Até que ponto o Ministério Público cumpre com eficiência as atribuições de zelar pela ordem jurídica, preservar a democracia e proteger os interesses sociais e individuais indisponíveis?
Apesar de ter ampliado suas prerrogativas da área criminal para quase todas as demais áreas da vida social e econômica do País, até que ponto o Ministério Público (MP) cumpre com eficiência as atribuições de zelar pela ordem jurídica, preservar a democracia e proteger os interesses sociais e individuais indisponíveis? Ele atua como guardião de direitos ou se limita a exercer papéis acusatórios tradicionais? A população está suficientemente informada do que se pode esperar e cobrar dos promotores e procuradores? Eles estão à altura do prestígio de que desfrutam e dos altos salários que recebem?
Para responder a essas perguntas, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes realizou uma pesquisa, em parceria com o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Coordenado por Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro, e Ludmila Ribeiro, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais, o estudo revelou que, por privilegiar algumas áreas em detrimento de outras, a atuação do MP peca por falta de foco e de limites. Apesar de sua autonomia funcional, o MP seria uma instituição “frágil”, com uma atuação aquém da que se poderia esperar. “As conclusões da pesquisa não são alvissareiras para o MP”, conclui o estudo.
A transformação institucional do MP começou em 1985, com a regulamentação da Lei da Ação Civil Pública e a criação do inquérito civil, um procedimento administrativo que possibilita a investigação e a coleta de provas e documentos que permitem aos promotores propor ações judiciais fora da área penal. Ela prosseguiu com a criação do chamado Termo de Ajustamento de Conduta, outro dispositivo extrajudicial que permite ao MP fechar acordos sem passar pelos tribunais. E chegou ao ápice em 1988, quando, pressionada por entidades de promotores e procuradores, a Assembleia Constituinte concedeu autonomia administrativa e funcional ao MP. A força institucional do órgão ficou evidenciada em 2013, quando, por pressão das ruas, a Câmara dos Deputados derrubou uma Proposta de Emenda Constitucional que limitava os poderes investigativos do MP.
Desde então, aponta a pesquisa, o MP ficou exposto a pressões partidárias e deixou-se envolver pelo ativismo político de alguns seus membros. Às vésperas das eleições presidenciais de 2002, por exemplo, alguns procuradores da República usaram suas prerrogativas para desgastar o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e fortalecer a campanha de Lula, candidato da oposição. Em alguns Estados, eles têm tentado – sem ter recebido um único voto – definir prioridades em matéria de orçamento e políticas públicas, intervindo em atos que são de competência de deputados e governadores. Também intervêm em áreas como patrimônio cultural, previdência, política fundiária, lazer e até trânsito. Por enfatizar áreas midiáticas, tendem a deixar de lado o controle das polícias, “o que explica por que temos uma das polícias mais violentas do mundo”, afirmam os pesquisadores.
Os promotores e procuradores que aceitaram responder os questionários atribuíram o mau desempenho do MP a fatores externos ao órgão, como dificuldade de realizar perícias, morosidade da Justiça e deficiências no inquérito policial. Os argumentos são procedentes, mas isso não exime a responsabilidade de uma corporação que, além de carecer de preparo sociológico para entender a sociedade e suas mazelas, se vê acima da classe política e dos dirigentes públicos. “A atuação do MP caracteriza-se por uma postura voluntarista e tutelar, ancorada na velha noção de que a sociedade civil é fraca, desorganizada e incapaz de defender seus direitos e de que as instituições políticas são degeneradas, tornando-se imprescindível a atuação afirmativa de um poder externo autônomo e independente, livre de controles”, dizem os pesquisadores do Cesec. E é por isso que a atuação do MP está longe de convertê-lo numa espécie de “guardião da democracia brasileira”, concluem eles.
Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo
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