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domingo, 6 de junho de 2021

Rouba mas faz, de novo? - Carlos Alberto Sardenberg

Quando se cita o mote, os mais jovens – e nem estes tão jovens assim – lembram-se de Paulo Maluf.  Mas até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60, prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.  Ele mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: neste bolso nunca entrou dinheiro roubado; e a platéia, divertida: calça nova, governador. Ele ria.

Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada.  Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.  O folclore ficou para Ademar de Barros, mas o fato é que a coisa se espalhava por todo o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse Brasília), oferecesse bons negócios públicos para os correligionários e nomeasse a turma. O capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até que foram apanhados o mensalão e o petrolão – mas que, visto de hoje, parecem mesmo dois pontos fora da curva.Todo mundo está sendo perdoado nas instâncias judiciárias e políticas. O STF vem cancelando condenações e devolvendo ao  cenário político personagens que curtiram cana em anos recentes. Na política, não há melhor exemplo  de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Lula saiu de lá com o voto de FHC e o passado limpo. Não precisou pedir desculpas pelos eternos ataques ao tucano (herança maldita, entreguista, neoliberal), pelos seguidos pedidos de impeachment que o PT entrava contra o governo FHC, muito menos pelo mensalão e pelo petrolão. Em resumo, Lula levou tudo e não entregou nada. Digamos que FHC tenha feito algumas ressalvas em privado. Mas isso não conta em política. Na sua única manifestação pública, Lula disse que se fosse FHC contra Bolsonaro, ele votaria no tucano.

Estão de gozação. FHC disse que ainda continua preferindo uma terceira via, mas tornou-a ainda mais difícil – se não a enterrou – ao anistiar Lula sem levar nada em troca. Reparem no cenário político – ex-presidiários voltando ao comando, o Centrão nomeando e gastando, Bolsonaro ameaçando golpes e vendendo pedaços do orçamento, os correligionários ocupando os cargos, a Lava Jato destruída, os negócios de amigos só não voltam com tudo porque a economia ainda patina. Mas já se nota a ocupação de estatais e fundos de pensão pela turma do governo.

Eis o quadro: amigo meu não fica na estrada; ganhar 200 mil por mês do governo não tem nada demais; para os amigos, tudo, para os adversários, o rigor da lei. (Dizem que esta última era do Getúlio!) E Bolsonaro quer colocar os militares na roda. Boa parte do mundo desenvolvido está saindo da pandemia e voltando a crescer. Há riscos pela frente, como a temida volta da inflação elevada, provocada pelo excesso de dinheiro que os governos gastaram e continuam gastando. Sim, era preciso apoiar pessoas e empresas na pandemia, mas como já dizem alguns economistas, talvez tenham colocado água de mais na bacia.

De todo modo, por aqui, estamos longe de superar a pandemia [sic] O nível de investimento público e privado está em torno de 15% do PIB, insuficiente para sustentar crescimento. A reforma tributária foi cortada em fatias tão finas que nem se as vê. É possível que o sistema piore com vários impostos e contribuições sobre as mesmas mercadorias e serviços.

Neste momento, a recuperação dos desenvolvidos está nos ajudando, via commodities e juros zerados pelo mundo afora. Mas se lá subirem inflação e juros, teremos outra conta a pagar – em um mau momento.

Capaz de piorar. Ficar no rouba e nem faz.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Aos que apreciam a verdade, sem narrativas criativas, sugerimos:

Os vigaristas da adversativa - Augusto Nunes

 

Coluna publicada em O Globo - Economia


quinta-feira, 21 de abril de 2016

Foi Lula que começou

A crise foi produzida meticulosamente pela prática de um típico populismo latino-americano

A presidente Dilma tem razão. Ela não é a única culpada pela crise brasileira. Lula iniciou os estragos.

É difícil marcar datas em política econômica — os erros, assim como os acertos, demoram a aparecer — mas pode-se dizer que Lula começou a introduzir um viés de esquerda-populista por volta de 2005, quando reagia ao mensalão. Nesse ano, em junho, Dilma Rousseff assumiu a Casa Civil, passando a ser um contraponto ao então todo poderoso ministro da Fazenda Antônio Palocci.

Ficou assim: de um lado, a política econômica neoliberal, ortodoxa, tocada pela dupla Palocci/Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) e, de outro, a oposição interna, à esquerda, de Dilma. Ao longo do tempo, a balança pendeu para o lado de Dilma, afinal escolhida candidata em 2010.

Essa disputa se materializou em torno de dois temas-chave: superávit primário versus aumento de gastos públicos praticamente sem limite; buscar a meta de inflação de 4,5% versus tolerar inflação mais alta.

Alguns momentos importantes dessa disputa: em novembro de 2005, Dilma produziu relatório dizendo que Palocci estrangulava o governo com seu controle de gastos; logo em seguida, Dilma desqualificou como tosco e rudimentar um plano de ajuste fiscal de longo prazo, defendido por Palocci; em março de 2006 Palocci caiu, substituído por Guido Mantega, aliado de Dilma e que comandaria a “nova matriz”, causa imediata do atual desastre, no primeiro mandato da presidente.

No final do governo Lula, o único pilar da política econômica ortodoxa que permanecia de pé era o BC de Meirelles. A dupla Dilma/Mantega tentou derrubá-lo. Lula quase topou, acabou desistindo. Seria uma complicação inútil, mesmo porque Meirelles entregava inflação em torno da meta e juros baixos para o momento. Com a saída de Meirelles, já no governo Dilma, o populismo imperou sem limites.

E Lula aplaudiu. Ele havia topado a ortodoxia não por acreditar nisso, mas por medo. Iniciou seu governo, em 2003, sob imensa desconfiança. O dólar havia chegado a R$ 4,00 quando ele foi eleito (seria o equivalente hoje a seis reais), houve fuga de capitais, alta de juros e da inflação. A percepção era clara: Lula vai desmontar o Real, a estabilidade fiscal, o regime de metas de inflação.

A montagem de uma equipe super-ortodoxa começou a mudar essa sensação. A ação efetiva dessa equipe — logo de cara produzindo o maior superávit nas contas públicas da era do Real — virou o jogo. A estabilidade deu ganho de renda e permitiu a volta do crédito, com a consequente expansão do consumo. Acrescente aí o boom das commodities — o Brasil exportou duas vezes mais pelo triplo do preço — e Lula nadou de braçada. Sobrou dinheiro, sobraram dólares.

Curioso: sobrou dinheiro para gastar e começar a introduzir o populismo. Lula fez isso de diversas maneiras: aumento do gasto com funcionalismo, tanto com mais contratações quanto com reajustes salariais generosos; aumento real do salário mínimo, que indexa aposentadorias e outros benefícios pagos pelo governo; aparelhamento do Estado e estatais com os companheiros; e distribuição de verbas públicas aos sindicatos e movimentos sociais.

Mas o movimento mais forte se deu no lançamento de um plano megalomaníaco de investimentos tanto do governo quanto de estatais. E empurrou bancos públicos para negócios arriscados e/ou duvidosos.

O melhor exemplo desse desastre está na Petrobras. Em 2008, Lula obrigou a empresa a adotar um programa de construção de quatro refinarias (das quais duas foram abandonadas e duas nem chegaram a um terço, a preço muito maior), ao mesmo tempo em que ampliava sua atuação para outras áreas e na exploração do petróleo.

Ficou assim: a ideologia indicava que se podia aumentar o gasto público sem limite; a má gestão levou a maus investimentos; e a corrupção, de que só soubemos com a Lava-Jato e que vem desde o primeiro mandato de Lula, completou o desastre.

Parecia tudo bem enquanto durou o dinheiro obtido com a estabilidade e o boom das commodities. Dilma achou que estava tão bem que resolveu sepultar de vez o ajuste fiscal e as metas de inflação.

Hoje, diz que era impossível perceber a chegada da crise. Lula também tira o corpo.

Mas esta crise foi produzida meticulosamente pela prática de um típico populismo latino-americano.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg - O Globo

 

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CUT quer pegar em armas



Reunião de ontem no Planalto pareceu coisa de Venezuela
Incoerência do governo com uma pauta que os movimentos sociais chamam de “neoliberal” e o apoio que eles precisam dar à governabilidade já criou problema para o PT, que se recusou a assinar um documento dos movimentos sociais com críticas ao governo. Mas essa incoerência a gente vai enfrentar daqui pra frente, por que o governo precisa fazer o ajuste fiscal, e precisa do apoio dos movimentos sociais.  

A reunião de ontem da presidente com sindicalistas e movimentos sociais foi assustadora, foi a coisa mais próxima da Venezuela. No Palácio do Planalto, na frente da presidente, alguém falar que vai pegar em armas, sem que ela tivesse dito uma palavra contra aquilo. Menos mal que voltaram atrás depois no twitter.

Por: Merval Pereira – O Globo