Há uma hora em que as
coisas não cabem dentro do molde institucional por mais lasso que este seja,
por mais complacente que se mostre, por mais tolerante que se pretenda. E
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é hoje esse conteúdo que já não encontra continente. O
que se tem contra ele — com narrativa meticulosamente arranjada por Rodrigo
Janot — não cabe no cargo de presidente da Câmara. Ele sabe que vai cair ao
menos desse posto.
Se renunciar ao mandato, foge de uma
das possibilidades da Lei da Ficha Limpa, mas perde o direito ao foro especial
por prerrogativa de função. Seu caso vai para as mãos de Sergio Moro. Se paga
pra ver, corre, sim, o risco de ser cassado, e ele cai no colo de… Sergio Moro.
O Ministério Público Federal trabalhou
com impressionante rapidez no seu caso? Não resta a menor dúvida a respeito.
Assim como é evidente que esse era um desdobramento de interesse do Planalto.
Mas, por tudo o que se está a ver, explicitaram-se apenas atos que eram de sua
responsabilidade. Para que o conjunto não passasse de invenção diante do que se
tem, seria preciso que houvesse uma força organizada nas sombras só para
distorcer a sua imagem. E ele sabe que isso não aconteceu.
É uma pena? É, sim! De vários modos. Em
primeiro lugar, porque Cunha imprimiu um dinamismo que há tempos não se via na
Câmara. Em segundo lugar, porque ele ajudou a enterrar a agenda petista da
reforma política e, se me permitem a licença, da reforma do Supremo. Em
terceiro lugar, porque, dada a conjuntura, é claro que a sua desgraça concorre,
ainda que temporariamente, para a sobrevida de Dilma.
Nada disso, no entanto, é suficiente
para que a sua permanência à frente da Presidência da Câmara seja defensável. E
é fácil, insisto, chegar-se a essa conclusão: alguém poderia presidir a
República com as evidências que há contra Cunha? [evidências não são provas; quanto ao que foi informado pelos delatores, quais foram as razões do Janot não ter a mesma celeridade com as acusações contras os filhos do Lula? contra o Renan?] A resposta é “não”! Alguém
poderia presidir o Supremo com as evidências que há contra Cunha? A resposta é
“não”! Logo, ninguém pode presidir a Câmara sem dar as devidas explicações.
E já está claro, a esta altura, que as
explicações não existem. Aliás, para uma nota à margem: ninguém poderia
presidir o Senado com os testemunhos premiados que há contra Renan Calheiros
(PMDB-AL). Mas, como se nota, no seu caso, o Ministério Público Federal
desacelerou, em vez de acelerar, a investigação.
Se Cunha chegou a ser visto, em algum
momento, como um elemento catalisador do impeachment, isso acabou, mudou,
inverteu-se, não é mais. Hoje, a sua presença na presidência da Câmara retarda,
em vez de acelerar, as reações químicas do afastamento de Dilma.
Nesta terça, amanhã, Hélio Bicudo,
Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal apresentam a nova denúncia contra a
presidente da República, endossada pelos partidos de oposição e por movimentos
que organizaram as três maiores manifestações políticas da história do Brasil. Enquanto Cunha permanecer à frente da
presidência da Casa, só a ele caberá a palavra final sobre a aceitação primeira
da denúncia, depois que ministros do Supremo houveram por bem manietar os
opositores de Dilma, cassando-lhes o direito de recorrer ao plenário de uma
recusa eventualmente decidida pelo presidente da Câmara.
Cunha recusando, pesará a suspeita de
que busca fazer o acordo com o qual acenou Lula — um acordo que, o deputado
deve saber, a esta altura, parece inútil. Se aceita a denúncia, dirão que o
moribundo busca se vingar. Ainda assim, ele faria um bem ao país se, enquanto
pode, deferisse o pedido e deixasse que o Congresso decidisse a sorte de Dilma. [é melhor ser acusado de vingador do que de ter feito um acordo com o famigerado PT e Lula.
detonando Dilma tudo fica mais fácil para Renan, até mesmo um retorno no estilo Renan Calheiros.]
Dê-se a mão à palmatória, não? Dado um
governo de trapalhões; dado um PT completamente desarvorado; dado o casamento
entre as crises econômica, política e de confiança, Janot soube jogar com um
impressionante sangue-frio. Não parece, tudo indica, que tenha
atribuído a Cunha nada que este não tenha feito; não parece que tenha inventado
nada; não parece que tenha contado nenhuma mentira… O fato é que está sendo o
narrador de uma das maiores farsas políticas da história do país contando a
verdade. Isso é plenamente possível.
Acho que há elementos para considerar
que Cunha fez tudo aquilo de que o acusam. E, no entanto, obviamente, ele não
era o chefão do petrolão, certo? Janot, mais do que a histeria dos petistas,
mais do que a fanfarronice de Lula, mais do que as mentiras asquerosas dos
sedizentes intelectuais, mais do que a violência retórica das esquerdas, Janot,
ele mesmo, está sendo a garantia da sobrevida de Dilma no poder.
Por quanto tempo? Vamos ver. O Brasil é
muito maior e muito mais complexo do que o ambiente de pequenos e grandes
golpes de Brasília. A Cunha, agora, só resta organizar a
forma de sair de cena para se defender. The game is over.
Nenhum comentário:
Postar um comentário