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sexta-feira, 21 de junho de 2019

Fim do monopólio no refino

Acordo entre Cade e Petrobrás representa avanço importante

O acordo celebrado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobrás, pelo qual a estatal se compromete a vender oito refinarias de petróleo até dezembro de 2021, representa o início da quebra de um monopólio virtual. Atualmente, a estatal detém 98% de participação no mercado de refino de petróleo, restando para os concorrentes, na prática, apenas a disputa do mercado de importação de derivados, da qual participam empresas com pouca presença nacional. Mesmo com a venda das oito refinarias mencionadas no Termo de Compromisso de Cessação (TCC) assinado pelo Cade e pela Petrobrás, a estatal manterá pelo menos metade de sua atual capacidade de refino, o que continuará a lhe assegurar grande poder no mercado. Além disso, embora o TCC contenha mecanismos que impedem a formação de monopólios regionais - que reduziriam a competição em algumas áreas -, não está garantido que, em escala nacional, não surja um número tão pequeno de novos operadores que, na prática, reduza ou até impeça a competição.

De todo modo, o acordo representa um avanço importante numa área até agora quase toda dominada por uma única empresa, a qual, por sua vez, dado o seu poder de mercado, não poucas vezes foi utilizada por seu controlador - o governo federal - para a prática de políticas de preços populistas que lhe impuseram severas perdas. “Poder de monopólio não se justifica em uma sociedade livre e democrática, porque é restrição à liberdade de escolha das pessoas e gera várias distorções contrárias ao crescimento econômico”, observou o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, após a homologação do acordo.

O setor de refino da Petrobrás foi o mais prejudicado pela maneira como a administração lulopetista utilizou a estatal para tentar viabilizar sua política econômica irresponsável
. A construção de refinarias de viabilidade econômica questionável, dado seu alto custo, foi iniciada nessa época por razões meramente políticas. A Refinaria Abreu e Lima, por exemplo, foi programada pelo governo petista para agradar a um governante estrangeiro, o venezuelano Hugo Chávez - cuja gestão lançou o país numa grave crise que piorou no governo de seu sucessor, Nicolás Maduro -, na forma de uma sociedade em partes iguais entre os dois países. Nunca houve dinheiro venezuelano no projeto, cujo custo, já excessivamente elevado nas primeiras projeções, acabou sendo várias vezes maior do que o projetado. O complexo petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, igualmente decidido de acordo com critérios político-eleitorais, teve suas obras paralisadas por muito tempo por causa de seu custo excessivo.

Para prejudicar ainda mais o setor de refino da Petrobrás, os governos petistas impuseram severa compressão do preço dos derivados na saída das refinarias, o que impediu a empresa de acompanhar os preços internacionais. E, para abastecer o mercado interno em expansão, a estatal, que não conseguia aumentar sua capacidade de refino na mesma velocidade, muitas vezes teve de importar derivados a preços internacionais e vendê-los a preço controlado pelo governo. Estima-se que essa política tenha imposto perdas que superaram R$ 100 bilhões à empresa, que se viu forçada a se endividar e a cortar investimentos.

O acordo com o Cade estabelece também um cronograma para a Petrobrás vender integralmente as oito refinarias, exatamente as mesmas que faziam parte das diretrizes do programa de desinvestimentos que o Conselho de Administração da empresa havia aprovado no fim de abril. Na ocasião, a Petrobrás previu que a venda de oito ativos de refino - incluindo a Refinaria Abreu e Lima e o Comperj - poderá render até US$ 20 bilhões.

Note-se, porém, que o TCC assinado pelo Cade e pela Petrobrás preserva o parque de refino do Sudeste, particularmente as refinarias do Estado de São Paulo, justamente as mais integradas e as que têm maior capacidade para suprir mercados fora de sua região. Isso também ajuda a estatal a manter seu poder de mercado.


 Editorial - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Editorial do Estadão: O prejuízo que o PT causou

O partido de Lula quase destruiu a estatal e remover essa herança maldita vem custando muito dinheiro

Recentemente a Petrobras anunciou a realização de novos acordos nos Estados Unidos ─ desta vez com o Departamento de Justiça Americano (DOJ, na sigla original) e com órgão regulador do mercado de capitais, a Securities & Exchange Commission (SEC) ─ relativos aos crimes ocorridos na estatal quando o PT estava no governo federal. A negociação envolve desembolso de recursos nos Estados Unidos e no Brasil, num total de US$ 853 milhões.

Em março deste ano, a Petrobras havia feito um acordo de US$ 2,95 bilhões para encerrar uma ação coletiva movida por investidores nos Estados Unidos. Já foram realizados dois pagamentos de US$ 983 milhões cada um. A terceira parcela deverá ser paga em janeiro de 2019. Na ocasião, a empresa informou que o acordo se destinava a resolver “todas as demandas pendentes e eventuais de adquirentes de valores mobiliários da Petrobras nos Estados Unidos e de adquirentes de valores mobiliários da Petrobras listados naquele país ou que tenham sido liquidados através da Depository Trust Company”.

Os acordos agora anunciados se referem a investigações das autoridades norte-americanas a respeito de crimes ocorridos entre 2003 e 2012. Por atuar no mercado acionário norte-americano, a Petrobras está submetida à legislação dos EUA. A empresa reconheceu falhas em controles internos e registros contábeis, que permitiram um enorme esquema de fraudes, subornos e corrupção por parte de ex-diretores e ex-executivos da companhia.

Com os acordos, as autoridades americanas encerram as investigações e abrem mão de processar judicialmente a Petrobras, que terá de pagar nos Estados Unidos US$ 85,3 milhões ao DOJ e US$ 85,3 milhões à SEC. “Os acordos atendem aos melhores interesses da Petrobrás e de seus acionistas e põem fim a incertezas, ônus e custos associados a potenciais litígios nos Estados Unidos”, informou a Petrobras.

Os acordos também preveem a destinação de US$ 682,6 milhões para um fundo social a ser criado no Brasil. Os recursos servirão para financiar programas sociais e educativos relacionados à cidadania, à integridade no setor público e à transparência. Parte dessa quantia também poderá servir para ressarcir investidores do mercado acionário brasileiro.

As regras de funcionamento desse fundo social ainda serão acertadas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a ser firmado pela Petrobras com o Ministério Público Federal (MPF). Neste acordo, “a Petrobras reconhecerá que executivos da empresa envolvidos no esquema de corrupção desvelado pela Operação Lava Jato falharam dolosamente em implementar os controles internos contábeis e financeiros da companhia para facilitar o pagamento de propinas a políticos e partidos políticos brasileiros”, informou o MPF.

Os acordos com o DOJ e a SEC são mais um passo na empreitada de limpar o histórico de malfeitos da era petista. A respeito desse período, há ainda processos judiciais contra a Petrobrás na Argentina, na Holanda e no Brasil.  As autoridades americanas reconheceram que, nos últimos anos, a Petrobras evoluiu em seus controles internos e nos programas de compliance e de anticorrupção. Ao mesmo tempo, elas sabem que, para a continuidade no bom caminho, é imprescindível manter longe da empresa quem cometeu ou permitiu que fossem cometidos os crimes que depauperaram a estatal. Por exemplo, no acordo com o DOJ, a Petrobras comprometeu-se a não manter em seus quadros nenhum dos diretores envolvidos nas fraudes e nos atos de corrupção ocorridos entre 2003 e 2012.

A experiência da Petrobras sob o jugo do PT deve servir de alerta. O partido de Lula quase destruiu a estatal e remover essa herança maldita vem custando muito dinheiro. Não faz nenhum sentido possibilitar a repetição de escândalos como o da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, ou o do Comperj, no Rio de Janeiro. O País e a Petrobras precisam andar para a frente ─ não para trás.

Editorial -  O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Sérgio Cabral 'chefiou' organização criminosa, afirma Ministério Público

Segundo a Procuradoria da República, o "esquema envolvia o pagamento de propinas para a realização de obras públicas no Estado e posterior ocultação desses valores".

O Ministério Público Federal afirmou em nota nesta quinta-feira, 17, que a Operação Calicute, nova fase da Lava Jato, foi deflagrada para "aprofundar investigações sobre organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral - dedicada à prática de atos de corrupção e lavagem de dinheiro, composta por dirigentes de empreiteiras e políticos do alto escalão do seu Governo do Estado do Rio de Janeiro". Segundo a Procuradoria da República, o "esquema envolvia o pagamento de propinas para a realização de obras públicas no Estado e posterior ocultação desses valores".
Sérgio Cabral foi preso em sua casa, no Leblon, zona sul do Rio. Contra o ex-governador foram expedidos dois mandados de prisão: um da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e outro da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

Outras sete pessoas são investigadas "por integrarem organização criminosa destinada à prática de atos de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados à realização de obras de engenharia no Estado do Rio de Janeiro".  São ainda cumpridos mandados de prisão temporária de outros dois investigados, além de mandados de condução coercitiva de Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, e outras treze pessoas para serem ouvidas na investigação. São executados 38 mandados de busca e apreensão nos endereços de investigados. Foi determinado o sequestro e arresto de bens do ex-governador e de outras 11 pessoas físicas e 41 pessoas jurídicas.

O Ministério Público Federal afirma que "a partir do aprofundamento das investigações dos casos da Lava Jato no Rio de Janeiro, especialmente da Operação Saqueador e das colaborações de executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, entre outras provas colhidas, descortinou-se amplo esquema de corrupção e lavagem de dinheiro".  "Tal esquema consubstanciava o pagamento de expressivos valores em vantagem indevida por parte das empreiteiras ao ex-governador Sérgio Cabral e a pessoas do seu círculo para que fossem garantidos contratos de obras com o Governo do Estado do Rio de Janeiro", diz a nota da Procuradoria.

As investigações apontam para a prática de corrupção na contratação de obras conduzidas no governo de Sérgio Cabral, entre elas, a reforma do Maracanã para receber a Copa de 2014, o denominado PAC Favelas e o Arco Metropolitano, financiadas ou custeadas com recursos federais.

De acordo com a Procuradoria, apura-se, que, além das já mencionadas empreiteiras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, outras empresas consorciadas para a execução das obras também teriam efetuado pagamentos de valores solicitados a título de propina, em patamar preliminarmente estimado em R$ 224 milhões.  "Foi identificado que integrantes da organização criminosa de Sérgio Cabral amealharam e lavaram fortuna imensa, inclusive mediante a aquisição de bens de luxo, assim como a prestação de serviços de consultoria fictícios", diz o Ministério Público Federal.

Investigações em Curitiba
"O desdobramento das investigações da Operação Lava Jato em Curitiba revelou a ocorrência de crimes de corrupção, consistentes no pagamento de vantagens indevidas ao então Governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, em decorrência do contrato celebrado entre a Andrade Gutierrez e a Petrobras, relativamente às obras de terraplanagem no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj)", afirma o Ministério Público Federal.

Segundo a Lava Jato, "foram colhidas provas que evidenciam que o ex-governador Sérgio Cabral recebeu, entre os anos de 2007 e 2011, ao menos R$ 2,7 milhões, da empreiteira Andrade Gutierrez, por meio de entregas de dinheiro em espécie, realizadas por executivos da empresa para emissários do então Governador, inclusive na sede da empreiteira em São Paulo".

"Há evidências da prática do crime de lavagem de dinheiro oriundo dos crimes antecedentes. A investigação apurou, por exemplo, que apenas dois investigados, entre os anos de 2009 e 2015, efetuaram pagamentos em espécie, de diversos produtos e serviços, em valores que se aproximam de R$ 1 milhão", informa a Procuradoria.

O crime de lavagem prevê pena entre 3 e 10 anos de reclusão; o crime de corrupção, entre 2 e 12 anos e o crime de integrar organização criminosa, pena entre 3 e 8 anos.

Fonte:  Agência Brasil


quinta-feira, 30 de junho de 2016

Vários Moros



Quando, em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu desmembrar a investigação da Operação Lava Jato, retirando da jurisdição da 13ª Vara Federal do Paraná, do juiz Sergio Moro, o processo sobre a corrupção no ministério do Planejamento, houve comemoração nas hostes petistas. Mas houve também quem previsse que aquela medida criaria “vários Moros” pelo Brasil.

Ontem, com mandados expedidos pelo juiz Paulo Bueno de Azevedo, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, foram feitas várias prisões e executados mandados de busca e apreensão em diversos estados, atingindo inclusive dois ex-ministros dos governos petistas, Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência tão ligado à presidente afastada Dilma Rousseff que a levava a passear por Brasília na garupa de uma de suas possantes motocicletas Harley Davidson, e Paulo Bernardo, em cujo ministério do Planejamento que chefiava foi montado um grosso esquema de corrupção, segundo as investigações da Polícia Federal.

 Com se previa, os juízes que receberam processos derivados da Operação Lava Jato estão atuando no mesmo diapasão da Justiça de Curitiba, a demonstrar que esse não é um padrão exclusivo de Moro e dos Promotores de Curitiba, mas de uma nova geração de juízes e Procuradores do Ministério Público, que se sentem moralmente responsáveis pela continuidade de uma ação do Judiciário que tem amplo apoio da sociedade.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o Juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, conhecido como "o Moro do Rio", está à frente de casos do Eletrolão, que investiga a atuação do ex-presidente da Eletrobrás, Vice-almirante Othon Pinheiro, especialmente na construção da usina Angra-3, e também alguns termos da delação premiada de Nestor Cerveró sobre compras de empresas estrangeiras pela Petrobras, uma de gás no Uruguai e outra na Argentina.

A sentença do caso de Angra-3 sai em julho, pois semana que vem iniciam os prazos para as alegações finais das defesas. Também está sendo investigado no Rio o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, por suspeita de ter recebido propina de empreiteiras envolvidas nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e nas obras de reconstrução do Maracanã para a Copa do Mundo.

O desmembramento de diversos casos só aparentemente fragilizou a tese da Procuradoria-Geral da República de que o que está sendo investigado é uma organização criminosa que atuou em várias instâncias do governo federal além da Petrobras. A ação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, dando apoio a diversas investigações pelo país, garantiu que a Operação Lava Jato e suas ramificações não sofressem descontinuidade.

Está provado que não existe apenas um juiz no país, como ironizou o ministro do STF Dias Toffoli ao apoiar o desmembramento da investigação sobre o esquema dos empréstimos consignados montado no ministério do Planejamento pelo ex-ministro Paulo Bernardo. Naquela ocasião, houve críticas à decisão de desmembrar, pois como alegou o ministro Luis Roberto Barroso, o caso deveria ter sido definido pelo próprio juiz Moro na primeira instância, que decidiria qual tribunal adequado para conduzir as investigações do caso Consist. 

Também o ministro Gilmar Mendes se opôs à medida, alegando que, no afã livrar certos acusados do juiz Moro, estavam sendo puladas etapas importantes nas decisões do Supremo. Se Moro se afirmasse competente, e alguma parte discordasse, poderia interpor a "exceção de incompetência", a ser julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cabendo dessa decisão o recurso especial ao STJ.

Foi o que o plenário do STF decidiu na quarta-feira, enviando ao juiz Sérgio Moro o desmembramento do caso contra o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha, que decidirá se tem competência para assumir as investigações sobre a mulher e a filha do deputado, cabendo recurso em caso positivo.

Os desdobramentos das investigações ligadas à Operação Lava Jato em diversos pontos do país demonstram que há uma tendência nova no Judiciário brasileiro, o que abre caminho para uma superação de antigos vícios e costumes políticos no país.

Fonte: Merval Pereira – O Globo

terça-feira, 28 de junho de 2016

Paisagem depois da batalha



O Rio terá de se reinventar. E não será nada fácil. As cinzas revelam longos períodos de populismo. Haverá choques, frustrações. Certas medidas, no entanto, podem ser bem recebidas

Pela minha agenda, deveria estar na Serra da Mantiqueira, visitando agricultores orgânicos cuja lavoura está sendo atacada por javalis. Mas a notícia de que o Rio decretou calamidade pública, os problemas de segurança que se agravam, tudo isso contribui para que fique por aqui e, por enquanto, deixe os javalis em paz. Documentar a paisagem depois da batalha é remexer as cinzas de um sonho em que a roubalheira e a megalomania dominaram o cenário.

Esta semana ficamos sabendo que a Odebrecht, além de seu departamento de propina, tinha um servidor na Suíça e um banco em Antígua, um sofisticado e talvez inédito esquema para uma só empresa. Os rankings internacionais de corrupção terão de abrir uma nova modalidade para abarcar essa capacidade de construção de um sistema fechado, um mundo virtual onde empreiteiros movem fortunas de verdade.

A Olimpíada que se aproxima é uma espécie de herança daquele período delirante. Um só país decidiu sediar Copa do Mundo e Olimpíada. A ideia que animava a atração dos eventos era revelar o poder de organização do Brasil, maravilhar o mundo com nosso crescimento. O primeiro choque se deu em 2013 com as grandes manifestações de rua.
A Olimpíada chega agora com o Brasil em crise profunda e o Estado do Rio quebrado. 

O decreto de calamidade pública tem um aspecto mítico porque nos remete a catástrofes naturais, tempestades, terremotos. Remexendo nas cinzas do delírio vamos encontrar a insistência em ampliar a máquina do estado, em conceder isenções fiscais generosas, sem um estudo de custo-benefício dessas medidas. Mas era um tempo alucinado em que os homens do governo dançavam com um lenço na cabeça num caro restaurante de Paris. E as mulheres exibiam seus sapatos Christian Louboutin.

Começam a surgir agora, em novas delações, indícios do processo de corrupção que envolveu o Comperj e o Maracanã. A visão daqueles tempos fica mais completa ainda. Calamidade nos remete à ideia de algo inesperado e repentino. Quase sem intervenção humana. O que acontece agora é resultado de um longo processo de erros e desvios, de ambições milionárias que arruinaram o Estado.

O esquema de segurança da Olimpíada para o qual foram destinados R$ 2,9 bilhões deve representar um alívio para a própria polícia, num momento em que traficantes invadem hospitais ou desfilam armados nas proximidades do aeroporto. Mas a Olimpíada vai passar, e o Rio estará de novo confrontado com sua crise. É um corpo ferido por muitas flechas: crise econômica, petróleo, corrupção, violência. E o governo não é nada estimulante. Pressionado por repórteres a falar sobre algo além de verbas para a segurança, Francisco Dornelles limitou-se a dizer para o motorista: “Vamos embora, Ademário”. O Sr Ademário Gonçalves dos Santos deve ser um excelente motorista profissional. Mas não pode saber sozinho qual o nosso destino. Embora para onde, Ademário? Que buracos, solavancos, sinistras curvas você prepara para nós?

O Rio terá de se reinventar. E não será nada fácil. As cinzas revelam longos períodos de populismo. Haverá choques, frustrações. Certas medidas, no entanto, podem ser bem recebidas, a julgar por alguns cartazes que li: rever as isenções fiscais. Está mais do que na hora de discutir tudo abertamente. Não existem fórmulas acabadas para encarar o problema do Rio. Era preciso que as pessoas tivessem uma visão bem clara do que aconteceu e o estrago que o grupo dominante provocou.

Esse conhecimento pode ajudar na reconstrução. Muitos delírios explodiram por aqui. O último foi o PT: uma supertele nacional, a Oi, que pediu recuperação judicial. Se toda essa derrocada que nos custou dinheiro e trabalho representar uma vacina contra o populismo, pelo menos alguma coisa será ganha.  Eleições com pouco dinheiro e um novo comportamento do eleitor podem também ser um avanço. Mas são possibilidades futuras. Aqui e agora, teremos de esperar o Sr. Ademário num posto de gasolina, numa loja de conveniência, e perguntar de novo o que o governo vai fazer.

O rombo nas contas do estado é de R$ 20 bilhões. Não basta declarar calamidade. É preciso um mapa para transitar rumo a uma situação mais calma. Dificilmente o governo fará a coisa certa sem transparência e algum tipo de adesão racional da sociedade. Mesmo viajando muito pelo país, tive a oportunidade de documentar a decadência das cidades ligados ao petróleo, como Campos e Macaé, a crise financeira e sua consequência nos serviços essenciais e, esta semana, mais detidamente, os problemas de segurança.

Não me lembro de uma crise tão profunda e tão inquietante pelas suas possíveis consequências sociais. Uma consciência mais ampla desse desastre pode evitar que as cinzas do delírio populista tragam consigo os ovos da serpente.

Fonte: Fernando Gabeira – O Globo