Sem rumo
A extrema esquerda – PT, PSol, PcdoB – vive um momento autofágico, agravado pela segunda condenação de Lula. O primeiro conflito foi em decorrência da eleição à presidência da
Câmara. PT e Psol decidiram ser pragmáticos e apoiaram Rodrigo Maia, do
DEM, provocando forte reação do PcdoB. Manuela Dávila e amigos
consideraram o gesto uma traição – e uma capitulação.
Na quarta-feira, Ciro Gomes, do PDT, foi vaiado num encontro com a UNE,
em Salvador, ao ponderar a inutilidade de a esquerda reduzir sua atuação
a slogans inúteis do tipo “Lula livre!”. E, ao reagir às vaias, e após
lembrar que é um velho colaborador do PT, repetiu o mantra de seu irmão,
Cid Gomes: “Lula está preso, babaca!”.
Ciro – e isso é um fato raríssimo – tem razão. A esquerda, conforme seu
raciocínio, precisa descer do palanque e se conformar com o fato
concreto de que perdeu as eleições – “e perdeu feio”. Nesse sentido, está de acordo com José Dirceu, que reconheceu que
Bolsonaro tem, sim, lastro social e que não será derrotado tão
facilmente, muito menos a partir de meras ofensas e ameaças. Ao insistir, por exemplo, que a Venezuela é uma democracia e que suas dificuldades são obra dos EUA, investe no irracional.
É preciso exercer a oposição com critério e conteúdo. Neste momento, não há nem uma coisa, nem outra. A rigor, nunca houve. Fazer oposição ao tempo em que o PSDB era governo era bem diferente, a
começar pelo fato de que os tucanos não eram exatamente adversários.
Fernando Henrique disse mais de uma vez que PT e PSDB não brigavam por
ideias, mas por cargos. A luta hoje está em outro patamar. Os conflitos têm fundo doutrinário,
que colocam em confronto valores e princípios – e sobretudo a conduta
moral da esquerda, exposta pela Lava Jato.
Ao tempo dos tucanos, o PT ostentava a mística de instância moral da
nação, uma espécie de sucursal do juízo final, investindo pesado em
denunciar adversários e propor CPIs a cada 15 minutos. “Quanto mais CPIs, melhor”, dizia Lula. E assim, por cima dos cadáveres
dos adversários difamados (uns com razão, outros não – e isso era um
detalhe), o partido construía sua reputação de vestal da República. Com a
leniência de FHC, que dizia que “a vez agora é de Lula”, o partido
chegou ao poder, com ânimo de jamais deixá-lo.
Não se preparou para este momento – e muito menos para a circunstância
(que ele mesmo construiu) de ter sua reputação virada do avesso. Não
preparou lideranças para a eventualidade de perder Lula. E não foi a
única perda: o que havia de respeitabilidade intelectual no partido já
saiu de cena faz tempo. Além de Lula, as lideranças que lhe restaram estão às voltas com a
Justiça: José Dirceu, condenado em segunda instância a 40 anos de
prisão, deve retornar ao xadrez a qualquer momento; Gleisi Hoffmann,
Fernando Haddad, Dilma Roussef são réus em múltiplos processos.
Lindbergh Faria acaba de ser condenado em segunda instância por
improbidade administrativa. E assim por diante.
O partido está sem rumo e sem credibilidade para propor o que quer que
seja. Resta-lhe atirar pedras, sem a necessária autoridade moral para
fazê-lo, como nos tempos que precederam sua chegada ao poder. É preciso
zerar tudo e recomeçar, dizem alguns petistas. Sim, mas de onde? Da cadeia? Antes de encontrar um meio de reconectar-se
com a sociedade, será preciso fazê-lo internamente. E pelo que se viu
da tentativa de Ciro Gomes, vai levar algum tempo.
Ruy Fabiano, jornalista- Blog do Noblat - Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário