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quarta-feira, 5 de julho de 2023

Para ser um Estado Democrático de Direito, não podemos ter exceção - Alexandre Garcia

Não podemos ter exceção para o princípio do devido processo legal. E o poder do povo seria realmente exercido por seus representantes se mandantes e mandatários estivessem mais próximos, como através do voto distrital

Quando alguém grita água, água, água, ou quando clama insistentemente por pão, ou, desesperado, ainda consegue pedir ar, é porque está sedento, faminto ou precisa respirar.  
Assim, hoje, como todos os dias, a palavra democracia aparece na televisão, no rádio, nos jornais, nas tribunas, na boca de políticos e eleitores. A conclusão é que está faltando; há sede e fome de democracia, sem a qual as liberdades não respiram e morrem afogadas. 
 
Você não consegue passar um dia sem ouvir ou ler dezenas de vezes a bendita palavra, na abundância de sua escassez. É óbvio que os responsáveis por isso somos nós. Nós permitimos e nós os elegemos
Os que operam as instituições estão lá em nosso nome. 
Os que escreveram a Constituição e as leis, o fizeram em nosso nome e com o nosso voto. 
Os que fazem funcionar a administração do Estado são nossos servidores. 
Mas tudo isso fica na teoria, porque, na prática, os que receberam o poder do povo se sentem donos do Estado, da lei e das instituições enquanto muitos tratados como servos, pagadores dos impostos que sustentam os Poderes em três níveis — e isso não é democracia, que é o exercício do poder do povo, regido pela Constituição.
 
Há, portanto, uma disfunção institucional. A lei básica é desrespeitada e, sendo ela desrespeitada, prevalece o arbítrio, pessoas impondo suas vontades. Se você ler comigo a Constituição, verá no primeiro artigo que deveríamos ser uma "república federativa" num "Estado Democrático de Direito", e que "todo poder emana do povo". 
Com a atual distribuição dos impostos, o Brasil é uma república unitária, já que o Executivo federal centraliza os impostos
Para ser um Estado Democrático de Direito não podemos ter exceção para o princípio do devido processo legal. 
E o poder do povo seria realmente exercido por seus representantes se mandantes e mandatários estivessem mais próximos, como através do voto distrital — pois, hoje, votam no Parlamento em desacordo com seus mandantes eleitores.
 
O segundo artigo da lei básica diz que são independentes o Legislativo, o Executivo e o Judiciário — nessa ordem. A ordem hoje está invertida, e o sistema de governo é presidencial só no nome, pois o presidente tem pouca autonomia.  
O Judiciário legisla e intervém no Executivo. No art. 5º, você lerá: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e muitas leis já foram feitas e até criadas no Judiciário, aplicando distinções. Ao negar a igualdade, usam a falácia da "ação afirmativa" para discriminar.
 
O capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos é tão fundamental que só pode ser alterado por uma assembleia constituinte, mas já virou rotina desrespeitar a livre manifestação do pensamento (IV), a livre expressão (IX), a inviolabilidade do sigilo das comunicações (XII), o direito de reunião pacífica sem armas (XVI) e o direito de propriedade (XXII).  
O mesmo art. 5º estabelece que não haverá juízo ou tribunal de exceção, mas inquéritos sem o Ministério Público, como estabelecem os art. 127 e 129, fazem exceção ao devido processo legal, essencial em democracia.
 
 
 
 
O art. 52 diz que presidente condenado fica oito anos inabilitado para função pública, mas isso foi desrespeitado na condenação de Dilma Rousseff e foi a porteira por onde começou a passar a boiada.  
O art. 53 diz que deputados e senadores são invioláveis por quaisquer palavras, mas não têm sido. 
O art. 220 garante a manifestação do pensamento, sem qualquer restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo; 
diz que nenhuma lei poderá ser embaraço à informação, sendo vedada toda e qualquer censura política, ideológica e artística.
Não preciso dizer a você, que está sedento por democracia, o quanto nos faz falta cumprir a Constituição.
 
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

quarta-feira, 9 de março de 2022

DESMONTAR A ARMADILHA QUE NOS CAPTUROU - Percival Puggina

Nas raras ocasiões em que ouvimos um parlamentar afirmar e sustentar algo com argumentos consistentes e benéficos à nação, usamos a expressão – “Esse me representa!”. 
O meritório conceito jamais se destina a quem esteja defendendo privilégios, favores especiais a quaisquer grupos, aumento do gasto público, cerceamento de nossas liberdades, demagogias populistas e dissimulação de posições. São vozes, raras vozes que olham a nação e os cidadãos. 
 
Por que se tornaram tão raros? Por que, ao ouvi-los, nos sobrevém o desejo de aplaudi-los, se estão simplesmente fazendo o que deveríamos esperar de todos e de cada um? 
E se tantos, a ponto de se tornarem majoritários, não correspondem às nossas expectativas, como se elegem e reelegem? 
Pois aí está a armadilha, a razão de nossa atual impotência, caro leitor. Vamos desmontá-la? 
 
Esses políticos representam grupos de interesse que, uma vez atendidos, se dão por satisfeitos. Daí os privilégios, os favores, as demagogias, o populismo e a gastança dos nossos recursos.  
Seus eleitores, sem perceber, ajudam a montar a armadilha para si e para os demais. 
Desconhecem haver neles, como em todos nós, duas dimensões – uma individual e uma social. A individual trata do interesse próprio. 
A social vê o cidadão (o sujeito da pátria, o membro da nação, o agente da história).

Nosso sistema de eleição proporcional para os parlamentos permite que dezenas de milhões de cidadãos fiquem sem representante porque votaram em candidatos não eleitos, ou porque uma semana depois não lembram em quem votaram, ou porque não têm comunicação com o eleito. E vice versa: parlamentares não conhecem seus eleitores. Todo um sistema de comunicação indispensável à democracia fica inoperante! O deputado conseguiu a verba, destinou a emenda parlamentar, foi bom despachante de questões individuais, cuidou de seus cabos eleitorais? Missão cumprida, o resto do tempo é para cuidar de grana e reeleição.

Quando vai às bases, esse político padrão conversa apenas com companheiros. A nação e a cidadania estão ausentes, fora da pauta. Há um desinteresse completo e inconsequente sobre questões que levam a sociedade às ruas, tais como prisão após condenação em segunda instância, fim da impunidade, impeachment de ministros do STF, ativismo judicial, direito de trabalhar, direito de defesa, extinção de privilégios e remunerações abusivas, liberdade de expressão, reformas institucionais e fiscais, pluralismo nas universidades. É a armadilha em silenciosa operação. Vamos desmontá-la?

O voto distrital, ao contrário do que se alega, acaba com isso! Como cada distrito elege apenas um deputado, ele será o deputado de todos, do mesmo modo como o prefeito é prefeito de quem votou e de quem não votou nele. Será cobrado por todos. E ao retornar às bases seu incontornável destino é estar entre seus representados dando explicações das quais não tem para onde fugir.

Sua vida, suas posições, ações, omissões e votos dados em plenário transcorrem sob as vistas de todos. No meio do mandato, um recall pode mandá-lo de volta para casa por mau desempenho. Com o voto distrital, a armadilha se inverte: quem é caça, vira caçador. Impossível? Quase, mas totalmente impossível se as pessoas fizerem disso um não assunto, como são hoje, entre os congressistas, os temas de nosso maior interesse. Boa informação e não votar em ladrões e picaretas em 2022 já é bom começo.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. 

 

domingo, 7 de novembro de 2021

A sinuca da ingovernabilidade - Alon Feuerwerker

Análise Política

Todo sistema político estável supõe mecanismos eficazes de disciplinamento do partido, ou partidos, que sustentam o governo. E a regra essencial é o detentor principal de poder deter também grande influência sobre as possibilidades de reprodução do poder de quem lhe dá sustentação. De vez em quando isso se dá com o predomínio da força. No AI-5, o presidente da República podia cassar mandatos. Era sem dúvida um forte [e, na época, necessário]  instrumento de persuasão.

Em modelos baseados no voto distrital, parlamentaristas ou presidencialistas, o detentor de mandato legislativo costuma equilibrar-se entre a fidelidade ao líder, aos militantes partidários do distrito e ao eleitorado dali. Um exemplo didático são os Estados Unidos. Se o deputado ou senador não dosar bem essas variáveis, corre risco real de ser, inclusive, derrotado nas primárias partidárias da eleição seguinte, e aí não poder nem disputar a recondução.

De vez em quando fica complicado, porque o presidente da República (ou o primeiro-ministro no parlamentarismo) pode querer muito uma coisa que os eleitores do distrito não querem. Um exemplo do momento são governantes que buscam conter fortemente o uso de carvão, no âmbito das iniciativas contra as mudanças climáticas, mas enfrentam a resistência de correligionários eleitos por distritos cuja economia se baseia exatamente nisso.

Nenhum mecanismo de disciplinamento é infalível, mas há os melhores e os piores. Nesse ponto, o Brasil parece esmerar-se na construção de um sistema político em que o Executivo terminará por não dispor de nenhum mecanismo ao mesmo tempo eficiente e aceitável para disciplinar a maioria do Congresso Nacional. É disso também que nasce o crescente e pelo visto irrefreável protagonismo do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal.

Um mecanismo de disciplinamento provado na vida prática é distribuir ministérios aos partidos que apoiam o governo e exigir desses partidos fidelidade nas votações do Congresso. Mas as décadas recentes assistiram à degradação e criminalização dessa prática, que acabou plasmada na consciência coletiva como sinônimo de corrupção. Interessa menos aqui discutir se essa visão é “justa”. Para a política, o que vale é a maneira como a opinião média a enxerga.

E há a agravante do grande número de partidos a satisfazer.

Outro mecanismo é garantir a prevalência dos parlamentares governistas na execução de recursos orçamentários destinados a suas bases eleitorais. Isso também vem sendo crescentemente mal visto, pelas mesmas razões do “loteamento” de cargos. Mas há aí um complicador adicional: o orçamento impositivo, que obriga o governo a pagar parte das emendas parlamentares e na prática dificulta deixar de executar despesas introduzidas no orçamento por quem não lhe dá apoio.

O experimento político brasileiro vem tentando criar um modelo único no mundo, em que se criminaliza oferecer ao parlamentar algum mecanismo de compensação que o faça votar em medidas impopulares, ou simplesmente condenadas pela chamada opinião pública. 
 E governos precisam o tempo todo adotar medidas assim. O resultado: 1) teratomas como os bilhões de reais destinados às “emendas de relator” e 2) a ingovernabilidade que mesmo assim avança.

Há alguns caminhos para sair da sinuca. Um, que na teoria resolveria, seria implantar o voto distrital, puro ou misto, em um ou dois turnos, limitar drasticamente o número de partidos por meio de uma duríssima cláusula de desempenho [medida necessária e que acabaria de vez com esses partidecos SEM votos, SEM programa de governo, SEM representatividade, SEM noção, e que querem governar judicializando até pensamentos, em um verdadeiro atentado contra o Poder Judiciário, que além de ter sobrecarga de trabalho passa a ter tentações legislativas, função para a qual seus membros não foram eleitos.] e tornar obrigatórias as primárias partidárias para indicação de candidatos a todos os cargos. Ah, sim: e impor que partidos só poderão lançar candidatos ou participar em coligação onde tiverem feito convenção.

Há outros, mas nenhum indolor. Todos, para ser aplicados aqui, demandariam uma ruptura com o atual desenho, trazido pelos constituintes de 1988.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


quarta-feira, 7 de julho de 2021

A DEMOCRACIA BRASILEIRA É UMA FARSA - Percival Puggina

Se fizermos uma lista de tudo que deploramos em nosso país, ela será imensa. Pouco, muito pouco, de nossas instituições políticas ficaria em pé. Por vezes, eu as vejo como espectros mal-assombrados, pousados nos telhados da pátria como aqueles demônios que dão o que pensar nos beirados de diversas catedrais medievais que visitei.

Somos contra essa democracia de embromação, essa farsa que nos concede o extraordinário privilegio de sermos “o poder soberano” (durante nove horas de votação, a cada quatro anos). Ou seja, vivemos numa falácia em que nossa fatia no poder nacional corresponde a um milésimo do tempo que dele dispõem, para próprio gozo, os poderes de Estado. Não preciso dissertar sobre a importância que dão à nossa pobre e mal vista opinião ao longo desse tempo, fazendo quase tudo ao contrário do que queremos.

Se somos conservadores e/ou liberais, somos contra o esquerdismo, o falso progressismo e suas narrativas, a Nova Ordem Mundial, a falta de pluralismo na difusão de ideias nos meios educacionais, culturais e de informação. Somos contra o empenho fanático pela implantação da  ideologia de gênero nas escolas e escolas com partido, a universidade com politburo. Somos contra a privatização das estatais pelos quadros funcionais, a corrupção política e administrativa, a impunidade, a obstrução ao nosso direito de autodefesa e os desrespeitos ao direito de propriedade. Somos contra o aborto, o “multiculturalismo” que exclui a cultura ocidental, a “diversidade” que discrimina a maioria e a põe sob severa suspeita. Somos contra o voto não auditável, não impresso, não recontável.

Como tudo isso está bem representado nesse puxadinho do PT em que se transformou o STF! 
Afinal, essa é a tenebrosa visão de mundo do "progressismo" internacional.
 Uma das causas – se não a principal delasdessa desgraceira toda está na alfaiataria constitucional brasileira. Péssima qualidade! Tudo anda assim por absoluto favorecimento das regras e do poder que desde as sombras comanda o país. Por isso, precisamos ter bem claro: naquele nosso espasmo de participação política chamado eleição, deveremos conceder nosso apoio e votos a candidatos que explicitem com muita clareza o que querem para o Brasil. Aponte a porta da rua, amigo leitor, para o candidato que lhe aparecer com o polinômio “Saúde, Educação, Trabalho e Segurança”! 
Ou, pior ainda, se lhe apresentar como credencial um sorridente selfie ao lado de quem quer que seja.

Não basta que ele apoie nosso candidato a presidente se não estiver comprometido até o fundo da alma com elevados valores morais, profunda reforma institucional, voto distrital, recall para os parlamentares com mau desempenho, redução do tamanho do Estado, direito de defesa, liberdade de opinião e expressão, direito à vida desde a concepção, direito de propriedade, reforma do ensino e da gestão universitária, desaparelhamento do Estado, privatizações, reforma geral do STF, fim do financiamento público aos partidos e campanhas eleitorais. Abençoe Deus cada eleitor brasileiro nos meses por vir, orientando-nos para o sincero e efetivo amor a Ele, ao Brasil e ao seu povo.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 3 de maio de 2016

As distorções do voto

Constatada a decadência de nossa democracia representativa, um fenômeno que não se restringe ao Brasil, mas que tem características próprias de nosso modelo político-eleitoral, quais soluções se apresentam para minorar os problemas que enfrentamos? Parece haver uma confluência entre os especialistas sobre a inadequação de nosso sistema eleitoral, e a necessidade de haver uma contenção do número de partidos que possam integrar o Congresso. O voto proporcional levaria a distorções pelo voto de legenda e às coligações proporcionais.

O sociólogo Francisco Weffort crê que a grande influência na decadência da representação tem a ver com a permanência do sistema eleitoral de representação proporcional de voto com lista aberta. “Esse método tornou-se incapaz de funcionar adequadamente em um país como chegou a ser o Brasil, de enorme população eleitoral e de extraordinária diversidade regional”. Nosso federalismo é extremamente desequilibrado, analisa Weffort. “Nas circunstâncias da lei atual, temos alguns deputados com muitos milhares de votos, em geral eleitos em grandes estados, e muitos outros com alguns poucos milhares de votos, eleitos em pequenos estados ou, mesmo em grandes estados, com as sobras ‘de legenda’”.

Tudo se complica, diz ele, quando se examina a representação no Senado, levando em conta que é igual o número de senadores por estado. E o que é pior, os senadores contam com suplentes que, sem votos próprios, esvaziam ainda mais o sentido da representação. Weffort crê que seria preciso mudar o sistema eleitoral para voto distrital, “segundo o exemplo inglês ou, talvez melhor, o alemão”. Para os partidos haveria que admitir fórmula de barreira, pelo menos quanto à representação parlamentar, ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita na TV. “Seriam medidas no caminho de aproximar o representante dos seus representados e de diminuir os custos das campanhas”.

Weffort diz que o recall seria importante, e não descarta a possibilidade do voto distrital, que sugere o sistema parlamentarista, com presidencialismo ao estilo americano ou com as mudanças do estilo francês. O cientista político Nelson Paes Leme chama de “absurdo” o modelo de eleição que adotamos, tanto no voto proporcional para a Câmara quanto no majoritário no Senado, e os vê como os mais diretos e imediatos motivos dessa baixíssima qualidade.No voto proporcional, temos a aberração do voto de legenda”, analisa ele. Mas há outros tumores localizados, ressalta, como a pluralidade “absurda e incontrolável de legendas inideológicas e aprogramáticas por natureza e essência”.

Ele culpa também os subsídios partidários obrigatórios, como a lei da propaganda eleitoral. No voto majoritário, cita “a aberração extra desses suplentes familiares, esposas, filhas, filhos e irmãos, que assumem cadeiras estaduais importantíssimas na Câmara Alta sem terem tido um único voto, consolidando uma representação primitiva, hereditária e feudal”.

Também o critério de representantes por unidade no Senado é totalmente distorcido do princípio de freios e contrapesos, diz ele. Mas talvez o pior de todos os problemas, na opinião de Paes Leme, seja a distância dos eleitos em face do eleitorado que os elegeu por esse sistema em país continental como o nosso. “Distância física e política, porque a não existência do distrito federado e do voto distrital misto, como na maioria dos países europeus e no Japão, ou das exaustivas prévias regionais norte-americanas, faz com que o representante seja um solene desconhecido, um quase estranho para o eleitor que muito raramente tem a oportunidade de sequer apertar-lhe a mão, mesmo em raras campanhas quadrienais, do seu eleitorado”.

O cientista político Jairo Nicolau, especialista em sistemas eleitorais, chama a atenção para dados específicos de pesquisas de comportamento do eleitor, que certamente refletem esses problemas. “Poucas semanas após as eleições, metade dos eleitores já não lembrava como tinha votado para deputado federal ou estadual. Esses números são bem maiores do que o dos que esquecem a escolha para governador e presidente”.

Outro tópico é a relação entre preferência por um partido e voto para deputado federal e estadual.
O número total de eleitores que votam na mesma sigla que preferem é de cerca de 5% para os 2 cargos. A convergência entre voto para deputado federal e voto para presidente é de cerca de 25% do eleitorado total, isto é, cerca de 1/3 dos eleitores fez escolhas incongruentes, votou em candidatos para deputado federal de siglas que não compunham a coligação presidencial.

Fonte: O Globo - Merval Pereira

 

segunda-feira, 20 de abril de 2015

As ruas pedem reforma política. Mas não a do PT

Protestos contra o governo dão impulso a grupos que lutam pela adoção do voto distrital no Brasil. 

Em meio aos cartazes de 'Fora Dilma', suas bandeiras já se fazem ver

Sempre que o PT se vê acuado pelas ruas - seja nos protestos de 2013 ou nas recentes manifestações que tomaram o Brasil contra o governo Dilma Rousseff e o partido -, figurões da legenda sacam da cartola a proposta de reforma política apoiada pela sigla como a panaceia para os males que assolam o país. "Não vi ninguém nas ruas pedir reforma política", chegou a ironizar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sobre a resposta do partido às manifestações de 15 de março. De fato, o "Fora Dilma" é pleito predominante entre os que saíram às ruas naquele domingo e em 12 de abril. Mas a onda de insatisfação com o governo já denota que o país abriu os olhos ao que se passa em Brasília. Grupos aproveitam os protestos anti-Dilma para lançar manifestos pela reforma política - mas uma reforma muito diferente daquela desejada pelo PT, que demoniza o financiamento privado de campanha e defende o voto em lista fechada. Pedem, entre outras coisas, a adoção do voto distrital, com a consequente redução no número de partidos. E, com seus cartazes, já se fazem ver nas ruas. [a lista fechada é entregar o governo aos indicados pelos caciques partidários - que recebem a incumbência de estabelecer a ordem na lista e os votos irão, prioritariamente, para os cabeças da lista.
E os caciques de cada partido usarão para definir a posição dos candidatos na lista critérios que só eles sabem como foram escolhidos.
Imagine os nomes que o estrupício do Lula iria escolher, a começar por ele mesmo.]

É o caso da aposentada Nazareth Fairbanks, de 75 anos, que protestava em frente ao vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 12 de abril. Escrito em verde e amarelo, o papel trazia os dizeres "Voto Distrital Já". "Isso é que é reforma política", bradava ela, apontando com o dedo para a cartolina colorida. Próximo à aposentada, um grupo formado por cerca de dez pessoas recolhia assinaturas de manifestantes a favor da medida que institui o sistema majoritário de votação para as cadeiras do Legislativo. O apoio era endossado por lideranças do Vem pra Rua - um dos principais movimentos por trás dos atos contra a presidente Dilma Rousseff neste ano -, que defendia a proposta aos gritos de cima dos carros de som.

"Se o impeachment resolvesse o problema do Brasil, depois do Collor nós teríamos resolvido a política brasileira. O problema é muito mais profundo. Precisamos mudar a forma como a sociedade e a classe política interagem. E é justamente isso que faz o voto distrital: conecta o eleitor aos seus representantes. Sem isso, qualquer mudança é mero paliativo", afirma o empresário Mario Lewandowski, um dos porta vozes do movimento Eu Voto Distrital, que esteve presente nos atos dos dias 15 de março e 12 de abril. Segundo ele, nesse período o número de adesões ao projeto explodiu: cerca de 15.000 assinaturas foram conseguidas em um mês. O registro se iguala à marca atingida durante as eleições do ano passado, e só é inferior ao alcançado em junho de 2013, quando foram recolhidas 30.000 assinaturas. Os momentos de pico são acompanhados pelo aumento da audiência na página do grupo no Facebook e podem ser visualizados no gráfico abaixo. "Nosso apoio cresce exponencialmente nos períodos de maior politização da população", avalia Lewandowski.

Não à toa. A adoção do voto distrital implicaria mudanças drásticas na estrutura política do país - e ajudaria a sanar questões como a crise de representatividade do Congresso, ineficiência do governo, os altos custos de campanha e a política baseada na fisiologia, ou no "toma lá da cá". 

A mudança só não tem ainda mais apoio justamente pela falta de conhecimento da população, apontam os defensores do voto distrital. "É um tema muito técnico. Mas assim que as pessoas conhecem o modelo e você explica como funciona é tão intuitivo e lógico que todos abraçam na hora", diz Lewandowski. Outra defensora ferrenha do voto distrital, a professora aposentada, Bartira Bravo, de 67 anos, afirma que o principal entrave é a falta de informação. No dia 12 de abril ela foi à Avenida Paulista justamente para pedir o "ensino de política e cidadania nas escolas". "Sem educação não tem solução", repetia, como lema de sua trajetória, marcada pela participação no movimento das Diretas Já (1983-1984) e pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992). Bartira vê os atos contra a presidente Dilma como um "avanço" na conscientização política da população. Para disseminar a proposta, sobretudo na internet, o grupo Eu Voto Distrital publica frases de personalidades favoráveis à medida, como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa: "Sou inteiramente favorável ao voto distrital. Com ele, você passa a eleger alguém cujo trabalho você conhece".

No manifesto entregue na última quarta-feira por 26 grupos responsáveis por encampar protestos contra a presidente, encabeçados pelo Vem pra Rua, às lideranças de partidos de oposição, lá estava novamente o pleito: "Maior justiça, legitimidade e representatividade nas eleições pela implantação do Voto Distrital", dizia o quinto artigo da carta lida na frente do Congresso.

O empenho de alguns manifestantes em levantar a bandeira do voto distrital surgiu principalmente depois do ato do dia 15 de março, quando o governo Dilma anunciou como resposta à mobilização que se empenharia a aprovar reforma política no Congresso. Mas uma reforma em total desacordo com as ruas. O partido sonha proibir doações privadas de campanha. Alega que vetar doações eleitorais de empresas significaria também dar fim aos esquemas de caixa dois e aos laços entre políticos e grandes companhias - como as empreiteiras, atualmente no centro da Operação Lava Jato. O argumento ignora o fato de que a derrama de dinheiro público nas campanhas não eliminaria o incentivo para que as legendas e os políticos continuassem a buscar dinheiro de maneira clandestina para alimentar suas atividades. Tampouco declara que o PT seria o maior beneficiário do financiamento público exclusivo. "Não é essa reforma que nós queremos. Saímos às ruas no dia 12 de abril justamente para dizer à presidente que ela não entendeu o nosso recado", afirmou Rogério Chequer, coordenador do Vem pra Rua.


Levar adiante a adoção do voto distrital no Congresso não é uma tarefa fácil. A mudança só pode ser concretizada por meio de emenda à Constituição, o que exige votação em dois turnos na Câmara e no Senado. Enquanto o PSDB defende o voto distrital misto, o PMDB encampa o chamado "distritão".  

Já o PT quer o voto em lista fechada. "Assim como em outros países, no Brasil é muito difícil debater a reforma política. Principalmente porque aqueles que se elegem e se reelegem, hoje, têm medo de mudar, de transitar para um novo sistema em que talvez não tenham chance de ganhar", afirma o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UNB). Para o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos, a única forma de emplacar a medida é por meio das manifestações. "Essa discussão perdeu muito a importância à medida que temos um sistema no qual impera a fisiologia. Um dos elementos para mudar isso é a pressão popular", afirma.

Na última quarta-feira, entrou na pauta de votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) um projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que institui o voto distrital para as eleições nas Câmaras Municipais de cidades com mais de 200.000 habitantes. A votação foi adiada para a próxima semana porque o senador Humberto Costa (PT-PE) pediu vista do processo, alegando inconstitucionalidade. Apesar da resistência petista, Serra afirmou "ter ganhado o dia" ao saber do apoio de peemedebistas, como a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) e o relator da medida, senador Eunício de Oliveira (PMDB) ao texto. Além de dar um parecer favorável ao pleito, Eunício fez um discurso inflamado em defesa do projeto durante a sessão: "O sistema eleitoral constitui o coração de um sistema político, e toda reforma que passe ao largo da mudança nesse sistema eleitoral será insuficiente e inepta para fornecer à sociedade brasileira uma resposta clara aos reclamos, inquietações e críticas que levaram milhões de pessoas às ruas em junho de 2013 e neste início de 2015. É preciso iniciar a reforma do sistema político brasileiro, e esta reforma, para ser efetiva e sincera, deve contemplar a reforma do sistema eleitoral proporcional de listas abertas, que o Brasil adota sem grandes modificações desde o pós-guerra, nas eleições de 1945".

Na expectativa de que a proposta seja aprovada tanto na Câmara como no Senado até setembro, prazo máximo para que comece a valer nas eleições municipais de 2016, o senador tucano vê um "clima propício" para que isso ocorra. "É um processo fadado a dar certo. Aqui no Senado a chance de aprovação é muito alta. Eu creio que hoje há um clima no país que favorece. Inclusive, eu apresentei essa ideia na campanha para o Senado. E a minha sensação é que não repercutia no horário eleitoral. Mas na verdade repercutiu, as pessoas entendiam com rapidez a vantagem desse sistema", afirmou Serra.

Os defensores do voto distrital encaram a tramitação da medida com entusiasmo. Ainda que por ora esteja restrita às eleições para vereador, acreditam que a proposta é um passo importante para reformar o sistema político brasileiro. Kramer lembra o caso dos analfabetos, inicialmente autorizados a votar só em eleições municipais, e que hoje são autorizados a votar para todos os cargos eletivos. "Vejo a medida como um teste piloto. A partir das eleições municipais, você pode ver os problemas que surgem e as vantagens de sua aplicação, pensando já em empregá-la nas eleições gerais", afirmou Kramer.

Fonte: Revista VEJA