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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Ascensão e queda da juíza durona - O Globo

A CASSAÇÃO DE SELMA ARRUDA


A senadora e ex-juíza Selma Arruda





O jingle de campanha apostava na fama de durona:
“Com pulso forte, pôs bandido no xadrez / Do sul ao norte, ninguém faz o que ela fez”.
No ano passado, a juíza Selma Arruda virou fenômeno eleitoral em Mato Grosso. Na onda da Lava-Jato, tornou-se a senadora mais votada do Estado.

A doutora se transformou em celebridade ao mandar políticos para a cadeia. A imprensa local passou a chamá-la de “Sergio Moro de saias”. Ela gostou do apelido e estimulou as comparações com o colega de Curitiba. A seis meses da eleição, pendurou a toga e se filiou ao PSL de Jair Bolsonaro.

Eleita, Selma continuou a investir na pregação moralista. Em março, disse ter “vergonha” do Supremo Tribunal Federal e passou a militar pelo impeachment de ministros da Corte. A proposta não teve apoio oficial do governo, mas abriria novas vagas a serem preenchidas pelo presidente. Em agosto, a senadora voltou à tribuna para defender “um Brasil melhor e menos corrompido”. No mesmo discurso, acusou a OAB de defender organizações criminosas e disse que a Constituição “não foi feita para ocultar bandido”. [talvez, o termo ocultar bandido seja inadequado, mas, toda lei - de uma Portaria à Constituição Federal - que dificulta a punição de bandidos, permite múltiplas interpretações, facilita o combate aos bandidos.] 

Quando o Intercept Brasil começou a revelar os diálogos impróprios da Lava-Jato, a ex-juíza direcionou sua ira aos jornalistas. [diálogos cuja autoria, até hoje - podemos considerar que nunca serão autenticados, além da grande possibilidade de terem sido forjados, não podem ser periciados, devido não ter havido uma cadeia de custódia.] Depois disse que a operação “nos levou às urnas vestidos de verde e amarelo, para votarmos num Brasil melhor”.

Em setembro, Selma reforçou a campanha por uma CPI para investigar os tribunais superiores. Nós precisamos de limpeza, precisamos do fim da corrupção”, bradou. Ela conclamou o povo a ir às ruas com “aquela camiseta amarela na qual está escrito que o meu partido é o Brasil”. A mesma usada por Bolsonaro na campanha ao Planalto.

Enquanto posava de vestal, Selma era investigada por abuso de poder econômico e caixa dois. De acordo com a Procuradoria, ela escondeu gastos de R$ 1,2 milhão na campanha. Apesar do lobby de Moro, o TSE cassou seu mandato na terça-feira. Agora o contribuinte terá que pagar mais R$ 9 milhões por uma nova eleição.

Bernardo M. Franco, colunista - O Globo




sábado, 9 de fevereiro de 2019

O apagão da esquerda

Sem rumo

A extrema esquerda – PT, PSol, PcdoB – vive um momento autofágico, agravado pela segunda condenação de Lula. O primeiro conflito foi em decorrência da eleição à presidência da Câmara. PT e Psol decidiram ser pragmáticos e apoiaram Rodrigo Maia, do DEM, provocando forte reação do PcdoB. Manuela Dávila e amigos consideraram o gesto uma traição – e uma capitulação.
Na quarta-feira, Ciro Gomes, do PDT, foi vaiado num encontro com a UNE, em Salvador, ao ponderar a inutilidade de a esquerda reduzir sua atuação a slogans inúteis do tipo “Lula livre!”. E, ao reagir às vaias, e após lembrar que é um velho colaborador do PT, repetiu o mantra de seu irmão, Cid Gomes: “Lula está preso, babaca!”.
Ciro – e isso é um fato raríssimo – tem razão. A esquerda, conforme seu raciocínio, precisa descer do palanque e se conformar com o fato concreto de que perdeu as eleições – “e perdeu feio”. Nesse sentido, está de acordo com José Dirceu, que reconheceu que Bolsonaro tem, sim, lastro social e que não será derrotado tão facilmente, muito menos a partir de meras ofensas e ameaças. Ao insistir, por exemplo, que a Venezuela é uma democracia e que suas dificuldades são obra dos EUA, investe no irracional.
É preciso exercer a oposição com critério e conteúdo. Neste momento, não há nem uma coisa, nem outra. A rigor, nunca houve. Fazer oposição ao tempo em que o PSDB era governo era bem diferente, a começar pelo fato de que os tucanos não eram exatamente adversários. Fernando Henrique disse mais de uma vez que PT e PSDB não brigavam por ideias, mas por cargos. A luta hoje está em outro patamar. Os conflitos têm fundo doutrinário, que colocam em confronto valores e princípios – e sobretudo a conduta moral da esquerda, exposta pela Lava Jato.
Ao tempo dos tucanos, o PT ostentava a mística de instância moral da nação, uma espécie de sucursal do juízo final, investindo pesado em denunciar adversários e propor CPIs a cada 15 minutos. “Quanto mais CPIs, melhor”, dizia Lula. E assim, por cima dos cadáveres dos adversários difamados (uns com razão, outros não – e isso era um detalhe), o partido construía sua reputação de vestal da República. Com a leniência de FHC, que dizia que “a vez agora é de Lula”, o partido chegou ao poder, com ânimo de jamais deixá-lo.

Não se preparou para este momentoe muito menos para a circunstância (que ele mesmo construiu) de ter sua reputação virada do avesso. Não preparou lideranças para a eventualidade de perder Lula. E não foi a única perda: o que havia de respeitabilidade intelectual no partido já saiu de cena faz tempo. Além de Lula, as lideranças que lhe restaram estão às voltas com a Justiça: José Dirceu, condenado em segunda instância a 40 anos de prisão, deve retornar ao xadrez a qualquer momento; Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Dilma Roussef são réus em múltiplos processos
Lindbergh Faria acaba de ser condenado em segunda instância por improbidade administrativa. E assim por diante.
O partido está sem rumo e sem credibilidade para propor o que quer que seja. Resta-lhe atirar pedras, sem a necessária autoridade moral para fazê-lo, como nos tempos que precederam sua chegada ao poder. É preciso zerar tudo e recomeçar, dizem alguns petistas. Sim, mas de onde? Da cadeia? Antes de encontrar um meio de reconectar-se com a sociedade, será preciso fazê-lo internamente. E pelo que se viu da tentativa de Ciro Gomes, vai levar algum tempo.

Ruy Fabiano, jornalista- Blog do Noblat - Veja