Somente
os R$ 60 bi que vai custar este último aumento nominal do Judiciário poderiam
pagar 33,8
milhões de vezes o salário médio do Brasil, que em 2016 chegou a R$ 1.776
O governo
liberou na quarta-feira os aumentos do Poder Judiciário acima de 41%. Primus inter pares porque é lá que
se dizem os “sins” e os “nãos”
que confirmam ou anulam tudo o que os outros Poderes decidem, os “meritíssimos” recebem antes de todos os demais o seu pedaço do pacote de aumento do
funcionalismo que, bem no meio da mais cruel crise já vivida pelo resto do
Brasil, tomou mais R$ 60 bilhões da
economia moribunda para garantir que as “excelências”, seus nomeados e os nomeados de seus
nomeados continuem dormindo em paz no meio do pânico que grassa aqui fora.
No STF, que “dá o teto” para o salário de todo o setor
público, o “por dentro” salta de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil,
16,3% a mais. É claro, todo mundo sabe que não há
um único juiz no Brasil, que dirá os do STF, que realmente viva com essa “mixaria”. Não há cálculos publicados
sobre quanto valem todos os “auxílios”
e mordomias que lhes pagamos, mas são chamados
de todos os nomes menos “salário” para que a Receita Federal, que nos esfola
a partir de pouco mais de dois salários mínimos, se sinta juridicamente
autorizada a tirar candidamente os olhos de cima deles.
Por uma
distração do “Sistema” na recente
luta para expelir esse Eduardo Cunha que desafiou sua hierarquia interna, o
País ficou sabendo, por exemplo, que o
presidente da Câmara dos Deputados “ganha”
realmente – computados todos os jatos, automóveis,
pilotos, motoristas, combustível e hotéis, o “chef” e os três auxiliares de cozinha, as
empregadas e os “valets de
chambre”, os “auxílios” moradia, escola de filho,
assistência médica, paletó, dentista, barbearia e o que mais se imaginar –, a bagatela de R$ 500 mil por mês.
Somente
os R$ 60 bi que vai custar este último aumento nominal – veja bem, não estamos falando da folha de pagamentos da União, mas só
de quanto ela vai aumentar enquanto você se afoga – poderiam pagar 33,8 milhões de
vezes o salário médio do Brasil, que em 2016 chegou a R$ 1.776, ou 68 milhões de salários mínimos, de R$ 880.
E, no entanto, notícias como essas são dadas pelos eruditos do colunismo
social da Corte, em que se transformaram os jornalistas políticos do Brasil,
quase como uma vírgula em meio às elucubrações sobre as minúcias dos passes e
transações entre partidos e chefes de partidos de que o País real não sabe
sequer os nomes para decidir quem vai ficar com que pedaço da pele dele.
Faz-se um mero registro
desacompanhado de qualquer cálculo, comparação ou reportagem sobre como é a vida dos
habitantes desse mundo inimaginável para a multidão dos brasileiros das
periferias “de bloco” que espera em
obsequioso silêncio, imobilizada, que as “excelências”
se resolvam. Nesta última safra, registrou-se burocraticamente que o governo
provisório, que confirmou esses aumentos, foi constrangido a fazê-lo porque se
ousasse sequer discutir o assunto a máfia travava de vez o País e acabava de
matá-lo. Feito o parênteses, com essa ameaça de quase genocídio apenas
sugerida, volta-se ao infindável tititi da Corte…
Essa
nossa Constituição, que vive sendo saudada aos quatro ventos como “democrática”, é o avesso disso. Não
passa de um compêndio das exceções ao império da lei e dos privilégios
garantidos a uns e negados a outros, que abrange virtualmente todos os aspectos
da vida e todas as categorias de brasileiros, para garantir que nenhum se possa
queixar a partir de uma posição moral não comprometida, mas estabelece uma rígida hierarquia na privilegiatura que regulamenta
até a menor das minúcias. O resultado é, sem tirar nem pôr, um sistema
feudal em que “o rei” nomeia os seus
barões e outras “nobrezas menores”
que, por sua vez, criam as clientelas que “protegem”,
tudo na base da distribuição de dinheiros, que não são eles que produzem, a
quem fica dispensado de fazer por merecê-lo.
Igualdade perante a lei; um
homem, um voto; o direito de cada
um decidir o que é melhor para si nas relações de trabalho; a proibição da representação que não seja teleguiada pelo
Estado (Fundo Partidário, imposto
sindical, etc.) – nenhum dos fundamentos que definem “Democracia”, enfim, está presente neste Brasil do “regulamentismo absolutista”.
O brasileiro vive se flagelando,
achando que é o povo mais corrupto do mundo, mas essa é só mais uma das mentiras com que o
intrujam. No mundo inteiro, em tudo em que o Estado entra, rouba-se. O problema
é que, no Brasil, o Estado entra em tudo apenas e tão somente porque se quer
roubar em tudo, e isso continua sendo
possível aqui. No resto do mundo não existe mais essa discussão. Não é de
Estado mínimo ou máximo, mas de roubalheira mínima ou máxima que se trata. Para
o Estado deixa-se apenas o que não se pode evitar de deixar, porque o que for deixado será inevitavelmente roubado, e há que pôr
essa inexorabilidade na balança. Leis
anticorrupção, por melhores que sejam, são pra
enxugar gelo e os esquemas organizados para negar isso pelos que vivem
do Estado são ululantemente mentirosos. Todo
mundo sabe disso. Não há exceção, de
Azerbaijão a Zaire.
No meio do desemprego e da
quebradeira geral, um país
acostumado a ser cavalgado busca desesperadamente uma esperança em que se
agarrar. Mas desanima o fato de discussões encerradas no mundo todo não terem
sequer começado por aqui. É deprimente entender, antes da partida para mais uma
jornada de recuperação de prejuízos, que mais uma
geração de brasileiros terá o seu acesso à modernidade barrado porque insistimos na roda quadrada.
O Brasil fica sonhando com
colheitas, mas o fim da
miséria, a prosperidade, a paz social são frutos da democracia e é
preciso antes adotá-la para poder colhê-los. Enquanto não sairmos do
colunismo social da Corte para a cobertura intensiva, gráfica e subversiva do
custo social da Corte; enquanto não
começarmos não apenas a dizer, mas a bradar em fúria que não há salário para
nós porque há salário demais para eles; enquanto não houver uma só lei para
todos, nós só colheremos mais do que já temos colhido.
Fonte: Fernão Lara Mesquita – Veja – Coluna do
Augusto Nunes
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