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segunda-feira, 19 de junho de 2023

França, Itália e Alemanha resistem à loucura das palavras “inclusivas”

Europeus rejeitam modismo que começou nos Estados Unidos, uma mudança da língua feita de cima para baixo, das elites para o povão

 

“Cada vez que um apresentador de noticiário usa a linguagem sensível aos gêneros, mais algumas centenas de votos vão para a AFD”.

Assim resumiu a encrenca o líder democrata-cristão Friederich Merz, da direita tradicional, referindo-se ao avanço do partido de direita nacionalista, o Alternativa para a Alemanha, conseguido simplesmente pela revolta de eleitores comuns com as maluquices politicamente corretas que pretendem inverter a dinâmica das línguas, organismos vivos que mudam de baixo para cima, com mudanças impostas de cima para baixo.

E a coisa está funcionando: segundo a mais recente pesquisa, 18% dos alemães apoiam atualmente o AFD, um choque para todo o resto do espectro político.

Em alemão, um idioma com palavras conglomeradas em blocos, a novilíngua é mais complicada ainda. 
Para se referir aos espectadores sem usar a forma masculina, que engloba tudo, apresentadores de televisão têm que usar a seguinte versão supostamente inclusiva: Zuschauer*inner. 
Antes que o modismo americano batesse até na língua de Goethe, Zuschauer bastava.
Professores viram Lehrer*inner. 
Trabalhadores estrangeiros (ou estrangeires), Arberitgeber*inner.

A tendência natural das línguas à simplificação, mesmo no alemão, é assim contrariada.  “Todo esse debate sobre gênero é uma pomposidade de pessoas que não fazem ideia do que é a língua”, reclamou recentemente o conhecido apresentador Wolf Schneider, citado pelo Telegraph.

Nas línguas latinas, que têm flexão de gênero, como o português, o debate fica ainda mais surreal.

A maior prova disso é que os defensores da linguagem falsamente inclusiva querem impor o uso de abominações como “todes” ou “menines”, como na Espanha é claro que fomos correndo copiar —, mas quando uma palavra é neutra, como presidente, defendem a flexão feminina, presidenta — desde, claro, que a envolvida seja de esquerda; se for de direita, tendem a usar algum adjetivo ofensivo.

Na França, foi um auê quando um dos mais tradicionais dicionários, o Le Robert, passou a incorporar o pronome “iel” como alternativa aos tradicionais, “il” e “elle”, ele e ela.

Até Brigitte Macron, que sensatamente procura evitar polêmicas, opinou: “Ele e ela, já está bom. A língua é tão bela. Dois pronomes bastam”.

Detalhe: ela foi durante toda sua vida profissional professora de literatura — e das boas, atestam ex-alunos — e também dava aulas de teatro quando conheceu o marido, ainda estudante. Hoje, dá aulas de francês num projeto para jovens adultos.

O ministro da Educação na época em que eclodiu o debate linguístico, Jean-Michel Blanquer, foi mais incisivo: “Querem triturar o francês”.

“A escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”, estrilou.

“É o ápice da loucura, apresentado sob a bandeira do politicamente correto”, concorda um abaixo-assinado que corre na Itália contra uma iniciativa semelhante — e mais indigente ainda, como se fosse possível. 

Em lugar de “lui” e “lei”, os pronomes pessoais teriam a vogal central substituída pelo “schwa”, semelhante à letra “e” invertida. O schwa é usado no Alfabeto de Linguagem Fonética aqueles hieróglifos que ninguém entende — para representar o som entre “a” e “e” que é muito comum na língua inglesa. Sequer existe um som parecido em italiano.

As consequências de obrigar os italianos a pronunciar um som alheio ao idioma de Dante seriam “involuntariamente cômicas”, diz o acerbo abaixo-assinado, que tem o apoio das presidente da Accademia della Crusca, equivalente à Academia de Letras.

A inclusividade de gêneros já acontece na prática de forma natural, não forçada pela ideologia “woke” — uma palavra importada diretamente dos Estados Unidos que tende a deixar muitos franceses loucos da vida e prever, algo exageradamente, o fim da civilização ocidental, entre outros males.

Diante do total predomínio feminino no professorado, por exemplo, é comum que suas congregações sejam tratadas como “professoras”mesmo que existam representantes do cromossoma XY entre elas.

Diplomatas, artistas, juristas, analistas, economistas, massagistas, estetas e, claro, jornalistas, entre outras atividades terminadas em “a”, deveriam mudar para o “e” em nome da inclusividade?

Seria, obviamente, uma estupidez. 

É conservadorismo, ou até reacionarismo, resistir às mudanças “woke”? Acabaremos “todes” dizendo “todes”?

Conservar um patrimônio comum como a língua não significa zelar por um monumento imutável. 
Aliás, querendo ou não, weekend, outdoor, aids, covid, sexy, shorts, sale, wifi, reset e web estão organicamente instalados nas línguas ocidentais, para desespero dos puristas.  
E também compliance, uma palavra que nem tinha sinônimo para significar a adesão aos mandamentos éticos das empresas.

Mudanças boas, como a condenação ao assédio sexual em geral e nos ambientes de trabalho em particular, e à discriminação de todo tipo não podem ser obscurecidas pelos absurdos do “wokismo”, um exagero tão anglo-saxão que nem tem tradução. 

Décadas atrás, se diria conscientização uma palavra comprida demais e, em muitos sentidos, ultrapassada. Exigia, por exemplo, que todo mundo lesse Marxou pelo menos os textos principais e os mais relevantes comentários a respeito. Tudo analisado em grupos de estudos. 
Depois, ainda tinham que militar muito para ganhar o direito de se declarar “marxistas”. 
Eram, na maioria, universitários mimados, como “todes” que hoje querem impor mudanças linguísticas da elite para o povão, e tinham o resto da vida para se arrepender. 

Já na língua conspurcada por asneiras, o arrependimento não apagará o que já foi escrito.

Vilma Gryzinski, Mundialista - VEJA

 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Reação visa mostrar a militares que interferência na eleição não será tolerada - O Estado de S.Paulo

Mariana Carneiro, Julia Lindner e Gustavo Côrtes

Mais do que rebater as informações falsas de Jair Bolsonaro sobre as urnas eletrônicas, as reações das Cortes superiores ontem miravam as Forças Armadas. Não caiu bem a prometida interferência militar no processo eleitoral – conforme mostrou o Estadão, os fardados se propuseram a fazer uma apuração paralela do pleito.  

[COMENTANDO: Desculpem perguntar, mas o 'povão' tem dificuldade em perceber o que não é dito, não é mostrado, e por isso insiste na pergunta que não quer calar:  qual foi a reação? em termos concretos o que  foi feito? ]

Luiz Fux, presidente do STF, que de início não queria se manifestar, mudou de ideia após conversar por vídeo com Edson Fachin, que preside o TSE. Magistrados relatam nos bastidores o intuito de demonstrar que tanto Fachin quanto Alexandre de Moraes, futuro presidente do TSE, não estão isolados, têm respaldo do conjunto do Judiciário e que interferências não serão admitidas.

POLOS. As falas de Bolsonaro foram assunto de Lula na reunião fechada que ele teve com lideranças do MDB anteontem. Aos presentes, Lula disse que a maior prova da lisura das urnas é que, apesar de ir contra o establishment, ele chegou à Presidência. É o mesmo argumento que os críticos de Bolsonaro usam. O de que, se existisse fraude, o candidato “outsider” jamais teria sido eleito.


Sinais Particulares, por Kleber Sales. Ministro Edson Fachin, presidente do TSE

 Coluna do Estadão - O Estado de S. Paulo


domingo, 26 de junho de 2022

O dragão e a eleição - Alon Feuerwerker

Análise Política
 
Todos os levantamentos apontam que a economia é e será a principal preocupação do eleitor nestes pouco mais de três meses que restam para o primeiro turno. Por “economia” leia-se “inflação”, até porque a atividade e o emprego mostram algum fôlego.

O que está pegando mesmo são os preços. O problema é global em boa medida, [a inflação dos Estados Unidos, país cuja economia é modelo para muitos brasileiros, está maior do que a do Brasil e um dos recursos utilizados para tentar contê-la é o mesmo usado no Brasil = elevação da taxa de juros = aliás, caminho adotado em outros países com problema semelhante.] mas isso não resolve o sufoco da dona Maria e do seu João na hora de encarar as compras no mercado.

Toda eleição traz o tema do “mercado”, mas quando a expressão entra em debate o foco da pauta costuma ser o mercado financeiro. Não para a massa, em particular quando a alta dos preços queima aceleradamente o poder aquisitivo. Quando o salário ou a renda não alcançam o final do mês.

A inflação derrotou a Arena de Ernesto Geisel em 1974 após um ciclo de crescimento brilhante no Milagre. Depois deu as mãos à estagnação e, com o nome de estagflação, enfraqueceu decisivamente João Figueiredo. E o fez perder o controle da sucessão.   A inflação estava quase derrubando José Sarney quando o Plano Cruzado estabilizou a política e deu ao PMDB uma vitória arrasadora em 1986. A volta da inflação transformou Sarney num pato manco e derrotou em 1989 todos os candidatos mais identificados com a Nova República.

Aí veio Fernando Collor, que dizia ter uma única bala para matar o dragão. A bala falhou. A isso juntaram-se 1) a falta de base parlamentar e 2) o ressentimento dos derrotados na urna. O resultado foi o impeachment.

O vice de Collor, Itamar Franco, sobreviveu na cadeira porque aceitou virar um presidente decorativo e entregar o poder de fato ao ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Cujo Plano Real salvou o governo e garantiu a ascensão dele próprio à Presidência em 1994. As raspas do tacho do Real garantiram também a inédita reeleição de FHC em 1998.

Mas o custo do estelionato eleitoral foi alto.
Um segundo mandato medíocre e, em 2002, a perda do poder para o PT. Na campanha, o PSDB dizia que a inflação, já nos dois dígitos, era culpa das incertezas políticas trazidas pelo petismo. Não funcionou.  O eleitor até tem algum interesse em saber de quem é a culpa, mas vai atrás mesmo é de quem ele acha ter melhores condições para resolver o problema.

Luiz Inácio Lula da Silva assumiu e deu logo a pancada. Superávit primário duro e um chute para valer nos juros, para cima. Tirou o oxigênio do dragão e, com programas sociais turbinados, ganhou musculatura para sobreviver aos escândalos, reeleger-se e eleger Dilma Rousseff. [e F ... o Brasil e milhões de brasileiros - em termos de desastre econômico os  13 anos do petismo foi pior que a pandemia e ainda teve a roubalheira do descondenado petista.]

Que vinha confortável, até que na virada de 2012 para 2013 [os petistas governando] as curvas do PIB e da inflação deram jeito de querer cruzar, a primeira para baixo e a segunda para cima. O mau humor começou a represar, e todo mundo sabe o que aconteceu em junho. Dilma, como FHC, ainda conseguiu raspar o tacho e reeleger-se, mas, ao contrário do tucano-rei, não tinha um colchão político para atravessar os quatro anos de vacas magras. E veio o segundo impeachment da redemocratização, abrindo o período turbulento que deu em Jair Messias Bolsonaro [turbulento já no começo pelo sistemático boicote, chegando mesmo à sabotagem e...] =  Que topou pela proa com dois anos de pandemia e uma guerra na Europa de consequências planetárias, especialmente na economia. E, para não variar, sofre por estar no comando e ter ele de dar as respostas ao principal problema do povão hoje: a inflação.

Repetindo: o eleitor até tem algum interesse em saber de quem é a culpa, mas vai atrás mesmo é de quem ele acha ter melhores condições para resolver o problema. Daí que períodos de inflação alta acabem favorecendo o ambiente para uma troca de guarda.[Podem até favorecer, só que se for o descondenado o novo 'guarda' teremos pelos frente além da roubalheira que caracterizou os desgovernos petistas o plano de governo que o ex-presidiário e descondenado Luladrão está apresentando é um plano para destruir o Brasil. Confira uma análise técnica e fria, porém, verdadeira e incontestável. 
Já o presidente Bolsonaro apesar de todos os esforços dos seus inimigos, que também são inimigos do Brasil,  não teve nenhum  pedido de impeachment acolhido,  pela  simples razão que  não cometeu nenhum crime que sustente um pedido. Graças a DEUS com o fim da pandemia e a recuperação econômica,  Bolsonaro enfim poderá governar.]

Mas governo é governo e tem os instrumentos para lutar.
Se vai saber ou conseguir usar, aí já é outra conversa. 
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
 
 

 

segunda-feira, 8 de março de 2021

Povão começa a reagir aos “covideiros”? - Jorge Serrão

Edição do Alerta Total

Não basta mais usar máscara. O sistema midiático de geração de amedrontamento agora recomenda que você use duas máscaras. Quem quiser vesti-las, junto com um face shield (aquele protetor de face, de plástico), melhor ainda. A ordem (ops, recomendação) vem sempre acompanhada da mensagem: “A orientação é da Organização Mundial da Saúde”.  Ou seja, quem não obedecer é transformado, automaticamente, em inimigo mortal da saúde pública. Ganha o rótulo de negacionista. A pecha simplista de fascista. Por tal lógica, precisa ser reprimido duramente pelas forças estatais de vigilância. Assim, a repressão e a supressão da liberdade ganham ares de “normalidade” e pretensa “legitimidade”. Tudo em nome de “uma boa causa humanitária”. Impossível maior cinismo pragmático...

A narrativa continua a mesma. O pandemônio, também. A maioria foi convencida a tomar vacina. O problema, previsível, acontece. Continua faltando vacina para todo mundo. A oposição perdida e sua midia abestada jogam a culpa em Odorico Paraguaçu (ops, Jair Bolsonaro).   Só que ele não é o fabricante da vacina, nem o comerciante que lucra com sua venda em massa. Os megalaboratórios priorizaram os países do Primeiro Mundo, onde vivem seus acionistas controladores, que querem dividendos, mas, antes de tudo, imunização. 
Os habitantes do Terceiro Mundo dependem do fornecimento pela China e Índia. 
Nossos laboratórios estatais Butantan e Fiocruz não têm capacidade produtiva suficiente, além de dependerem dos insumos vindos do exterior.

Sem vacina suficiente, sem leitos de UTI que nunca tivemos de sobra (nem nos hospitais particulares caríssimos), os hospitais seguem sobrecarregados. 

Assim, a narrativa volta a se concentrar no “use máscaras (agora duas)”, no “mantenha distanciamento social”, no “Fique em casa” e, na mais terrível e falsa alternativa, o tal do “Lockdown” (em livre tradução Tabajara: “fecha a porra toda, e dane-se quem precisa trabalhar, produzir, gerar emprego e pagar impostos sem fim”. Governadores e Prefeitos seguem ditando as ordens, como determina a Constituição, reforçada pela interpretação do Supremo Tribunal Federal.

O Monstro do Lockdown (já solicitamos uma entrevista oficial a ele) segue reinando. A maioria dos lojistas não teve outro jeito, senão aceitar a repressão estatal, só permitindo o regime de comércio semi-aberto para entrega (que fica mais bonito chamar de Delivery)
Até a Organização Mundial da Saúde já advertiu que o lockdown tem pouca eficácia prática, a não ser permitir um descanso dos profissionais de saúde sobrecarregados de trabalho. 
O curioso é que o lockdown vale para o comércio, porém a regra não se aplica, na prática, aos transportes públicos superlotados, sobretudo nas grandes cidades.

Por causa dessa contradição mal resolvida, os segmentos mais revoltados da população começam a reagir. Partem para protestos na porta das mansões (ops, residências) dos governadores e prefeitos. Alguns dos dirigentes reagem truculentamente. O governador de São Paulo, por exemplo, ameaça processar quem reclama dele. Parecem de guerra (ou de uma operação militar de alta envergadura) as imagens de dezenas de viaturas e motos cercando o quarteirão no qual mora João Dória, em um riquíssimo bairro de São Paulo. Até a vizinhança está bronqueada com ele. Tanto que um vizinho filmou a suposta festa dada pelo filho de Dória no fim de semana. Ele alega que foi apenas música alta. Só que ninguém acredita… A calça apertou ainda mais…


Os “covideiros” já estão com as barbas de molho. O povão começa a reagir às narrativas absolutamente falsas que não encontram respaldo na realidade prática da vida. Infelizmente, a terrível doença segue presente e deve continuar a pleno vapor, porque a vacinação ainda é lenta e seus resultados reais ainda carecem de comprovação estatística e científica, por mais que a propaganda oficial e médico-farmacêutica diga que o remédio funciona. Desta forma, a população prossegue refém do medo, da incompetência estatal e das incertezas econômicas geradas pelos “lockdowns”.

Dica segura? Beba água, tome sol (vitamina D), consuma alimentos com vitamina C, mantenha a higiene pessoal e evite, ao máximo, aglomerações, principalmente em espaços públicos lotados, sujos e inseguros.  
No mais, é torcer para o Covidão não te pegar. O Monstro do Lockdown já te pegou. Cedo ou tarde você sentirá os desastrosos efeitos econômicos. O cinismo pragmático e o medo seguem ganhando de goleada. O Bem Amado Odorico que se cuide!

No mais, vamos celebrar o Dia Internacional da Mulher - que deveria ser todo dia. Mas quem quiser comemorar o Dia Internacional do Homem (não sei que dia é) [uma colega acaba de dizer que é o 1º de abril - os fundamentos ela não apresentou...basta vestir uma máscara dark do Dart Vader. Afinal, a coisa segue preta...

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A corte brasiliense

Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 15 de outubro de 2020

Algum tempo atrás, um ministro do STF me ligou para reclamar de uma coluna em que eu criticava o fato dele (ministro) ter dado um Habeas Corpus a uma pessoa de suas relações. Não cito o nome do ministro porque isso foi solicitado por ele. Mas o teor da conversa não está incluído nessa restrição.

Foi assim: o ministro começou perguntando se eu duvidava da isenção dele naquele julgamento. Respondi que o ponto não era exatamente isso: havendo ou não dúvidas, para mim estava claro que ele, nem qualquer outro ministro poderia julgar pessoas com as quais mantinha relações sociais. O ministro respondeu que isso seria praticamente impossível em Brasília. Lá, acrescentou, todo mundo que gira em torno das diversas esferas do poder se conhece. Disse, inclusive, que mantinha ótimas relações com políticos influentes.

E me perguntou: você acha que eu não posso julgar um deputado ou senador com o qual troco ideias e até jantamos juntos? Respondi: pois acho que não devia de jeito nenhum. Então o juiz partilha jantar e bons vinhos com um parlamentar e no dia seguinte julga se ele recebeu corrupção? Logicamente, voltamos ao tema da isenção, o ministro garantindo que era capaz de separar a função de juiz de suas atividades sociais e políticas.

Estranhei a questão das atividades políticas. O ministro então comentou que frequentemente participava de negociações com membros de outras esferas de poder para administrar crises, apagar incêndios, encaminhar projetos de lei e emendas constitucionais. Tudo absolutamente normal, sustentava com vigor. Na verdade, isso é mesmo normal na corte brasiliense. Diversos episódios estão acontecendo neste exato momento. Por exemplo, o então presidente do STF Dias Toffoli recebe para uma pizza o presidente da República que é investigado naquela corte. Sendo que o próprio Toffoli havia poucos dias dera uma decisão favorável a um dos filhos de Bolsonaro.

A indicação de ministros para as cortes superiores é uma manobra política. Não que não existam bom juízes, mas o aspirante a cargos superiores tem que fazer política, angariar apoios entre deputados, senadores, líderes partidários e do governo, membros das cortes às quais concorre e, claro, tomar uma tubaína com o presidente da República. (Antes, era tomar uma cerveja com Bolsonaro, mas tubaína cai melhor entre religiosos e o povão. Pelo menos, eles acharam isso).

Também é verdade que juízes, uma vez entronizados no cargo, mudam as posições que haviam assumido durante o processo de indicação. Às vezes, é traição. Outras vezes, a força dos fatos e o andamento dos processos obrigam o juiz a abandonar uma promessa. Aconteceu, por exemplo, no caso do mensalão.

Quando o caso começou a aparecer, quase todo mundo em Brasília, incluindo jornalistas, garantia que não ia acontecer nada, que estava tudo acertado entre os ministros e o governo Lula. Como se viu, não estava. Quer dizer, até poderia ter havido alguma combinação, mas a força da investigação e o vigor de alguns juízes deram um sinal claro de virada. Um avanço que depois se materializou com a Lava Jato. O momento atual, contudo, é uma tentativa de volta ao passado, dos “bons” tempos da corte brasiliense, quando os jornalistas também consideravam normal toda aquela promiscuidade.

Lembro de um debate entre jornalistas em que um deles dizia que não se podia criticar uma decisão do presidente da Suprema Corte. Ora, é claro que se pode, e é o que se faz na imprensa independente. A Corte erra e isso, de uns tempos para cá, nem é raro. [repetindo o já dito: Rui Barbosa em 1914, definiu a 'infalibilidade' da Suprema Corte: “Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”]

Há alguns meses, por exemplo, o STJ tomou uma decisão ridícula: dizia que o comerciante não poderia dar desconto ao comprador que pagasse à vista. Seria injusto com quem pagava a prazo. Um ministro que participara do caso me ligou dizendo que era mesmo ridículo, mas estava na lei. Ou seja, a culpa era do CongressoMas se os juízes são capazes de tantas interpretações, poderiam perfeitamente evitar o vexame. Agora, mudou. Pode dar desconto – o que aliás todo mundo fazia, com ou sem lei. Aliás, é outro problema da corte: não sabem o que acontece no país.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


sábado, 11 de abril de 2020

O Brasil dividido entre o partido antivírus e o pró-vírus - J. R. Guzzo - Gazeta do Povo





A epidemia oferecida ao mundo pelo coronavírus da China conseguiu produzir, no Brasil, um fenômeno talvez sem precedentes: pela primeira vez na história uma substância química passou a servir como linha de divisão entre a direita e a esquerda. É essa hidroxicloroquina, um clássico trava-língua do qual ninguém jamais tinha ouvido falar até hoje fora da comunidade envolvida com o universo da química, mas sobre a qual todo mundo passou a ter, subitamente, opiniões apaixonadas – do presidente da República ao porteiro do seu prédio. A discussão é se essa droga, disponível através da indústria farmacêutica, serve ou não para curar a Covid-19.


Química é química, e política é política, mas no Brasil irracional em que estamos vivendo, as coisas não são assim. Se você é de direita, e a favor do presidente Jair Bolsonaro, você acha que a hidroxicloroquina é um santo remédio para curar a Covid-19. 
Se você é de esquerda, e contra o governo, acha que é um veneno – ou, no mínimo, uma substância suspeita, de efeitos desconhecidos e que não pode, de jeito nenhum, ser receitada para ninguém.

Ouça: 
[No podcast tem:
- detalhes sobre a hidroxicloroquina e mais
- oito tratamentos contra a Covid-19 que estão sendo analisados;
- o 'solta geral' da bandidagem 'recomendado' pelo CNJ.]

Naturalmente, como de costume, quanto menos o sujeito sabe sobre química, farmácia e medicina, mais certeza ele tem de que está com a razão. Não ajuda em nada, para se melhorar os níveis clareza do bate-boca, o fato de que os próprios médicos e pesquisadores estão amargamente divididos sobre os efeitos do medicamento. Não é uma questão difícil de entender quando se leva em conta que, desde a chegada da epidemia, o Brasil se dividiu entre o partido antivírus e o partido pró-vírus. O primeiro quer que a Covid-19 seja eliminado o mais cedo possível, que o confinamento seja encerrado e que o país volte a funcionar rapidamente. O segundo quer que a epidemia apresente estatísticas cada vez piores, que a quarentena seja reforçada e que o país demore o máximo possível para voltar ao normal.

O Brasil antivírus, é claro, é o do governo – quanto mais cedo a praga acabar, melhor para ele. 
O Brasil pró-vírus é o da oposição. Quanto mais o país demorar para recuperar a normalidade, tanto pior para o governo e o seu futuro político.

O resto dessa história toda é bem conhecido. A hidroxicloroquina está disponível e sendo aplicada, é claro, nos hospitais dos ricos e dos planos médicos “top de linha”; é tomada, também, pelos médicos que pegaram o vírus e podem controlar o seu próprio tratamento.
O raciocínio que está valendo, aí, é o seguinte: 
os conhecimentos já obtidos sobre a droga ainda não são completos, mas já são suficientes para aplicá-la, sem riscos, num vasto número de pacientes.
No SUS, e para o povão, o raciocínio é esse mesmo, só que ao contrário: os conhecimentos sobre a substância ainda não são completos e, portanto, ela não deve ser aplicada. O jornalismo investigativo deu a si próprio a missão de investigar, em todos os seus detalhes, as possíveis contraindicações da hidroxicloroquina e, sobretudo, em demonstrar que não há certeza científica sobre os seus benefícios. As “instituições”, como um todo, também se colocam contrasalvo quando seus próprios membros passam a precisar de tratamento. A oposição age da mesma forma.

É muito fácil, obviamente, exigir consenso absoluto sobre a eficácia, o alcance e a conveniência da aplicação da substância quando você próprio não precisa esperar, para tomá-la, pelos próximos vinte ou trinta anos – tempo que a ciência médica, em geral, demanda para ter certeza suficiente sobre medicamentos e terapias. O duro, justamente, é a espera. Mas isso é coisa para pobre e os pobres, como sempre, que se explodam.

J. R. Guzzo, jornalista - Vozes - Gazeta do Povo