Afastada discursa para cineasta, conta mentiras sobre o passado, o presente e o futuro e prova: ela quer os brasileiros trocando porrada nas ruas
Em discurso que repete nove vezes a palavra golpe, presidente não admite um só erro,
atribui todos os seus desastres a seus adversários e demonstra por que não pode
governar o país. E ainda: o estoque de cadáveres do passado “democrático” de Dilma
Conforme o esperado, e lamento que seja assim, Dilma fez o pior discurso da sua vida. Contou mentiras sobre o
passado, o presente e o futuro. Se conseguiu falar com a firmeza convicta que tão bem a
caracteriza, ainda que nem sempre se entenda o que diz, o conteúdo, também
desta vez, destoa dos fatos. Para sua má
sorte, sua sintaxe foi clara.
E, ao ser clara, entendemos por que caiu, nos
espantamos que tenha chegado lá e nos damos conta do risco que corríamos. Havia
certa dúvida se empregaria a palavra “golpe”.
Não o fez apenas uma vez, mas nove.
Dilma, em suma, repete Gleisi Hoffmann e, no fundo, não reconhece moral no Senado para julgá-la. Seu discurso não foi
feito para os senadores. Ela falava para a cineasta Petra Costa, que está
fazendo um documentário.
Vou mudar a ordem
cronológica escolhida por ela. Começo a falar sobre o futuro, evidenciando o risco que esta senhora, de fato,
representava ainda que não tivesse cometido crime nenhum — e destaco sempre que
devemos lhe ser gratos por ser tão
irresponsável com as contas públicas e incompetente no trato da gestão. Dilma
atribui ao governo Temer a intenção de cortar programas sociais,
de cassar benefícios das mulheres e dos negros, de cortar recursos para a saúde
e as crianças, de vitimar os mais velhos, ceifando-lhes a aposentadoria, de
querer punir o Nordeste, de não ter compromisso com o salário mínimo, de
conspirar contra o pré-sal. No auge da mistificação,
chega mesmo a atribuir a seus adversários um conluio contra a estabilidade
fiscal — justo ela, que destruiu as
contas públicas.
Ainda que não tenha feito menção ao Partido dos Trabalhadores em
seu discurso, eis o PT de sempre: arrogante, monopolista do
bem, dono da verdade, incapaz de ouvir uma crítica, autossuficiente nas suas
escolhas desastradas, discriminador, surdo para o contraditório. O mais curioso é que, ao
apontar as intenções malévolas dos seus adversários, sabe que tocou em
problemas cruciais para o futuro do Brasil, que deverão ter uma resposta.
Repete rigorosamente o procedimento adotado na campanha eleitoral de 2014, o que a levou a cometer o maior estelionato
eleitoral da história do Brasil.
A mesma Dilma que fez esse discurso diz reconhecer os seus erros.
Mas quais? Não se ouviu um só. Tudo o que deu errado no seu governo, entende-se, derivou da
conspiração dos seus adversários. Pensemos o óbvio: caso Dilma retornasse o
poder — na hipótese de obter os votos
necessários ou de aqueles favoráveis à sua saída não conquistarem 54 senadores
—, pergunta-se: ela iria governar com quem? Quais forças políticas lhe dariam
sustentação? Ela julga ter uma resposta: a convocação de novas
eleições. É impressionante que uma
presidente que está sendo julgada aponte como
resposta para o país uma saída que ela sabe ser inconstitucional.
O presente
Ao fantasiar sobre a
disposição do governo Temer de cassar benefícios sociais como ação deliberada e
malévola de quem vê o povo como adversário, Dilma busca conferir uma roupagem de economia
política à tese mentirosa do golpe. Assim, a sua deposição seria uma expressão da tal “luta de classes”, a tese vigarista que
lhe assopraram aos ouvidos alguns marxistas mixurucas, que conhecem da obra de
Marx o que sabem de búlgaro antigo — a exemplo da própria Dilma, diga-se.
Isso lhe impõe, então, que
conte mentiras assombrosas sobre o presente — refiro-me ao presente histórico. Sob qualquer argumento que se queira, Dilma cometeu crime de
responsabilidade. Incidiu
no Artigo 85 da Constituição, especialmente em seu Inciso VI, atentando explicitamente contra a Lei Orçamentária, crime definido
pela Lei 1.079, uma senhora de 66 anos, que prevê impeachment àqueles presidentes que não a respeitarem.
Mas tudo se explica. É preciso apelar à mais
qualificada das testemunhas de defesa, que falou, a pedido do próprio advogado
de Dilma, como informante: o professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Ele deixou claro aquela que é uma convicção do governo que está
caindo: eles não concordam com o
Artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, justamente aquele que estabelece
ser “proibida a operação de crédito entre uma
instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na
qualidade de beneficiário do empréstimo”. Para o doutor
e para o PT, se o dinheiro é de um
banco público e se é usado pelo governo, então não é crédito, mas mera operação
fiscal.
Foi assim que esse pensamento quebrou o Brasil várias vezes ao longo da
história. Mais recentemente, no governo Dilma.
Sim, a presidente cometeu
crime de responsabilidade.
O passado
Todo homem público que
provoca grandes desastres; que investe em crises sistêmicas; que faz a
infelicidade de milhões — a pessoa, em suma, com
esse perfil — exibe uma mitologia
pessoal do sacrifício e da renúncia. Dos grandes
facínoras da humanidade aos nossos patetas do presente e do passado, todos têm uma história
triste ou heroica para contar.
A de Dilma é conhecida.
Mas ganha especial sentido neste momento. É claro que a presidente afastada não deveria, por bom senso e por bom gosto, ter evocado o seu câncer no discurso de
despedida. Doenças
não existem para lisonjear ou para punir; doenças não são o contraponto de
malfeitos ou sua justificativa moral. Menos ainda é decente que se apele a esse sofrimento como elemento
constitutivo do caráter, como ingrediente de sua têmpera. Pessoas boas e detestáveis já foram acometidas de câncer. Alguns
saíram do tratamento com um temperamento melhor; outros experimentaram o
contrário. E há
ainda aqueles para os quais a ocorrência foi irrelevante. O câncer não é guia
moral de ninguém. A desordem nas contas públicas brasileiras, deixada por Dilma,
não poderá se beneficiar das lições que ela eventualmente recebeu nesse tempo.
Ao contrário até: se a pessoa pública se
aproveita da doença, como Dilma fez durante a eleição e faz agora, então é lícito que se
veja, no seu caso, a moléstia como um deformador do caráter. Finalmente, é preciso
voltar, e eu lamento, aos anos 70. Dilma
se refere de novo ao período em que foi torturada. De maneira ofensiva
compara os senadores de agora àqueles que a julgaram; toma o triunfo da lei e
do Estado de Direito, que estão prestes a lhe cassar o mandato, como se fossem
leis de exceção. E mente sem cerimônia
sobre o próprio passado.
Isso a leva a comparar-se
a figuras como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, todos vítimas, na visão
da presidente, de conspirações golpistas — o amor pela precisão me obriga a lembrar que o marechal Lott deu um golpe para garantir o
poder a Juscelino, não o contrário. Mas Dilma certamente não é do tipo que repudia “golpes do bem”. Getúlio e Jango são maus exemplos de heróis democráticos. O primeiro
foi o maior assassino da história republicana no Brasil, e o segundo investiu de forma deliberada na bagunça, arquitetando
ele próprio um golpe, frustrado porque seus inimigos foram mais rápidos ao
golpeá-lo.
certamente não concordam
com o apreço que ela teria, então, pelo regime democrático.
Encerro
Foi Dilma quem resolveu apelar à história. Então é preciso dizer tudo. Afinal, os cadáveres sumiram no tempo. Os amigos de esquerda da Afastada, aboletados na academia, deram um jeito de escondê-los.
Foi Dilma quem resolveu apelar à história. Então é preciso dizer tudo. Afinal, os cadáveres sumiram no tempo. Os amigos de esquerda da Afastada, aboletados na academia, deram um jeito de escondê-los.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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