão os mais pobres – dependentes de um Estado cada vez menos capaz de fornecer os serviços mais básicos aos cidadãos. Se é da defesa das classes menos favorecidas que se trata, como sugeriam os discursos inflamados de quase todos os políticos nessa eleição, então é preciso assumir a responsabilidade de trabalhar em conjunto para tirar o País do atoleiro. 

Nenhum partido ou movimento que se diz interessado no bem-estar do povo pode se furtar a participar dessa empreitada. O clima de crispação da campanha eleitoral sugere que será muito difícil, se não impossível, alcançar algum consenso entre governo e oposição, mas é justamente em momentos desafiadores como esse que os líderes políticos verdadeiramente comprometidos com o País e com sua gente precisam se apresentar e articular as bases mínimas para um acordo nacional. Os atores que protagonizarão o jogo político nos próximos tempos precisam recuperar o sentido da negociação democrática, em que se respeita a opinião alheia como legítima, posto que igualmente chancelada nas urnas. 

É necessário mitigar urgentemente o clima de fim de mundo que parece ter tomado conta do debate nacional. Numa atmosfera deletéria dessas, a perspectiva de qualquer acordo, inclusive em temas comezinhos, torna-se remota. Esquece-se da natureza essencialmente transitória dos entendimentos políticos; tudo se torna definitivo e irredutível. Perdeu-se, entre uma baixaria e outra, a capacidade de fazer concessões para alcançar um consenso ao menos momentâneo, em vista do bem maior. A lamentável campanha eleitoral – em que os contendores se acusaram mutuamente de preparar uma ditadura – chegou ao fim e o País não pode ficar cindido pelo clima da eleição. 

A democracia é uma preciosa conquista dos brasileiros, que decerto não concederão ao próximo presidente e àqueles que lhe farão oposição delegação para prejudicar ainda mais o País. Ao contrário do que pode parecer, é possível encontrar pontos de convergência para encaminhar as reformas e outras medidas tão necessárias para a superação da crise. Para isso, o primeiro passo é descer do palanque. Há muito tempo, infelizmente, as questões mais importantes para o País têm sido decididas tendo em vista somente a próxima eleição, o que dificulta muito a formulação de políticas de Estado – isto é, que transcendem partidos e interesses paroquiais. Os mandatários que assumirão as rédeas do País a partir do ano que vem, no governo e na oposição, precisam ter ciência de que não se faz uma democracia apenas com palavras de ordem. Lealdade e cooperação – é isso o que a Nação espera de seu corpo político.

Opinião - O Estado de S. Paulo