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quinta-feira, 28 de abril de 2022

É crime de responsabilidade ameaçar o funcionamento do Judiciário - O Globo

Míriam Leitão

E é o que Bolsonaro está fazendo com a ajuda da Câmara

O presidente Jair Bolsonaro escalou a crise ontem e provou que ele quer que o confronto com o Supremo seja o centro da sua campanha. Com o caso Daniel Silveira, ele quer fidelizar a sua base, distorcer o debate político, concentrar as atenções, fazer provocações institucionais e dar mais um passo no golpe à democracia que ele pretende desde o início. Isso pelo ato debochado.

O deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) exibe o indulto assinado por Bolsonaro emoldurado em um quadro ao lado do presidente e do deputado Coronel Tadeu (PL-SP) em cerimônia no Palácio do Planalto, na última quarta (27)

O Congresso está ajudando o presidente nesse plano de ataques à democracia. Daniel Silveira sempre foi um parlamentar apagado, não se conhece nenhuma contribuição dele a coisa alguma na Câmara. De repente, a base do seu partido o indica para cinco comissões, e ele é eleito para membro da Comissão de Constituição e Justiça  vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e combate ao crime organizado. É um escárnio. Tudo o que Silveira fez até hoje como parlamentar foi sinais da sua truculência. Durante a campanha, ele rasgou a placa de Marielle Franco que foi assassinada e a suspeita é de que tenha sido pela milícia no Rio. [a placa dando o nome da vereadora a um logradouro do Rio era ilegal, fruto de um ato criminoso, já que nomear logradouros é atribuição do Executivo Municipal - o que torna lícito e obrigatório a qualquer cidadão destruir o objeto ilegal.] Em postagem ameaçou manifestantes anti-bolsonaristas de serem mortos pela PM, e fez depois seguidas ameaças ao Supremo e ao ministro Alexandre de Moraes ele sugeriu que se deveria invadir o STF e jogar a cabeça dele na lata de lixo

Leia'Coach' de Silveira na crise, Bolsonaro quer levar embate com STF para a campanha eleitoral

COISAS DO JORNALISTEIRISMO BANÂNICO

O presidente fez o ato de ontem no Planalto, cercado de aliados, para comemorar o fato de ter concedido perdão a Daniel Silveira. Fica claro que os juristas que disseram que Bolsonaro pode fazer o que fez estão errados. Ele tem a prerrogativa [constitucional] do indulto, mas usou esse poder dentro da sua campanha anti democrática, de uma forma inconstitucional, porque está escrito na Constituição que é crime de responsabilidade impedir o funcionamento do Poder Judiciário. E é o que ele tem feito e faz agora com esse indulto. [A última frase desse parágrafo é mentirosa, portanto fake news, e fosse seu autor um bolsonarista,  certamente  já estaria sendo alvo de inquérito. 
O presidente da República não está tentando impedir, nem ameaçando  o funcionamento do Poder Judiciário,  nem a Câmara  está ajudando o nosso presidente a fazer algo que não está sendo feito.
FATO: O Presidente da República Federativa do Brasil, JAIR MESSIAS BOLSONARO, usou de uma prerrogativa que a Constituição lhe confere, no caso: conceder GRAÇA ao deputado Daniel Silveira = perdão que anula  todos os efeitos de uma condenação proferida pelo STF contra o parlamentar; 
A Câmara dos Deputados entende que a Constituição Federal estabelece que a palavra final sobre cassação de um mandato de um deputado é de sua competência - consulta já foi apresentada ao STF, sem resposta.
Quem está cometendo crime de responsabilidade? o presidente Bolsonaro que utilizou poder que a Carta Magna lhe confere? 
a Câmara dos Deputados que quer exercer competência que a Constituição Federal lhe confere? 
Encerramos lembrando  que em país que vive sob o estado democrático de direito só se pode acusar uma instituição, ou mesmo alguém, da prática de algum crime se tiver ocorrido o crime e com provas. Fora isso, é ficar só imaginando.]

Tudo isso desvia a atenção do que é mais importante: a vida da população que agora está sofrendo com uma inflação de 12% espalhada pelos preços. Pode-se argumentar que a inflação vem de fora. Vem de fora em parte. A guerra da Ucrânia e a pandemia provocaram aumentos de preços. Mas há fortes componentes locais nesta inflação. È resultado da má gestão de crises, e das crises provocadas pelo próprio presidente como essa. Isso eleva o dólar que tem impacto em todos os preços. [graças a medidas adotadas pela Rússia, forçando a valorização do rublo, o dólar está em queda = a tendência constante de alta foi substituída por queda, com eventuais 'suspiros' de alta.]

Essa manifestação no Planalto é abusiva e é uma provocação ostensiva ao STF. O ato foi convocado com o suposto objetivo de defender a liberdade de expressão. É mentira. Não tem qualquer respeito pela liberdade de expressão quem, como o deputado, prega o fechamento do Supremo, ou quem, como o presidente, ameaça o Poder Judiciário e defende abertamente a ditadura.[encerrando com uma sugestão aos que não se conformam com o fato do  presidente agir dentro das quatro linhas da Lei Maior: aceitem, dói menos.]

Ontem, Bolsonaro inventou mais uma fonte de atrito, defendendo que as Forças Armadas façam uma apuração paralela ao TSE dos resultados das eleições. É desta forma, exatamente desta forma, que morrem as democracias.

Míriam Leitão, colunista - O Globo

 

segunda-feira, 7 de março de 2022

Sanções à Rússia estão longe de ser uma resposta ideal - Valor Econômico

O boicote de Xi Jinping às sanções pode dar sobrevida à postura bélica de Putin

Do sequestro de ativos detidos por oligarcas próximos ao Kremlin até o bloqueio à movimentação de reservas do Banco Central da Rússia, os países ocidentais aplicaram contra Moscou uma espiral inédita de sanções econômicas, que visam enfraquecer o presidente Vladimir Putin no plano doméstico. 
Idilicamente, o cerco pode acelerar a transição política em um governo que usurpa a democracia e viola o direito internacional. 
No mínimo, as punições anunciadas constrangem Putin com seus eleitores e demonstram os custos de agredir outras nações sem nenhuma justificativa plausível. 
Pela primeira vez, no entanto, o mundo testa também a capacidade de uma autocracia instalada em potência bélica - não uma ditadura latino-americana, uma ilha de corrupção na África ou um emirado absolutista no Golfo Pérsico - sobreviver escorando-se na neutralidade ou no apoio tácito da China. Pequim pode ter se tornado o fiel da balança.
 
É de se colocar em perspectiva, sim, que as sanções adotadas até agora estão longe de constituir uma resposta ideal. 
Restrições econômicas de todos os lados resultam em sofrimento de toda a população russa. 
Não se pode desprezar ainda o fato de que podem ajudar o próprio Putin a reforçar internamente, com sua máquina de desinformação, o discurso de que é uma vítima do Ocidente e luta apenas para resistir às tentativas de avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). 
Também guarda razoabilidade o argumento de que regimes autocráticos no Irã, na Venezuela ou na Coreia do Norte têm sobrevivido às sanções. [IMPORTANTE: as sanções atingirão todo o mundo -  incluindo os corajosos manifestantes brasileiros, que protestam em Brasília, Esplanada dos Ministérios, em frente ao Itamaraty, contra aquele conflito. Imagine no Brasil com o barril de petróleo abaixo dos US$ 100,  -  antes do inicio das hostilidades, a gasolina já raspava os R$7; agora o petróleo está  acima de US$ 130, podendo chegar a US$ 200. A quanto irá nossa gasolina? - Confiram: O Globo: Barril de petróleo supera US$ 130 e gás na Europa tem alta de 79%. Bolsas europeias caem.  "Após bater na cotação de US$ 139 na madrugada, maior cotação desde o recorde de US$ 147,50 de julho de 2008, o preço do petróleo Brent perdeu força." " No caso do petróleo, contratos de curto prazo de opções de compra, que não são os mais negociados  por isso não são a principal referência, já apontam para o barril do tipo brent cotado a até US$ 200 antes do fim de março"
Transcrevemos e linkamos do O Globo, por todo o complexo Globo ser,  notoriamente,  Ucrânia.]

O cerceamento à Rússia, contudo, ocorre em velocidade e amplitude épicas. Em menos de dez dias houve exclusão do sistema Swift de pagamentos internacionais, proibição à compra de nova dívida soberana, fechamento de espaço aéreo para voos comerciais, quase metade das reservas do BC russo teve seu uso inviabilizado. Companhias de navegação que respondem por 47% do tráfego global de contêineres decidiram paralisar fretes. Dezenas de empresas americanas e europeias anunciaram suspensão dos negócios. Petroleiras como Shell, BP, Total e Equinor se comprometeram a não mais alocar capital no país. Nike, Ikea e Spotify interromperam suas atividades. A lista aumenta dia após dia.

Os efeitos na economia russa já apareceram. O BC mais do que dobrou a taxa de juros (para 20% ao ano), o valor do rublo caiu para um mínimo histórico, há corrida bancária e a Bolsa de Moscou passou a semana inteira fechada. O colchão financeiro preparado pela Rússia para enfrentar a guerra parece não ser suficiente. Ela empobrecerá muito, e rapidamente. Não à toa, em reunião ministerial parcialmente televisionada na sexta-feira, Putin acusou o golpe: "Não temos más intenções acerca dos nossos vizinhos. Eu gostaria também de aconselhá-los a não escalar a situação, a não introduzir nenhuma restrição".

De acordo com o instituto de pesquisas russo Levada Center, 52% dos cidadãos no país temem repressão das autoridades e 58% receiam sofrer prisões arbitrárias - os índices mais altos desde 1994. Por isso, impressiona que protestos tenham sido registradas em 48 cidades diferentes. A filha do porta-voz de Putin escreveu "não à guerra" em seu perfil numa rede social. Esportistas e celebridades têm se manifestado. Nesse ritmo, o apoio da classe média a Putin ficará cada vez mais corroído.

Nada disso garante que Putin aceite um cessar-fogo e, muito menos, uma paz duradoura com seus vizinhos. Trata-se, porém, do único caminho para pressioná-lo sem o impensável emprego de tropas da Otan. O problema é a resistência da China em aderir às sanções. Os países do eixo Ásia-Pacífico absorvem hoje 30% das exportações russas. Pequim já tem mais investimentos na Rússia do que a Alemanha. Putin e Xi Jinping, que já se encontraram 38 vezes e se chamaram de "melhores amigos", anunciaram a construção de um "superduto" que levará gás da Sibéria ao norte da China.

O boicote de Xi às sanções, pelo peso da aliança formada entre os dois países, pode dar sobrevida à postura bélica de Putin e impedir o declínio do regime russo. Ao mesmo tempo, aumentará a desconfiança do Ocidente com a China e a percepção - já alimentada durante a pandemia - de que é preciso tomar cuidado com as cadeias de valor dependentes do gigante asiático. Uma divisão do mundo em dois eixos apartados, no qual suspeitas prevalecem sobre cooperação e integração, é péssimo para o futuro da economia e da estabilidade globais.

Opinião - Valor Econômico