‘Brasileiros pensam que
o fato de ser muçulmano significa ser terrorista ou apoiar atos de terrorismo’, diz tradutora carioca
A prisão no dia 21 de julho de dez brasileiros
muçulmanos — suspeitos de estarem planejando um ataque
terrorista no Rio durante a Olimpíada — foi anunciada com muita fanfarra pelos ministros da Justiça,
Alexandre de Moraes, e da Defesa, Raul Jungmann. Mesmo assim, Moraes salientou
que eram meros amadores, e Jungmann disse que foi um plano “porra-louca” dos supostas terroristas. Nos dias seguintes, mais
dois suspeitos foram presos.
Apesar dessa tentativa inicial de
minimizar o risco que representariam, todos foram prontamente
levados para uma prisão federal de segurança máxima no Mato Grosso do Sul. Longe das suas cidades, ficaram sem poder
telefonar para seus familiares ou advogados. Vários defensores que
conseguiram chegar à penitenciaria foram impedidos de ver seus clientes e nem
puderam colher as assinaturas dos suspeitos em procurações para poder
representá-los legalmente. O Ministério da Justiça
alegou que uma portaria recente determina que novos presos em penitenciárias
federais podem ficar até dez dias sem ver seus advogados. Segundo meus
cálculos, os suspeitos muçulmanos
completam hoje 15 dias de prisão e, pelo que sei até o momento em que escrevo
este texto, a penitenciária ainda não tinha
liberado o aceso deles a seus advogados.
Os
defensores dos suspeitos se queixaram ao Ministério da Justiça e, no dia 25 de
julho, Moraes afirmou que os presos
teriam acesso imediato a eles. Mas isso não aconteceu, fazendo o advogado Muslim
Ronaldo Vaz de Oliveira ameaçar entrar com ação contra a portaria do Ministério
da Justiça. “Eles estão incomunicáveis. A
alternativa que nos resta é impetrar um mandado de segurança no STF (Supremo
Tribunal Federal) e apelar à Anistia Internacional contra essa arbitrariedade,”
disse ele ao portal UOL.
A Ordem
dos Advogados do Brasil emitiu nota repudiando a incomunicabilidade dos
suspeitos. “É urgente e necessário
combater o terrorismo de forma dura, com todos os meios disponíveis e dentro da
lei. Mas o caminho de combater o crime cometendo outros
crimes e violando prerrogativas da advocacia leva o país ao retrocesso.
A OAB adotará todas as ações necessárias para assegurar o exercício
profissional dos advogados e a imediata revisão da portaria do Ministério da
Justiça.” Tomara.
A
portaria do ministério diz que presos em penitenciárias federais só podem se
comunicar com o mundo exterior por meio de cartas mandadas pelos Correios. Isso soa tão arcaico, e realmente é uma restrição de direitos
constitucionais. Nestes
tempos de telefones celulares e internet, com certeza, as autoridades
penitenciárias têm meios de deixar prisioneiros se comunicarem com familiares e
advogados por telefone e, ao mesmo tempo, monitorar o conteúdo dessas conversas
se for necessário. “Direitos humanos foram infringidos. Sem
advogados e longe das suas famílias, parece até que voltamos à ditadura.
Isso é
muito grave,” disse-me numa entrevista Ana
Escaleira, uma tradutora carioca, muçulmana há 15 anos. “Brasileiros pensam que o fato de ser
muçulmano significa ser terrorista ou apoiar atos de terrorismo, e sentem medo
de muçulmanos quando se deparam com eles. Nas redes sociais, observo
comentários pedindo a morte e a expulsão de muçulmanos do país. Creio que seja
o efeito Trump. O Brasil é um país com violência crônica, com mais de 60 mil
assassinatos anualmente. A preocupação do governo deveria ser com o que já
acontece no país.”
A Lei Antiterrorismo, nº 13.260, somente foi sancionada no dia
16 de março pela presidente Dilma Rousseff, com vários itens vetados, depois de forte
pressão dos EUA para que o Brasil a aprovasse. [convenhamos:
só os Estados Unidos possuem a força necessária para obrigar uma presidente terrorista a assinar uma
legislação antiterror; DETALHE: mesmo assim, Dilma, a Afastada,
conseguiu considerar os crimes cometidos pelos movimentos sociais – esses
bandos de vagabundos que o PT tanto ama – como crimes comuns e não atos de
terrorismo. Quando sabemos que o MST e a Via Campesina, entre outros, atual
disseminando o terror.] Ela é meio vaga, não especificando o que quer dizer com “preparativos para cometer atos de terror.”
E ainda, na minha leitura, não enquadra a apologia a
atos terroristas ou a grupos de terror como um crime. “A Lei 13.260, a despeito dos vetos
presidenciais que acompanharam sua promulgação, é bastante ampla com relação à
tipificação dos crimes de terrorismo. Seu artigo 5, que trata dos atos
preparatórios de terrorismo com o proposito inequívoco de consumar tal delito,
não esclarece o que seriam atos preparatórios. Ou seja, não me parece difícil
para as autoridades federais enquadrar os suspeitos, embora com risco de
discricionariedade,” disse-me Guilherme Casarões, professor de Relações
Internacionais na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
Para
Reginaldo Nasser, chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC em
São Paulo, o Brasil não precisa da Lei
Antiterrorismo. “Creio que devemos
lutar contra essa lei esdrúxula. Temos leis suficientes para punir eventuais
crimes dessa ordem. No caso específico, creio que é mais para inglês ver. O
próprio juiz federal Marcos Josegrei da Silva já declarou que os suspeitos
podem ser libertados com tornozeleiras. De acordo com as informações
disponíveis, não se constatou qualquer tipo de ligação entre eles e
organizações terroristas. Até o momento, é uma acusação bem genérica de
apoiadores do grupo Estado Islâmico,” disse-me ele em entrevista.
Dito tudo
isso, devo frisar que não sei se os 12
suspeitos são inocentes ou não. Mas todos eles são
brasileiros e têm o direito constitucional de se defender recorrendo a um
advogado e de saber rapidamente que acusações do Estado pesam contra eles.
O silêncio da sociedade brasileira diante dos direitos civis violados pelos
poderes Executivo e Judiciário é assustador. Sim, a ameaça de ataques inspirados pelo Estado Islâmico é real, mas também
não devemos nos deixar enfurecer pela
islamofobia e permitir que pisoteiem a Constituição brasileira.
Por:
Rasheed Abou-Alsamh, jornalista
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