O Estado de S. Paulo
Presidente é, agora, a perfeita expressão do sistema que diz desprezar
A
causa do fracasso eleitoral [sic] de Jair
Bolsonaro nas eleições
municipais é simples de ser resumida. Ele interpretou de
maneira equivocada a onda disruptiva que o levou ao Palácio do Planalto em
2018. Achou que tinha sido o criador desse fenômeno político quando, na
verdade, apenas surfava a onda.
O
fato é que essa onda, depois de arrebentar o alvo primordial (as forças
políticas ao redor do PT), se espraiou, perdeu sentido e direção, dividiu-se
entre seus vários componentes antagônicos. Esvaziou-se, com Bolsonaro achando
que apenas falando, apenas no gogó, manteria o ímpeto de uma onda dessas – um
fenômeno político raro.
Na
verdade, a principal lição oferecida a Bolsonaro pelas eleições do último
domingo é a do primado da organização, capilaridade e peso das agremiações
partidárias no horizonte político mais extenso. Pode-se adjetivar como se
quiser o conjunto de partidos que elegeu o maior número de prefeitos e
vereadores ou colocá-los onde se preferir no espectro político. O denominador
comum entre eles é a existência de estruturas profissionais voltadas para a
política.
É
exatamente o que Bolsonaro desprezou logo que assumiu. Trata-se de um dos
aspectos mais relevantes para ilustrar o fato de o presidente eleito com 57
milhões de votos há apenas dois anos ter um desempenho tão pífio como cabo
eleitoral. Todo dirigente populista, não importa a coloração política, cuida de
criar um movimento para chamar de seu – com seus emblemas, palavras de ordem
(ou “narrativa”), mitos e, sobretudo, uma estrutura razoavelmente hierárquica e
definida, com sede e endereço.
Embora
tivesse à disposição da noite para o dia um grande número de deputados federais
e seus correspondentes recursos públicos, o surfista da onda política atuou
para implodir o partido pelo qual se elegeu e não conseguiu colocar de pé nada
parecido a uma agremiação consolidada com um mínimo de coesão. É bem provável
que Bolsonaro tenha sido vítima do mito que criou para si mesmo (e dá provas
quase diárias de acreditar nisso piamente): a de ter sido escolhido por Deus e
beneficiado por um milagre (sobreviver à facada) para conduzir o povo do
Brasil.
Com
tal ajuda “de cima”, é só esperar as coisas acontecerem. Ocorre que mesmo os
homens tornados mitos por desígnio divino precisam, como dizem os alemães, do
“Wasserträger”, aquele que vai trazer a água. E isto não se consegue apenas com
redes sociais. Foi outro aspecto interessante das eleições de domingo: a
demonstração dos limites de atuação das ferramentas digitais, que adquiriram
relevância permanente como instrumentos de mobilização, sem serem capazes por
si só de garantir predominância na luta política.
Passada
a onda disruptiva (alívio para alguns, desperdício de oportunidade histórica
para outros), o que se pode prever para as próximas eleições, em relação às
quais Bolsonaro sacrificou qualquer outro plano? Se ele foi capaz, em 2018, de
vencer o “establishment” e o jeito convencional de fazer política, ainda por
cima dispondo de menos recursos que seus adversários “tradicionais”, em 2022
Bolsonaro só tem chances dentro do que ele mesmo chamou de “sistema”.
Do
qual, ironicamente, o “outsider” acabou se tornando uma perfeita expressão:
vivendo para o próximo ciclo frenético de manchetes, sem um plano ou estratégia
de longo prazo, cuidando em primeiro lugar de seus interesses familiares e
paroquiais, cultivando popularidade com programas assistenciais e preocupado
acima de tudo em ficar onde está. É onde a onda nos deixou.
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo