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sábado, 27 de novembro de 2021

A quem interessa um regime semipresidencialista no Brasil

Sistema de governo - O semipresidencialismo 

Quem são os defensores do semipresidencialismo e qual a chance de o Brasil adotar esse modelo

A declaração do ministro do STF Dias Toffoli sobre o Brasil experimentar, na prática, um regime semipresidencialista com o Supremo exercendo o papel de “poder moderador” causou polêmica e não foi por acaso.


Presidente da Câmara, Arthur Lira, é o principal defensor da adoção do semipresidencialismo no Brasil| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Primeiro porque o poder moderador inexiste na Constituição de 1988, logo não pode ser exercido por ninguém. Segundo porque a frase de Toffoli corrobora a tese de que o STF pratica o chamado “ativismo judicial”, quando juízes extrapolam suas atribuições constitucionais e decidem legislar ou governar no lugar dos poderes Legislativo e Executivo.

“Não é fácil governar o Brasil”, disse o ministro, durante evento jurídico em Lisboa, como se essa fosse uma atribuição do Supremo.   A fala de Toffoli deixa nas entrelinhas um desejo de se reduzir o poder do presidente da República e aumentar o do Congresso Nacional em nome da governabilidade.  O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), claro, é um dos entusiastas dessa ideia. Mas esse é um modelo viável politicamente no Brasil?

Encampado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o semipresidencialismo conta com o apoio de outros nomes do Congresso Nacional e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos últimos dias, o tema voltou a ser discutido por políticos e membros do Judiciário durante o 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal, organizado pelo ministro do STF Gilmar Mendes.

No semipresidencialismo, além do presidente da República, que na maioria dos países que adotam esse modelo são eleitos pela população, existe a figura do primeiro-ministro, que é escolhido pelo Congresso Nacional. Ambas as figuras dividem as funções do poder Executivo. Países como Portugal e França adotam modelos parecidos.

Pressionado a abrir um dos processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro desde que assumiu o comando da Câmara no começo deste ano, Lira defende que um dos piores problemas do Brasil é o multipartidarismo. De acordo com ele, hoje o país vive um “presidencialismo de coalizão” e esse “arranjo” não tem se mostrado à altura dos desafios. “Talvez esta seja a hora de mobilizar forças para discussão mais ampla e transparente do nosso futuro político. E o sistema de governo semipresidencialista se sobressai”, disse.

Para Lira, a vantagem do semipresidencialismo é a preservação da eleição do presidente. “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais agudas”, completou Lira.

Presidente do Senado apoia discussão no Congresso
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também apoia o semipresidencialismo encampado por Arthur Lira. No mesmo evento, em Lisboa, Pacheco declarou que considera o modelo "interessante". "O [semipresidencialismo] é o sistema político mais estável entre todos os existentes no mundo. Há um excesso de partidos políticos no Brasil e é preciso haver um enxugamento visando a 2026 e 2030, próximos períodos de eleições gerais no país”, disse.

Ministros do STF também defendem o modelo
Além dos presidentes da Câmara e do Senado, ministros do STF também se posicionam a favor de uma mudança no modelo político do Brasil. No mesmo fórum, o ministro Dias Toffoli afirmou que hoje o Brasil já vive um semipresidencialismo com a Suprema Corte exercendo o papel de “moderador de crises”.  "Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia", disse. Toffoli completou dizendo que "presidir o Brasil não é fácil" e a discussão sobre o tema é complexa.

Anfitrião do evento, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, desde a redemocratização, apenas os presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminaram seus mandatos. Por isso, defendeu que uma mudança no sistema precisa ser discutida para que não haja uma “banalização” do impeachment. “Dos quatro presidentes eleitos desde então, apenas dois concluíram seus mandatos. Os outros dois sofreram impeachment. Isso é um sinal de que precisávamos discutir o sistema político”, defendeu.

Durante a tramitação da reforma eleitoral deste ano, Mendes já havia entregue ao presidente da Câmara uma proposta de semipresidencialismo para ser discutido pelo Congresso. [o presidencialismo foi escolhido em plebiscito realizado em 1993, atendendo comando da Constituição de 1988. Cabe perguntar: pode ser mudado pelo Congresso como 'jabuti' de uma reforma eleitoral?O modelo proposto pelo ministro é o mesmo adotado em Portugal. A proposta chegou a ser discutida na comissão da reforma, mas acabou não avançando por conta de divergências entre os parlamentares. Integrante da Corte e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso também já defendeu as mudanças publicamente. “Essa [modelo de semipresidencialismo] é a inovação que eu acho que nós devemos implementar no Brasil para 2026. Para que não haja mais nenhum interesse posto sob a mesa”, disse em outra ocasião.

Gazeta do Povo - República - MATÉRIA COMPLETA


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A 'Constituição secreta' de Toffoli e o Poder Moderador que não existe - O Estado de S. Paulo

Ministro do Supremo disse que o Brasil vive num regime semipresidencialista 

Acabamos de ficar devendo ao ministro Dias Toffoli uma revelação realmente extraordinária; com certeza, nenhum brasileiro sabia disso até agora. No festival jurídico que o seu colega Gilmar Mendes promove neste momento em Lisboa, onde colossos do Direito moderno expõem para o mundo os últimos frutos do seu saber, Toffoli informou que o Brasil vive, nos dias de hoje, num “regime semipresidencialista”, com o Supremo Tribunal Federal exercendo o papel de “Poder Moderador” — como Dom Pedro II durante o Império. É um espanto.

Deve ser, possivelmente, o que determina alguma Constituição secreta que está em vigor, sem ninguém saber. Não temos o Orçamento secreto? Então: podemos ter também uma Constituição Secreta. O certo, sem a menor dúvida, é que a Constituição Federal de 1988, que até agora estava valendo, não estabelece absolutamente nada disso. Segundo o que está escrito ali, há no Brasil um regime presidencialista integral, não semi, com três Poderes separados e independentes entre si, Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há, na Constituição Cidadã ora vigente, nenhum “Poder Moderador” e nem se prevê que o STF modere coisa nenhuma.

Toffoli, o único ministro do STF a ser reprovado duas vezes seguidas no concurso para juiz de Direito, também informou que o Brasil é um país “difícil de governar” — motivo, pelo que deu para entender, para a adoção desta novíssima forma de governo. Falou também sobre a “centralidade” do Congresso (há tempos que ninguém usava essa palavra; era uma das preferidas de Marina Silva) e o seu papel. Segundo ele, o Congresso reflete “os consensos das elites regionais” — e o STF é o fiador” disso. Fiador das elites regionais? Por esta o Supremo certamente não esperava.

J.R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 20 de julho de 2021

Daimocracia - Sugestão de uma humilde cidadã ao ministro Barroso e seus colegas progressistas


Bruna Frascolla

 
Ao abrir a primeira página desta Gazeta do Povo, fui apanhada de surpresa por uma manchetona segundo a qual um tal de Lira quer transformar o Brasil num país semipresidencialista – palavra que o meu corretor ortográfico grifa, sinal de que nem deve constar no Houaiss. Quem é mesmo esse Lira, com tanta importância para pautar, sozinho, os rumos deste país? Não votei nele. De certa forma, pode-se dizer que o elegi Presidente por meio de eleições indiretas, pois ele preside a Câmara federal. Voto em deputados federais, os quais, em conjunto, elegeram Lira presidente dessa casa legislativa. No entanto, se eu meio que elegi Lira, isso não faz dele um semipresidente.

Mas semipresidente é só metade da história. “Já que estamos discutindo reformas eleitorais, que a gente já possa prever que em 2026 mude definitivamente esse sistema no Brasil. Em vez de presidencialismo, para semipresidencialismo ou parlamentarismo”, diz Lira.

Já tivemos em 1993 um plebiscito para decidir se seríamos um país presidencialista, parlamentarista ou monarquista. Decidimos que seríamos presidencialistas. Mas, desde 2005, com o plebiscito do desarmamento, sabemos que plebiscito não vale nada mesmo. Sabemos que a plebe ignara não pode decidir coisa alguma, de modo que plebiscitos servem somente para o povo ter a chance dizer “sim” e facilitar a vida de progressistas abnegados que se esforçam para levar este país rumo à Idade da Razão. Quando o resultado é “não”, aí cabem uns tapinhas condescendentes na cabeça do povo e a negligência do plebiscito.
Ideia de Barroso




Tendo aprendido isto muito bem, fiquei aliviada ao ver que a ideia na verdade era do ministro Luis Roberto Barroso. Com Barroso, sim, venho aprendendo muitas coisas sobre a Constituição e a vontade popular.


Quem é o responsável por turbinar o fundão eleitoral: governo, oposição ou Centrão?

Nos Estados Unidos,  juízes progressistas usam o fato de a Constituição ser do século XVIII para dar tratos à bola, atualizar o espírito das leis para o século XX e, depois, para o século XXI. No Brasil, cuja Constituição é de 1988, detalhadíssima e subscrevente da Declaração Universal dos Direitos Humanos feita no pós-guerra, usa-se da mesma estratégia.

Eu achava meio esquisito. Até entender que 1988 é um tempo remotíssimo, talvez mais próximo do século XVIII do que do século XXI. Afinal, em 1988, se um caminhoneiro barbado chegasse ao cartório dizendo que se autodeclarava mulher, seria tido por doido. No século XXI, entende-se (o STF entendeu) que o eventual barbado não só não é doido como é uma violação da dignidade humana negar-lhe a liberdade de determinar o próprio sexo, aliás, o próprio gênero. Pois o homem, digo, a pessoa do século XXI é tão evoluída, tão próxima dos anjos, que nem tem mais sexo: tem gênero.

A marcha do progresso caminha inelutavelmente para o futuro. Se a plebe não quiser acreditar em espectro de gênero, caso se apegue à ideia primária de que a humanidade se divide em machos e fêmeas (homem e mulher), tal como os demais mamíferos (macaco e macaca, cachorro e cadela, gato e gata, e assim por diante, excetuadas as onças, pois, sendo sempre do gênero feminino, na certa são todas lésbicas, reproduzindo-se quando uma onça transgênero engravida uma onça cisgênero), se a plebe se apegar a noções tão atrasadas e obscurantistas, dizia eu, é preciso que um Guia Supremo nos pegue pela mão e nos leve ao futuro.
 

Constituição com cachimbo na boca
Assim, na democracia do século XXI, cabe ao Supremo, munido de sua alta hermenêutica e profunda inteligência, decifrar o espírito da Constituição. Se nós, simplórios, líamos que nenhum brasileiro pode ser discriminado em função de raça e entendíamos que não pode ter cota racial, o Supremo interpreta e entende diferente. Se lemos que há liberdade de ir e vir, o Supremo mostra que não é bem assim.

O curioso nisso tudo é que, tendo sido redigida em 1988, por gente atrasada, a Constituição ainda assim tem um espírito progressista que só os muito expertos (sic) conseguem decifrar. A única explicação que consigo divisar para isso é a de que o Espírito da Constituição é uma entidade mágica que baixa, dá uns tragos no cachimbo e pontifica em privado para os sacerdotes do Supremo Tribunal Federal. Ele dizia uma coisa aos constituintes e agora diz outra aos ministros.

Assim, minha sugestão para os ministros do STF é que deixem Lira de lado. Quem pode tanger o povo não pode tanger o Congresso por quê? Joguem búzios, consultem o Espírito da Constituição e decidam-se logo pelo semipresidencialismo. Aproveitem e perguntem logo pelo nome do próximo semipresidente, pois no século XXI democracia virou daimocracia, com o poder na mão de um daimon (espírito) progressista.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES