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sexta-feira, 22 de julho de 2016

França: de novo o horror islâmico



"Desde o atentado contra Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, sete atentados ensangüentaram o país e 250 pessoas foram assassinadas."

Desta vez não houve só um dia de unidade nacional. Horas depois do bestial atentado em Nice, que ceifou a vida de 84 pessoas inocentes (inclusive 10 crianças) e deixou 202 feridos (16 entre a vida e a morte até o momento de escrever este artigo), a oposição acusou o presidente socialista François Hollande, e seu primeiro-ministro Manuel Valls, de haver cometido os graves erros em matéria de segurança pública que desembocaram nesta nova tragédia.

Oito horas antes do atentado, ignorando o que um fanático islâmico estava preparando em segredo, François Hollande havia se mostrado otimista durante uma coletiva de imprensa. A jornada do 14 de julho, que comemora a Revolução Francesa, transcorria bem. O imponente desfile militar nos Campos Elíseos havia sido, como sempre, um sucesso. Hollande anunciou aos jornalistas que estava disposto a pôr fim, em 26 de julho próximo, o estado de emergência que havia decretado após os atrozes atentados de 2015 em Paris. O chefe de Estado estimava talvez que a ameaça terrorista estava mais ou menos sob controle, pois os desfiles dos dias e semanas anteriores e, sobretudo, as concentrações festivas de fanáticos de futebol (nas fan zones) em várias cidades, durante o campeonato europeu, não haviam sido atacadas graças aos dispositivos de segurança deslocados, e só havia que lamentar as destruições e violências anti-policiais e “anti-capitalistas” durante as manifestações da central sindical comunista (CGT), contra um projeto de lei trabalhista.

Tal confiança havia feito com que, além disso, o governo suspendesse discretamente, desde maio passado, as detenções administrativas e as invasões de domicílios e veículos dos indivíduos assinalados pelas autoridades como suspeitos de radicalização islâmica. Hollande também advertiu que ia reduzir de 10.000 para 7.000 o número de soldados da Operação Sentinela que patrulham as cidades.

Baseado na errada caracterização da ameaça, esse otimismo beato despencou às 10 e 28 minutos da noite de 14 de julho, quando sobreveio o que muitos temiam: um novo atentado islâmico de massas. Um tunisiano de 31 anos que vivia em Nice, Mohamed Lahouaiej Boulhlel, que havia passado desapercebido pelos serviços secretos, lançou bestialmente um caminhão de 18 toneladas contra a multidão que caminhava tranqüilamente pelo Passeio dos Ingleses, a maior avenida da cidade, paralela à praia, ao final de um espetáculo de fogos de artifício. Em poucos segundos, Nice passou de um momento de festa popular republicana a um pesadelo de crueldade inaudita.

O caminhão terminou sua carreira assassina de dois quilômetros quando três policiais conseguiram abater a tiros o “soldado do Estado Islâmico”, como essa entidade o definiu ao reivindicar essa matança no dia seguinte. Assim, a França foi varrida de novo por uma onda de dor, indignação e fúria, como havia acontecido após os atentados islâmicos de janeiro e novembro de 2015.
Imediatamente, o presidente Hollande decretou três dias de luto nacional, prolongou o estado de urgência, chamou as reservas e disse que reforçaria a intervenção francesa na Síria e Iraque. Porém, muitos consideram que esse plano era a repetição do anunciado em novembro e não respondia às falhas de segurança interna reveladas pelo ataque em Nice.

Como esse caminhão pôde chegar até esse lugar e investir contra as pessoas sem ser detido desde o começo? Muitas testemunhas interrogadas por repórteres de televisão afirmam que havia pouca vigilância policial e que os obstáculos para a passagem de veículos eram insuficientes. Bernard Cazeneuve, o ministro do Interior, aduziu com grande frieza que essa avenida estava sim protegida, pois havia “64 policiais nacionais, 42 policiais municipais e 20 militares”. Falso, replicou Christian Estrosi, ex-prefeito da cidade e presidente da região Paca, que citou esse ministro por não ter protegido bem esse lugar.

Na véspera do ataque Estrosi, um dirigente dos Republicanos, partido que preside o ex-mandatário Nicolas Sarkozy, tinha enviado uma carta ao presidente Hollande para lhe pedir que traçasse um “grande plano de urgência para melhorar as condições de trabalho dos policiais e lhes dar meios para agir”. Havia lhe exigido deixar de lado o “tempo das homenagens” e passar ao “tempo da ação”. Em sua carta, Estrosi precisou: “Devemos suprimir os freios dogmáticos e ideológicos que obstaculizam a utilização de novos meios tecnológicos” na luta anti-terrorista, como os equipamentos de reconhecimento facial. 

Sublinhou entre outras coisas que a polícia municipal continua trabalhando sem armas e sem poder consultar os fichários informáticos da polícia nacional. Além disso, denunciou o clima de ódio” que existe em certos setores contra as forças da ordem, o que havia chegado a seu paroxismo em 13 de junho passado, quando um muçulmano penetrou na residência de um casal de policiais, em Magnanville, e os assassinou na frente de seu bebê, antes de ser abatido pela força pública.

Ante a amplitude da catástrofe de Nice, Manuel Valls adotou um ar marcial. Disse que o país está em guerra e que terá que agüentar, pois haverá novos atentados durante um longo período, o que foi interpretado por alguns como a posição fatalista de alguém que é incapaz de propor soluções efetivas a curto prazo. Sua frase posterior “não aceito críticas”, aumentou as tensões com a oposição à qual ele havia acusado de lançar “polêmicas vãs” e querer “dividir a opinião pública”. “Se este governo não aceita crítica é porque está esgotado”, replicou o deputado George Fenech, do partido gaullista. “Os franceses não querem ver mais inocentes e famílias massacradas. Sentem que os poderes públicos nem conseguem protegê-los, nem pôr os terroristas fora de combate”, concluiu. Fenech havia presidido, com o deputado socialista Sébastien Pietrasanta, a comissão parlamentar que investigou o que havia ocorrido em matéria de terrorismo desde janeiro de 2015. “Durante nossas audiências, os chefes dos serviços secretos reconheceram que haviam fracassado. Há muitas falhas na vigilância dos terroristas. É urgente mudar de enfoque”, asseverou.

Porém, esse informe e suas 40 propostas foram rechaçadas pelo executivo. Entre as reformas que essa comissão pede está a criação de uma Agência Nacional de Luta contra o Terrorismo, com a fusão dos diversos serviços de inteligência, nomear um chefe do anti-terrorismo, criar uma base de dados central e se inspirar no trabalho anti-terrorista de países como Israel e Estados Unidos. Um dia depois de havê-lo recebido, o ministro Cazeneuve objetou tudo isso dizendo que o dispositivo atual era o adequado. “Não podemos aceitar que o ministro que carrega a mais pesada responsabilidade pelo ocorrido em 2015 venha nos dizer ‘tudo o que vocês fazem não me interessa’. Com sua atitude ante nossa comissão ele põe em dúvida o papel do controle parlamentar sobre o executivo”, afirmou Fenech.

Dias antes do ataque em Nice, essa comissão havia enfurecido o governo pois revelou que em 13 de novembro passado, ante o ataque do Bataclan, onde 130 pessoas foram massacradas, os militares da Operação Sentinela que chegaram ao local não intervieram pois, disseram, não tinham permissão para disparar. Os policiais lhes pediram então que emprestassem os fuzis Famas para liquidar os atacantes, porém não conseguiram. Não se sabe quantas vidas se perderam nesse lugar por semelhante absurdo.

Essa comissão também revelou que três kamikazes que estavam no segundo andar do Bataclan, torturaram e emascularam vários reféns antes de assassiná-los. O informe transcreve a declaração de um membro da brigada anti-criminal que os combateu nesse local. Ele diz que alguns corpos de vítimas não foram apresentados a seus familiares pois haviam sido decapitados, degolados e eviscerados. Disse que os olhos de outras vítimas haviam sido arrancados, que os assaltantes, antes de ser abatidos ou de se fazer explodir, representaram atos sexuais sobre mulheres e deram facadas em seus genitais. E que filmaram tudo. Não se sabe quem tentou minimizar tais atos de barbárie dentro do ataque terrorista. O certo é que esses fatos foram ocultados do público.

A briga pela negligência de Hollande se estende dentro da própria esquerda. Malek Boutik, deputado socialista, declarou que tinha que adotar uma “nova política de defesa” que implique mais a cidadania. Sublinhou que a detecção prematura dos ideólogos do islamismo, do anti-semitismo, do ódio anti-França, a detecção dos agitadores e verdugos islâmicos, é uma obrigação.

“A França está em guerra, porém não utilizamos as armas da guerra”, resumiu por sua parte Eric Ciotti, outro deputado do partido de Sarkozy. Ele insistiu no que outros analistas dizem: que ante a ameaça durável “devemos mudar o marco, a filosofia, a política e a dimensão do combate contra o terrorismo”. Criticou o fato de que em defesa, justiça e segurança só se emprega 3% dos recursos públicos e pediu a criação de centros de retenção para os indivíduos assinalados como jihadistas.

Visivelmente emocionado e com uma cólera mal contida, o ex-presidente Sarkozy, possível candidato presidencial de seu partido, lançou, ao sair de uma missa na Catedral de Nice em memória das vítimas: “Não vamos chorar a cada seis meses pelas vítimas. Não é possível. Em algum momento, que chegará muito em breve, vamos ter que dizer as coisas, não para dizê-las, mas para fazê-las”. No dia seguinte, ante um estúdio de televisão, Sarkozy insistiu na tremenda responsabilidade de Hollande e Valls no que está acontecendo.

Disse que desde o atentado contra Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, sete atentados ensangüentaram o país e 250 pessoas foram assassinadas. “Não fizeram o que deviam fazer”, disse. E fustigou a tentativa de Hollande e Valls de impedir a discussão sobre o que está falhando. “Isso é a democracia? O fechamento total do debate?”. Lembrou que desde há 18 meses o governo não abriu um só centro de retenção de jihadistas e que seu partido havia exigido, sem ser ouvido, que seja fechada toda mesquita salafista e que seja expulso da França todo imã que predique o ódio. “A guerra contra o terrorismo islâmico é total: serão eles ou nós”.

Nas semanas que vem haverá, pois, uma intensificação do debate político, midiático e parlamentar, entre a direita e a esquerda, sobre as deficiências do governo nestas matérias e sobre quais políticas a França deve adotar rapidamente para quebrar a dinâmica das redes islâmicas e como avançar na batalha terrestre na Síria e Iraque contra as posições do chamado Estado Islâmico. Um debate necessário que terá, forçosamente, como horizonte a campanha presidencial de 2018. Hollande ouvirá? A desgastada ideologia socialista cederá ante a razão gaullista-liberal-conservadora?

Tradução: Graça Salgueiro – Escrito por: Eduardo Mackenzie

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