A
ironia é irresistível: como é que esse pessoal tem coragem de fazer
isso com uma mulher honesta? Essa deve ser a pergunta que estão fazendo
os estupefatos brasileiros que tomaram conhecimento da surpreendente
revelação de que havia caixa 2 nas campanhas eleitorais de Dilma
Rousseff. É inacreditável, porque Dilma, a honesta, e o PT não se cansam
de repetir que todos os recursos financeiros que passam por suas
campanhas eleitorais são “recebidos na forma da lei e registrados na
Justiça Eleitoral”. Mas a fonte é insuspeita: o marqueteiro João Santana
e sua mulher e sócia, Mônica Moura, que acham tudo isso muito feio, mas
confessaram ao juiz Sérgio Moro que tiveram que fazer o que fizeram
porque, senão, “vem outro e faz”. Não por coincidência, é assim que
pensam também os políticos gananciosos, bem como os maus empresários que
antes preferem competir à margem da lei, pelo atalho da corrupção, do
que pelo aumento da qualidade e a redução dos custos e dos preços de
seus produtos e serviços.
O cinismo e a hipocrisia dos
depoimentos prestados em Curitiba, no âmbito da Operação Lava Jato, pelo
marqueteiro oficial das últimas campanhas presidenciais do PT e por sua
companheira e cúmplice, ao trazerem a público aquilo que todo mundo
sempre soube e doravante a honesta Dilma não poderá continuar negando,
evidenciam a completa deterioração dos padrões de moralidade naquilo que
a política tem de mais vital: o jogo eleitoral. Não se pode dizer, numa
República que teve suas primeiras décadas marcadas pela ampla
manipulação do resultado das urnas, que a fraude eleitoral seja uma
novidade. Mas há pouco mais de 35 anos entrou em cena um partido que,
apresentando-se como dono da verdade e da virtude, logrou tornar-se a
mais importante força política graças à anunciada disposição de lutar
“contra tudo isso que está aí”.
Pois é exatamente esse, o Partido
dos Trabalhadores, que aliado ao que há de pior na vida pública e
privada – do coronelismo nordestino ao banditismo sindical e empresarial
– cometeu um escandaloso estelionato eleitoral em 2014. Por força do
exagero da sede com que foi ao pote, o PT acabou prestando à democracia
brasileira o favor de facilitar a tarefa das investigações policiais que
lancetaram o tumor da corrupção e deixaram vazar a secreção pútrida das
práticas mentirosas e ilegais das campanhas eleitorais.
Se
permanecesse fiel a suas promessas de moralizar a política, o PT poderia
ter usado o grande poder político de que por algum tempo dispôs para
pelo menos minimizar as práticas criminosas que comprometem a lisura das
urnas. Em vez disso, as campanhas eleitorais se tornaram cada vez mais
caras e contaminadas por práticas ilegais, como admitiu João Santana em
seu depoimento ao juiz Moro: “Acho que é preciso rasgar o véu da
hipocrisia que cobre as relações políticas eleitorais no Brasil e no
mundo”.
Mônica Moura, que era responsável pela administração
financeira da dupla, admitiu ter recebido, “como caixa 2, mesmo”, US$
4,5 milhões relativos à campanha presidencial de 2010. E explicou: “Os
partidos não querem declarar o valor real que recebem das empresas e as
empresas não querem declarar o quanto doam. Ficamos no meio disso. Não
era uma opção minha, mas uma prática não só do PT, mas de todos os
partidos”.
O casal tentou fazer crer que não contou nada no
interrogatório que se seguiu à prisão, no início do ano, porque tinha a
intenção de preservar a imagem de Dilma Rousseff: “Eu achava que isso
poderia prejudicar a presidente Dilma”, afirmou o publicitário. “Eu que
ajudei, de certa maneira, a eleição dela, não seria a pessoa que iria
destruir a presidente.” Mônica Moura acrescentou: “Para ser sincera, eu
não quis incriminá-la, porque achava que ia piorar a situação. Queria
apenas me poupar de piorar a situação”. Pelo jeito, nenhum dos dois
entende que haja agora alguma maneira de impedir que a “situação” de
Dilma piore. Os marqueteiros de Dilma não deixam dúvidas: a corrupção faz parte do catastrófico legado dela.
Fonte: Estadão - Editorial
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