Nadando nus
O ex-presidente Lula fez uma confissão ontem aos líderes do PMDB
com quem conversou na casa do presidente do Senado Renan Calheiros:
estava atrás de um discurso, e acha que já encontrou. Quer que o PT e
seus aliados exaltem o Plano Agrícola, o Sistema Nacional de Educação
(SNE), o acordo econômico com os chineses (e agora também com os
americanos), para enfim dar a sensação ao cidadão comum de que o governo
está andando para frente, superou os principais problemas que dominam
hoje o noticiário.
Como se esses fossem pontos que consensuais, e não
são. O Plano de Educação, por exemplo, já está sendo criticado por
educadores pela sua característica de diversas instâncias consultivas
entre municípios, Estados e União que, segundo esses especialistas,
tornará difícil a implantação de um programa educacional nacional.
Na
verdade, Lula está tentando redimir-se de uma manobra desastrada que
tentou recentemente, afastar-se de Dilma e do PT para salvar a própria
pele. Na série de desabafos que protagonizou nos últimos dias ele chegou
a dizer aos “companheiros” que tinham que escolher entre “salvar o
projeto” ou “ salvar a própria pele”, num ato falho formidável que
revelava o que lhe passava pela alma naquele momento.
Precisou de
pouco tempo para se curar da ressaca e ver que, como disse ontem, não há
salvação sem o PT e o governo Dilma, e por isso pregou que é preciso
fazer o “enfrentamento político” da operação Lava-Jato, denunciar o que
chama de arbitrariedades e “vazamentos seletivos”. A primeira
tentativa não deu muito certo, com a desastrada fala da presidente Dilma
lá dos Estados Unidos. Mesmo assim, os petistas relataram ontem a Lula
que a fala de Dilma animou os militantes e os companheiros envolvidos na
Lava-Jato, pois eles pensavam que a presidente Dilma não estava se
preocupando com o futuro dos petistas.
É verdade que Dilma só passou a
se preocupar quando o escândalo bateu à sua porta, e a delação premiada
do empreiteiro Ricardo Pessoa levou para dentro do Palácio do Planalto,
e mais especificamente para sua campanha eleitoral de 2014, o dinheiro
sujo da corrupção na Petrobras. Mas Lula incitou os petistas à
guerra, mesmo que acuse a direita raivosa pelo clima de agressividade
que se registra no país. Falou em “enfrentar a oposição com o mesmo
radicalismo com que eles nos enfrentam”.
O que incomoda Lula na
verdade é a ênfase dada pelo governo ao ajuste fiscal, tema que ele acha
que tem que ser superado pelos aspectos positivos que vê no governo de
Dilma, além da reaproximação dos movimentos sociais. Lula finge
esquecer que a inflação já está em 10% em alguns estados, como o Rio de
Janeiro, que o desemprego está em alta com tendência a aumentar, e que
os juros estão próximos a 15% ao ano.
Quando tem que encarar esses
números, faz uma conta de padeiro para dizer que eles são melhores do
que os que recebeu de Fernando Henrique Cardoso em 2003: juros a 20% ao
ano e inflação de 12,5%. Além de esquecer que a principal razão para a
subida da inflação foi a sua chegada ao Palácio do Planalto e a
insegurança jurídica que trazia com ele, esquece-se de que doze anos
depois de o PT ter chegado ao poder, estamos retornando ao ponto em que
ele recebeu o país, numa clara regressão, mais compreensível naquele
momento de combate à hiperinflação que estava sendo domada do que hoje,
quando o equilíbrio fiscal deveria ser a regra.
Durante todo o tempo
em que criticou o governo Dilma, o ex-presidente deu conselhos à sua
criatura, todos baseados em sua ação populista de governar. “Quem tem
mais capacidade de se recuperar é o governo, porque tem iniciativa, tem
recurso, tem uma máquina poderosa para poder falar, executar,
inaugurar”. Mesmo sem dinheiro, Lula gostaria de ver inaugurações
virtuais, como várias que ele mesmo comandou, como a da Refinaria Abreu e
Lima, que está custando quatro vezes mais do que o planejado e não está
pronta.
Mas Lula e Chavez tiraram fotos num canteiro de obras
montado pela empreiteira responsável como se fosse um teatro, como
descobrimos agora com os emails apreendidos pela Operação Lava-Jato. “Na
hora que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa. Política é isso, o
olhar no olho, o passar a mão na cabeça, o beijo”, receitou Lula a sua
pupila, uma aula de populismo explícito que gerou toda a crise que
estamos vivendo hoje, com as estatísticas e números falsamente
alcançados regredindo por que não tiveram o suporte de mudanças
estruturais.
Na base do gogó, Lula foi levando o barco até que a maré desceu e mostrou que os governantes petistas estavam nadando nus.
Fonte: Coluna do Merval Pereira - O Globo