A grave crise econômica em curso, e que ainda
se aprofundará, deveria levar o governo a propor a flexibilização dos
acordos entre patrões e empregados
Um fortuito caso de autuação do Clube Caiçaras, na Lagoa, no Rio, por
suposto “trabalho infantil” ocorre no momento em que o emprego encolhe
no país, em alta velocidade, devido a uma recessão que tende a ser
histórica, capaz de rivalizar com a crise interna causada pela Grande
Depressão americana, de 1929/30.
A bizarrice que aconteceu no Caiçaras começou com a intervenção do
Ministério Público do Trabalho no clube, proibindo-o de deixar que 26
meninos das áreas carentes da Cruzada São Sebastião, um conjunto
habitacional encravado no valorizado Leblon, e das favelas do Vidigal e
Rocinha continuassem a ser boleiros nas quadras de tênis do clube.
Os promotores enxergaram na atividade dos garotos um deletério caso
de “trabalho infantil”. O clube os afastou e, com isso, os meninos
deixaram de contribuir para o apertado orçamento de suas famílias com
cerca de R$ 900 que recebiam todo mês no Caiçaras. O afastamento ocorreu
em agosto do ano passado. Como decorrência previsível, de lá para cá ao
menos dois meninos do grupo se envolveram com drogas e um deles
terminou apreendido pela polícia e levado para o Departamento Geral de
Ações Socioeducativas (Degase), por andar armado.
Pode-se argumentar que o MP nada fez além de cumprir a lei. É certo. A
lei, portanto, está errada. Aliás, todo o sentido da legislação
trabalhista, uma herança anacrônica de Getúlio, encontra-se a léguas de
distância da realidade do mercado de trabalho. Por isso, funciona contra
o trabalhador. Assim como no caso dos meninos boleiros, uma atividade
que, não raro, revela profissionais do tênis.
É este anacronismo legal que precisa acabar, uma reivindicação
antiquíssima. Mesmo Lula, quando surgiu no sindicalismo, no final de
década de 70, prometia pulverizar a “herança getulista”. Depois, mudou
de ideia.
A onda atual de desemprego parece estar apenas no começo,
infelizmente. Deveria servir de inspiração para o governo flexibilizar
esta legislação, a fim de permitir que acordos entre sindicatos e
empresas salvassem empregos. O conceito já foi absorvido pela presidente
Dilma, tanto que está em vigor o Plano de Proteção ao Emprego (PPE),
pelo qual jornada de trabalho e salários podem ser cortados em comum
acordo, para evitar demissões. [a 'cérebro baldio' pode até ter absorvido o conceito, mas, o único neurônio que a soberana dispõe travou, devido preocupação com o impeachment, e o tal plano encalhou.]
Mas tudo é muito limitado. É preciso uma
reforma trabalhista, nesta linha, porém que atinja todas as atividades.
Mas Dilma não quer enfrentar frações petistas contrárias. Uma delas, a
Democracia Socialista (DS), do ministro Miguel Rossetto, uma espécie de
guardião do atraso atuando no fórum em que estes temas são discutidos.
É neste ponto que se misturam os meninos boleiros do Caiçaras e a
taxa geral de desemprego. Quanto mais moderna e realista for a
legislação, melhor para todos — dos meninos da Lagoa aos desempregados e
empregados em geral.
Fonte: Editorial - O Globo
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