A prisão dos suspeitos de preparar atentados na Olimpíada é correta e necessária, mas o barulho excessivo amplia de maneira exagerada o medo e a insegurança
[discordamos que a ampliação do medo e insegurança, ainda que com um certo exagero, seja prejudicial.
É bem melhor que haja medo e insegurança - que motivará as forças de segurança a uma situação de alerta - do que se acomodem achando que a prisão dos suspeitos de planejarem atos terroristas afastou o perigo.]
AMEAÇA Nível 4 - As forças de segurança simularam diversas situações de
ataque terrorista durante os Jogos do Rio de Janeiro (YASUYOSHI
CHIBA/AFP)
Estirado em um velho sofá azul, vestindo calças camufladas de combatente e com os cabelos desgrenhados, um jovem imberbe esforça-se para explicar a um interlocutor as suas convicções sobre algo que parece conhecer pouco, o Islã. Brasileiro, ele se confessa admirador de uma certa “doutrina do terror”. Explicando melhor, considera justificável que inocentes sejam assassinados em ataques suicidas para vingar a morte de muçulmanos. Ele sabe que está sendo filmado. “Fomos nós, muçulmanos, que invadimos o país deles?”, questiona. O diálogo não segue uma lógica cartesiana, mas fica claro que ele se refere ao atentado ocorrido na Flórida, em que 49 pessoas morreram num ataque terrorista a uma boate gay. “Mataram cinquenta lá. E os 10 000 do Afeganistão? Não tiro a razão dos caras”, diz. O rapaz sofre para organizar o raciocínio, enquanto pronuncia palavras arrastadas, balbucia coisas incompreensíveis, chegando a aparentar uma descompensação mental. Por fim, festeja o atentado em Nice, na França, que fez 84 mortos, “infiéis”, como ele os chama.
As cenas desse vídeo levaram a Polícia Federal a desencadear a operação antiterror da semana passada, a maior do gênero já vista no Brasil. Foram expedidos vinte mandados de busca e apreensão em dez estados. Onze homens foram presos e um ainda estava foragido até o fechamento desta edição de VEJA. Todos foram transferidos para o presídio de segurança máxima em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O rapaz que admira a “doutrina do terror” vinha sendo monitorado havia meses por agentes da Divisão Antiterrorismo. Ele e outros onze brasileiros participavam de grupos que juraram lealdade ao Estado Islâmico, discutiam estratégias de combate, tentavam aliciar pessoas. Eram só observados, até o momento em que um deles tentou comprar um fuzil AK-47 pela internet, outro recomendou que fizessem treinamento de tiro, um terceiro conclamou os colegas a se matricularem em cursos de artes marciais — e todos conversavam sobre um ataque durante os Jogos do Rio de Janeiro.
Depois dos atentados em Orlando e Nice, e com a proximidade da Olimpíada, a polícia brasileira achou que esse bando de amadores não podia ser desprezado. Invocou a Lei Antiterror, recém-aprovada, e pediu a prisão preventiva do grupo, decretada pelo juiz Marcos Josegrei da Silva, titular da 14ª Vara Federal de Curitiba. Deflagrada num momento de tensão global com a ameaça de ataques, a operação provocou grande repercussão na imprensa mundial.
A ação policial está absolutamente correta do ponto de vista preventivo, mas acabou escancarando o que poucos brasileiros sabem: a disputa renhida entre a Abin e a PF pelo protagonismo no combate ao terrorismo. A Abin e a PF não se entendem, embora devessem trabalhar em parceria. Neste caso, a Abin defendia a ideia de que a “célula terrorista” continuasse sendo monitorada, sem alarde, mantendo-se a estratégia adotada em grandes eventos. Para a Abin, publicidade gera imitação. Outros grupos podem querer suplantar a atenção e promover atos ainda mais sensacionais. Além disso, a publicidade excessiva pode provocar medo, até pânico, em setores da população. Na Copa do Mundo, em julho de 2014, a Abin foi informada sobre a possibilidade de um atentado no Maracanã, inclusive com o uso de drones. Discretamente, deteve os suspeitos, fez um cerco ao estádio, bloqueou o espaço aéreo, e ninguém percebeu nada de anormal. É o que os serviços secretos chamam de “operação invisível”. [será que o 'mico' que a Abin pagou com aquele folder com 'dicas antiterror' divulgado pela Agência, faz parte de alguma operação invisível?]
Com reportagem de João Pedroso de Campos, Caio Salles e Giulia Vidale
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