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segunda-feira, 25 de julho de 2016

À espera do tsunami digital


As tecnologias que sacodem a indústria mundo afora apresentam novas opções ao Brasil e seus profissionais. Muitos, porém, ainda não sabem da mudança em curso
Em meados dos anos 1990, a empresa sueca Electrolux escolheu como base para sua expansão no Brasil a fabricante de eletrodomésticos paranaense Prosdócimo, fundada em 1949. A marca brasileira foi extinta em 1997, mas a estrutura se manteve em Curitiba, incluindo um centro de desenvolvimento de produtos. Foi nele que, a partir de 2011, a marca começou a mudar a forma de fabricar eletrodomésticos. No formato anterior, um profissional lidava com os projetos na tela do computador. O arquivo era compartilhado entre diferentes setores, como engenharia e design. Depois, eram criados os protótipos, etapa demorada e custosa. 

A mudança ocorreu com a chegada da tecnologia 3-D e da realidade virtual. A prototipagem digital permite que, numa mesma sala, profissionais de diversas áreas, com óculos 3-D, analisem uma geladeira “virtual”, numa tela de 4 metros de largura por 2 metros de altura e sensação de profundidade. Os profissionais da Electrolux passaram a gastar a metade do tempo de que precisavam. Adaptações que consumiam R$ 100 mil cada, ao longo do projeto, foram riscadas da conta. “Para concluir um refrigerador, criávamos de três a quatro modelos físicos. Hoje, apenas um. É mais barato, rápido e seguro”, diz Julio Bertola, diretor de design da Electrolux para América Latina. A empresa não revela o custo do centro, mas assegura que o investimento se pagou em três anos.



EFICIÊNCIA - O cargueiro militar KC-390, da Embraer. Modelagem digital e software de simulação permitiram a produção acelerada (Foto: Ricardo Correa/ÉPOCA)

O caso é um dos bons e raros exemplos no Brasil de empresas que abraçam a quarta revolução industrial (ou, como preferem alguns, a Indústria 4.0). O termo, criado em 2011 na Alemanha, refere-se a um conjunto de tecnologias, como robótica avançada, internet das coisas, big data e realidade aumentada, que melhoram a produtividade de quem trabalha fabricando qualquer coisa. Apesar de casos como o da Electrolux, o Brasil engatinha nessa área.

No setor privado, a falta de conhecimento preocupa. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de abril deste ano, mostra que 43% dos empresários não sabem nem identificar as novas tecnologias digitais fundamentais para impulsionar a competitividade. A maioria acredita que a digitalização tem um único objetivo: cortar custos“É uma visão ultrapassada”, diz João Emílio Gonçalves, gerente executivo de Política Industrial na CNI. “É preciso prestar atenção a outros ganhos, como inovação, eficiência e redução do prazo de lançamento de produtos.”


 PRECISÃO - Centro de desenvolvimento da Electrolux em Curitiba. Protótipos são criados em realidade virtual (Foto: Alberto dy - A Photo Photography & Design)

Os casos de Estados Unidos e Alemanha mostram que o Poder Público pode auxiliar na difusão de novos jeitos de produzir. Entre outros papéis, o Estado pode instruir profissionais e empresários sobre quais são as tecnologias cruciais à sobrevivência industrial e abrir mais seu mercado ao comércio global, a fim de oxigená-lo com as melhores práticas e técnicas.  A economia brasileira é fechada. Desde os tempos do milagre econômico, na década de 1970, o país optou por um modelo de substituição de importações. No lugar de criar um ambiente aberto a indústrias transnacionais, que favorece o desenvolvimento tecnológico, deu prioridade ao fortalecimento de empresas concentradas no grande mercado interno (ou ao uso de dinheiro público para escolher algumas poucas campeãs nacionais a tentar conquistar o mundo). Diante de companhias globais cada vez mais conectadas, o país ficou para trás. 

Rankings que avaliam o ambiente de negócios e a abertura econômica colocam o Brasil nas últimas posições. O país peca, já se sabe, pelo  baixo investimento em inovação. O Brasil aporta pouco mais de 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, em comparação com 3% na Alemanha e 4% na Coreia do Sul, segundo o Banco Mundial. Como resolver isso? “Temos carga tributária de 37%. Se baixássemos para 25%, a média dos países emergentes, com o incentivo correto às empresas, sobraria muito para investir em inovação”, diz Marcos Troyjo, professor de relações internacionais e políticas públicas da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.




Esse tipo de evolução não está próximo. No primeiro trimestre, a produção dos setores de alta tecnologia na indústria brasileira encolheu 26%, o pior resultado desde 2003, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Foi a faixa mais atingida pela crise. A adoção das novidades tecnológicas a usar na produção não é exclusividade desses setores, mas eles costumam ser os pioneiros, os mais abertos à mudança. A importação de máquinas e equipamentos, como robôs, também vem encolhendo.

O Brasil, entretanto, não é um caso perdido. A fabricante de aeronaves Embraer mostra que é possível ser exportador competitivo e que não há contradição entre fabricar algo novo, sofisticado e de um jeito mais barato que o tradicional. A companhia precisa disso para disputar o mercado global com concorrentes maiores, apoiadas por governos mais ricos que o brasileiro. Tem de fazer apostas certeiras – ao identificar um nicho de mercado e um bom momento para avançar sobre a concorrência, passa velozmente pelas etapas de sondar clientes, atrair parceiros, fazer o projeto e construir o avião, explica Paulo Gastão Silva, coordenador do Programa KC-390, o primeiro cargueiro militar da Embraer. Os projetos avançam sem consumir muito dinheiro porque a Embraer investe em modelagem digital, assim como a Electrolux. 

Antes de existir como modelos físicos, as partes da aeronave são criadas e testadas virtualmente. Quando é construído, o avião já foi exaustivamente testado. O jato comercial E190-E2 voou pela primeira vez no fim de maio e, apenas 45 dias depois, fez seu primeiro voo transoceânico, para estrear numa feira no Reino Unido. Até a manhã de sexta-feira, dia 15, a Embraer recebeu encomendas de nove unidades, de companhias aéreas da Dinamarca e da Indonésia.

A busca por inovação não é tarefa só de empresa grande. A pequena Bratac, com fábricas no Paraná e em São Paulo, é a única fiadora de seda brasileira. Para aumentar a produtividade de um nicho em que atua sozinha, desenvolve, em parceria com o Senai, o protótipo de um dispositivo de sensoriamento óptico capaz de controlar a qualidade da fibra em tempo real. Se conseguir aplicar a tecnologia, será possível antecipar problemas de espessura e de nós nos fios. Assim, ficará mais bem posicionada na briga contra a seda da China, barata e de qualidade inferior.

É mais difícil pensar em inovação em meio a uma crise severa como a atual – a produção industrial recuou 8% no Rio de Janeiro e 6% em São Paulo em maio, na comparação com 2015, segundo o IBGE. Mas há sinais de que a recessão perde fôlego. A perspectiva de crescimento do PIB em 2017 estimada pelo mercado financeiro passou de 0,3% no início de abril para 1% no início de julho. Crises econômicas chegam ao fim. Sabemos também que, após cada revolução industrial, formas de produção anteriores tornam-se obsoletas. O avanço é irreversível. Quando a crise chegar ao fim no Brasil, a indústria terá condições de crescer e competir? “Mesmo diante da crise, não podemos perder o momento de transformação”, diz Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. Cabe ao governo abrir caminho para o avanço dos negócios, e ao setor privado se preparar, já, para a mudança em andamento.

Fonte: Época - Marcos Coronato e Bruno Ferrari

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