Coluna publicada em O Globo - Economia 23 de maio de 2019
Como deficit previdenciário é crescente, governo pega mais dinheiro das demais receitas para cobrir rombo
Acompanhando
o noticiário econômico, não raro a gente topa com esta observação:
depois da aprovação da reforma da previdência, o Banco Central pode
reduzir a taxa básica de juros. Observação de economistas, claro. E muitas pessoas se espantam: caramba! Até isso depende da reforma? A dúvida faz sentido. A relação contas da previdência/juros existe, mas não é direta. Há uma série de mediações, nada óbvias.
Vale a pena tentar entender. A previdência é desses assuntos que mexe tanto com a vida particular dos brasileiros quanto com a macroeconomia, ou seja, com a capacidade de crescimento e geração de empregos do país – o que, de sua vez, mexe com a vida das pessoas. Tentemos, pois, entender. A despesa com pagamentos de pensões e aposentadorias (do INSS e do setor público) é o maior item federal. De cada 100 reais que o governo gasta, 44 vão para os aposentados do INSS e 12 para os servidores públicos, civis e militares. Portanto, 56% da despesa vai para a previdência (dados fechados de 2018).
Essa despesa tem sido crescente. No outro lado da conta, das receitas, aparecem as contribuições pagas pelos trabalhadores na ativa. Aqui aparece o déficit previdenciário: o total das contribuições não cobre o total de aposentadorias. Este déficit é crescente: R$ 285,5 bilhões no ano passado, contra R$ 268,8 bi em 2017. Esta é uma conta muito simples. Esqueçam aquelas manipulações que procuram enganar os trouxas dizendo que não há déficit. Reparem num ponto: as instituições que fazem propaganda disso são sindicatos e associações de funcionários que recebem as mais altas – e incríveis – aposentadorias. De novo, basta somar as contribuições, tirar as despesas e, pronto, lá está o rombo da previdência.
Próximo passo: como o governo cobre esse rombo, já que as aposentadorias têm sido pagas sem atrasos? Tirando dinheiro dos demais impostos e contribuições pagas por todos os brasileiros. Como o déficit previdenciário é crescente, a cada ano o governo pega mais dinheiro das demais receitas para cobrir o rombo. Assim, obviamente, sobram cada vez menos recursos para custear todos os demais serviços que o governo deve prestar, basicamente em saúde, educação e segurança. Duas consequências: os serviços e os investimentos perdem qualidade e quantidade; e o déficit previdenciário torna-se déficit geral. Exemplo: no ano passado, tirando as receitas e despesas previdenciárias, o governo federal fez um superávit de R$ 75 bi. Isso mesmo, um superávit. Acrescente apenas o gasto do INSS e aparece um déficit de R$ 194,2 bi.
A questão seguinte: como um governo, qualquer governo, financia seu déficit? Verifiquemos três práticas:
Primeira, aumentando impostos. E o governo brasileiro já fez isso e continua fazendo. Ou seja, toma cada vez mais dinheiro dos consumidores e dos investidores privados, travando a atividade econômica. Eis a primeira relação entre contas da previdência e um Produto Interno Bruto (PIB) menor.
Segunda: o governo toma dinheiro emprestado. E o governo brasileiro faz isso todo ano. A dívida bruta se aproxima dos 80% do PIB, o que torna o devedor cada vez mais duvidoso.
Um grande devedor paga muitos juros. (Hoje, na casa dos R$ 360 bi/ano). Um devedor duvidoso paga taxa de juros ainda maior. E se um governo desse tamanho paga juros altos, toda a sociedade (empresários e consumidores) é obrigada também a pagar esses juros mais caros. Mais dinheiro para o governo, menos para a atividade privada, a que efetivamente gera riqueza e empregos. Eis a segunda relação: quanto menor o déficit público, menor a dívida, menores os juros, sobra mais recurso para as demais obrigações do governo.
Terceira medida para cobrir déficits públicos: imprimir dinheiro, deixar correr a inflação, pois a inflação desvaloriza o gasto público. A receita é indexada, o gasto não.
Fechando: o déficit previdenciário crescente contamina o orçamento federal, tornando-o deficitário. Todas as medidas tomadas pelo governo para cobrir o rombo tomam recursos que poderiam ir para investimentos e consumo privados. Além de tudo isso piorar o serviço público. Com a reforma, pois, diminui-se o déficit, cai a dívida pública, os juros podem cair mais.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Vale a pena tentar entender. A previdência é desses assuntos que mexe tanto com a vida particular dos brasileiros quanto com a macroeconomia, ou seja, com a capacidade de crescimento e geração de empregos do país – o que, de sua vez, mexe com a vida das pessoas. Tentemos, pois, entender. A despesa com pagamentos de pensões e aposentadorias (do INSS e do setor público) é o maior item federal. De cada 100 reais que o governo gasta, 44 vão para os aposentados do INSS e 12 para os servidores públicos, civis e militares. Portanto, 56% da despesa vai para a previdência (dados fechados de 2018).
Essa despesa tem sido crescente. No outro lado da conta, das receitas, aparecem as contribuições pagas pelos trabalhadores na ativa. Aqui aparece o déficit previdenciário: o total das contribuições não cobre o total de aposentadorias. Este déficit é crescente: R$ 285,5 bilhões no ano passado, contra R$ 268,8 bi em 2017. Esta é uma conta muito simples. Esqueçam aquelas manipulações que procuram enganar os trouxas dizendo que não há déficit. Reparem num ponto: as instituições que fazem propaganda disso são sindicatos e associações de funcionários que recebem as mais altas – e incríveis – aposentadorias. De novo, basta somar as contribuições, tirar as despesas e, pronto, lá está o rombo da previdência.
Próximo passo: como o governo cobre esse rombo, já que as aposentadorias têm sido pagas sem atrasos? Tirando dinheiro dos demais impostos e contribuições pagas por todos os brasileiros. Como o déficit previdenciário é crescente, a cada ano o governo pega mais dinheiro das demais receitas para cobrir o rombo. Assim, obviamente, sobram cada vez menos recursos para custear todos os demais serviços que o governo deve prestar, basicamente em saúde, educação e segurança. Duas consequências: os serviços e os investimentos perdem qualidade e quantidade; e o déficit previdenciário torna-se déficit geral. Exemplo: no ano passado, tirando as receitas e despesas previdenciárias, o governo federal fez um superávit de R$ 75 bi. Isso mesmo, um superávit. Acrescente apenas o gasto do INSS e aparece um déficit de R$ 194,2 bi.
A questão seguinte: como um governo, qualquer governo, financia seu déficit? Verifiquemos três práticas:
Primeira, aumentando impostos. E o governo brasileiro já fez isso e continua fazendo. Ou seja, toma cada vez mais dinheiro dos consumidores e dos investidores privados, travando a atividade econômica. Eis a primeira relação entre contas da previdência e um Produto Interno Bruto (PIB) menor.
Segunda: o governo toma dinheiro emprestado. E o governo brasileiro faz isso todo ano. A dívida bruta se aproxima dos 80% do PIB, o que torna o devedor cada vez mais duvidoso.
Um grande devedor paga muitos juros. (Hoje, na casa dos R$ 360 bi/ano). Um devedor duvidoso paga taxa de juros ainda maior. E se um governo desse tamanho paga juros altos, toda a sociedade (empresários e consumidores) é obrigada também a pagar esses juros mais caros. Mais dinheiro para o governo, menos para a atividade privada, a que efetivamente gera riqueza e empregos. Eis a segunda relação: quanto menor o déficit público, menor a dívida, menores os juros, sobra mais recurso para as demais obrigações do governo.
Terceira medida para cobrir déficits públicos: imprimir dinheiro, deixar correr a inflação, pois a inflação desvaloriza o gasto público. A receita é indexada, o gasto não.
Fechando: o déficit previdenciário crescente contamina o orçamento federal, tornando-o deficitário. Todas as medidas tomadas pelo governo para cobrir o rombo tomam recursos que poderiam ir para investimentos e consumo privados. Além de tudo isso piorar o serviço público. Com a reforma, pois, diminui-se o déficit, cai a dívida pública, os juros podem cair mais.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista