O papel
do presidente da República como Comandante Supremo das Forças Armadas não está
bem definido na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que implanta o
semipresidencialismo no país, o que poderá gerar conflitos entre o presidente,
o ministro da Defesa e o primeiro-ministro. É o que avalia o cientista político
Octávio Amorim Neto, professor associado da Ebape/FGV-Rio, que estuda esse
sistema de governo há 20 anos, especialmente o utilizado em Portugal, onde
atualmente é investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa.
A meu
pedido, ele fez uma análise da PEC, que circula em Brasília no meio político,
gerada em discussões entre o presidente Michel Temer e o ministro do Supremo
Gilmar Mendes, que acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Embora a mudança de sistema de governo não possa vigorar já na eleição de 2018,
o Supremo Tribunal Federal tem na pauta próxima uma definição sobre se é
possível fazer uma alteração do nosso sistema presidencialista apenas por
emenda constitucional, depois que ele foi aprovado duas vezes por plebiscitos. [o regime semipresidencialista já nasce ilegal, se aprovado por emenda à Constituição, visto ser inconcebível, respeitando a vontade soberana do eleitor (apesar da notória incompetência do povo brasileiro ao exercer o direito de escolher seus representantes, especialmente o presidente da República nas quatro últimas eleições) que um sistema escolhido em dois plebiscitos seja alterado por uma emenda constitucional.
O
semipresidencialismo que é proposto na PEC é o chamado regime
premier-presidencial, em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente
responsáveis apenas perante o Parlamento. Portugal desde 1983 e a Vª República
Francesa são exemplos desse subtipo. É um sistema de governo cuja constituição
estabelece um Chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um
primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar.
Octávio
Amorim Neto ressalta que as Forças Armadas resistiram duramente à adoção do
parlamentarismo pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 em virtude da
falta de clareza do seu lugar sob esse sistema de governo. Se formos rigorosos
com definições, diz ele, a proposta de parlamentarismo que foi derrotada em
março de 1988 — sob ameaças do general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro
do Exército — criaria, na verdade, um regime semipresidencial, pois previa um
Chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um
gabinete subordinados à confiança do Legislativo.
Portanto,
o cientista político da FGV-Rio considera “fundamental” que qualquer proposta
de semipresidencialismo crie ou fortaleça órgãos que favoreçam a coordenação
entre presidente da República, primeiro-ministro e ministro da Defesa no
tocante ao emprego das Forças Armadas. O presidente da República as comandará,
mas, segundo a PEC, caberá ao primeiroministro e ao gabinete a determinação da
política de defesa.
Isso
poderá gerar conflitos, adverte Octavio Amorim Neto, imaginando o seguinte
cenário: o primeiro ministro e o ministro da Defesa decidem que o Brasil enviará
tropas para uma missão de paz da ONU. Porém, caberá ao primeiro-ministro emitir
as ordens de emprego de unidades militares brasileiras na missão. E se o
presidente da República discordar da decisão e se recusar a assinar as ordens?
Para
reconciliar esse tipo de diferença é que existe o Conselho de Defesa Nacional,
estipulado pelo Artigo 91 da Constituição de 1988. Todavia, esse Conselho tem
sido rarissimamente convocado, comenta Octávio Amorim Neto, tendo se tornado
irrelevante. Sob um regime semipresidencial, o Conselho poderá ser ressuscitado
e ganhar relevo, se conseguir tornar-se um mecanismo eficaz de coordenação.
Octávio
Amorim Neto chama a atenção para o fato de que não há menção ao Conselho no
texto da PEC a que teve acesso e diz que o primeiro-ministro precisa ser
incluído entre seus membros permanentes. E uma das possíveis soluções para a
atual falta de importância do Conselho de Defesa Nacional seria inserir, na
emenda de estabelecimento do semipresidencialismo, que o órgão se reunirá
periodicamente.
Merval Pereira - O Globo