Michel Temer fala a ÉPOCA sobre como pretende consertar a economia e conseguir maioria no Congresso
Nascia seca e azul aquela manhã de abril em Brasília, e a balbúrdia da política habitava o normalmente silencioso Palácio do Jaburu. Da cozinha da residência oficial da Vice-Presidência da República, contígua à pequena sala de jantar da casa, vazavam o tilintar de pratos preparados em série e os vozeirões desencontrados de cozinheiros apressados. Parecia o som de um restaurante popular a quilo. Na sala de jantar, definida pela elegância aristocrática e austera dos palácios de Brasília, o café da manhã frugal estava à mesa. Pães, ovos mexidos, café coado. Divisava-se, à janela, como de hábito, a estranha companhia de todos aqueles que moraram ali: as emas, bichos que circulam livremente pelos gramados bem cuidados do Jaburu, indiferentes a jardineiros e chefes políticos. Estávamos às vésperas da votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Michel Temer, sempre empertigado, sentou-se à mesa. Pela primeira vez em anos, estava sem paletó. Resolvera trabalhar para assumir a Presidência da República.
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Durante meses, conforme as crises política e econômica se agravavam, conforme a Lava Jato destruía o PT e o governo de Dilma Rousseff, ficava cada vez mais evidente, para aqueles que mandam em Brasília, que Temer seria presidente em pouco tempo. Temer, o mais hesitante dos políticos da capital, demorava a agir – ou, para os mais ladinos, esperava a hora certa para agir. Ele se preparava havia meses para o momento em que Dilma tivesse errado o suficiente para se permitir ser apeada pelo astuto Eduardo Cunha, que comandava o impeachment na Câmara.
Temer, que sempre ouviu muito antes de decidir, por gesto (para conquistar o interlocutor) e por inteligência (para não errar), esperara até aquela hora, em que o poder se deslocava naturalmente para ele, fugindo de Dilma. O poder estava na sala ao lado, sentado em sofás, operando a queda de Dilma – homens próximos e de confiança, deputados e senadores de quase todos os partidos. “Tenho de agir com discrição, por respeito à presidente, mas não é fácil. O país tem pressa e o poder não admite vácuo”, disse Temer, enquanto comia lentamente uma pequena porção de ovos mexidos.
O vice-presidente deixara-se ser cuidadosamente atropelado pelos fatos para, como aprendeu, ser ungido ao posto que, na verdade, já sabia ser seu havia muito. O impeachment era uma realidade, e não havia nada mais que ele pudesse fazer – a não ser ceder aos apelos daqueles que estavam do outro lado da sala, apelos para ratificar os últimos acordos com os deputados que derrubariam Dilma. O impeachment se transformara numa eleição entre Dilma e Temer. Quem prometesse mais espaço político (cargos, naturalmente), e tivesse condições de cumprir as promessas, seria eleito. Dilma, desmoralizada havia muito pela incapacidade de entregar o que prometia, não precisava de muito para ser superada no leilão. Bastava a palavra de Temer. A de Dilma não tinha mais valor no mercado de Brasília. Após o desjejum, Temer dirigiu-se aos sofás do Jaburu, onde distribuiria alguns dos últimos apertos de mão para derrubar Dilma. Dias depois, a Câmara aprovou o impeachment da petista, liquidando-a. Nesta semanaa, o Senado terminou o serviço.
Ao cair da tarde do dia seguinte, na quinta-feira, dia 12, Michel Temer assomou, puro Michel Temer, com terno escuro abotoado, gravata verde, no salão leste do Palácio do Planalto. Horas antes, ali mesmo, Dilma o havia enxovalhado mais uma vez como golpista e usurpador – em essência, o cavaleiro do apocalipse da democracia. Temer estava sem dormir direito – acordara com a notícia de que o Senado aprovara o afastamento de Dilma. O cansaço se exibia em seu semblante. O salão estava abafado. O pequeno palco, apinhado com os novos ministros – todos homens, todos brancos. A maioria deles resultado dos apertos de mão no Jaburu, que asseguraram o apoio do Congresso no impeachment e, ao menos no curto prazo, também nas medidas que o novo governo pretende encaminhar à Câmara e ao Senado.
Temer falou por quase 30 minutos. Mui pausadamente. Não quis abrir espaço para improvisos ou gafes. “Eu pretendia que esta cerimônia fosse extremamente sóbria e discreta, como convém ao momento que vivemos”, iniciou Temer. Tarde demais. Ouviam-se fogos de artifício na Esplanada. Simpatizantes do novo governo faziam selfies. Cinegrafistas berravam para que os convidados se sentassem e a imagem do poder recém-¬empossado fosse capturada em sua íntegra. Quando o silêncio finalmente foi possível, pôde-se ouvir ao fundo, conforme Temer dizia que sua primeira palavra aos brasileiros seria “confiança”, um grito de “Amém!”. Mais tarde, Temer confirmou que o lema de sua gestão será “Ordem e Progresso”. O tom de sua condução do país estava estabelecido.
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
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