Revista Oeste
A pior legislatura da história brasileira submete o Congresso Nacional à ditadura do Judiciário e vira as costas para o povo nas ruas
Alexandre de Moraes e Rodrigo Pacheco durante cerimônia no Senado Federal, no dia 18/10/2022 | Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Nos últimos anos, as Casas comandadas pelo deputado Arthur Lira (AL) e Rodrigo Pacheco (MG) se ajoelharam para os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os parlamentares permitiram que a Constituição Federal, redigida em 1988 em suas dependências, fosse pisoteada. O Congresso Nacional, hoje, sequer cumpre seu principal papel: legislar sobre matérias de competência da União. O STF não deixa.
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“Se a Constituição diz uma coisa e o Supremo decide de forma diferente da Constituição, não é uma interpretação. Porque, no artigo constitucional, onde está escrito ‘quaisquer’ manifestações, o Supremo diz: ‘quaisquer manifestações menos aquelas com que nós não concordamos’. Tenho 86 anos, 63 anos de advocacia. Tenho a impressão de que cada vez mais tenho de aprender o Direito. Porque o que está escrito na lei não é exatamente o que é aplicado”(Ives Gandra Martins)
Daniel Silveira passou cinco meses na cadeia mesmo sem ter o mandato cassado pela Câmara. Depois de solto, continuou sendo perseguido por Moraes, que mandou a polícia entrar no Congresso para obrigá-lo a colocar uma tornozeleira eletrônica. Neste ano, Moraes ainda tentou impedi-lo de concorrer ao Senado nas eleições – Silveira obteve 1,5 milhão de votos e perdeu nas urnas para Romário. Em todos esses casos, a Câmara não fez nada para impedir que o Poder Judiciário avançasse contra o Legislativo.
A submissão do Congresso também ficou evidente com a abertura de CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), como a da Covid, que só funcionou porque a Corte mandou; com a aprovação de emendas e projetos de lei; e até na forma como os parlamentares devem executar as emendas do relator do Orçamento – chamadas de Orçamento secreto na época de Jair Bolsonaro para desgastar o presidente. São assuntos que deveriam ser respeitados como interna corporis.
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A ausência de justificativa plausível para tamanha submissão alimenta a tese de que os parlamentares têm medo do STF. Sem rodeios, algo popularmente chamado de “telhado de vidro”. De fato, mais de cem deputados e um terço dos senadores estão enrolados com a Justiça.
O exemplo mais simbólico de “puxa-saquismo” misturado com democracia do avesso é o senador Renan Calheiros. Com mais quatro anos de mandato e a família inteira de políticos profissionais – três irmãos e o filho –, o alagoano é o mais longevo senador em atividade com quatro mandatos no Senado. Nesse período acumulou nove inquéritos no Supremo, entre outras investigações – nenhuma delas avançou.
Em 2007, quando presidia a Casa, enfrentou cinco processos de cassação resultantes de cinco capas sucessivas da revista Veja naquele ano. A principal denúncia era que a empreiteira Mendes Júnior pagava a pensão de seu filho com a jornalista Monica Veloso. Para justificar que tinha dinheiro, disse ser dono de um rebanho que não existia, o que lhe custou a cadeira de presidente da Casa para salvar o restante do mandato.
Depois da atuação no papel de xerife da CPI da Covid, Renan voltou às manchetes do consórcio da imprensa na semana passada. Ele apresentou uma emenda à Constituição para ampliar os poderes dos ministros do Supremo. Em resumo, quer prender quem cometer excessos durante manifestações contra o STF ou Lula. Também quer proibir militares da ativa ou da reserva de chefiar o Ministério da Defesa.
Na semana passada, o ministro Edson Fachin arquivou mais uma investigação contra Renan por suspeita de receber propina da Odebrecht.
📺 Ministro Nunes Marques, do @STF_oficial, arquiva notícia-crime contra os senadores Rodrigo Pacheco (PSD-MG), David Alcolumbre (União-AP) e Marcos do Val (Pode-ES). Eles foram acusados de usar emendas do chamado “orçamento secreto” para comprar votos.
📡 #TVJustica pic.twitter.com/yURoa06LQL— TV Justiça (@TVJustica) August 4, 2022
Deputados amordaçados
Outra triste novidade da ditadura da toga no Brasil é a imposição de mordaça aos parlamentares em pleno exercício do mandato – algo que talvez não aconteceria se a Câmara não tivesse entregado a cabeça de Daniel Silveira no passado. Há uma semana, dez deputados estavam proibidos de se comunicar com seus eleitores e dizerem o que pensam nas redes sociais. Todos são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
No Senado, Rodrigo Pacheco é o retrato da frouxidão. É tratado nos bastidores como despachante dos togado
Nesta quinta-feira 8, Major Vitor Hugo (PL-GO), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) tiveram suas páginas reativadas. Os quatro haviam sido censurados depois de compartilharem um vídeo do consultor político Fernando Cerimedo, que divulgava informações sobre o processo eleitoral brasileiro. Moraes manteve a exclusão das publicações dos políticos sobre as urnas e fixou uma multa de R$ 20 mil caso os deputados voltem a divulgar o vídeo.
Em alguns casos, a censura fora imposta por Alexandre de Moraes depois do segundo turno das eleições, o que extrapola a decisão dos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na estapafúrdia sessão do dia 20 de outubro. Na ocasião, a Corte se auto-concedeu poderes imperiais de decidir o que pode ou não ser publicado nas redes sociais do Brasil. A medida chamou a atenção até da imprensa “progressista” pelo mundo, como publicou o New York Times.
“Estou muito preocupado com a situação no meu país, onde neste momento vivemos sob uma ditadura do Poder Judiciário. Dez parlamentares estão com suas redes sociais censuradas. A ordem constitucional está sendo atacada”. Falei hoje em Montevidéu, Uruguai, como membro do Parlasul. https://t.co/pPjKNQDBuJ
— Marcel van Hattem (@marcelvanhattem) December 6, 2022
A lista de deputados calados pela caneta de Alexandre de Moraes aumenta a cada semana. O último caso de censura foi o de Bia Kicis, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, reeleita com 214 mil votos. Na terça-feira, 6, ela pediu ao Supremo para ter acesso ao processo, que corre em sigilo. “Se não fizeram nada, fechem logo de uma vez o Congresso Nacional”, disse Bia Kicis, em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro. “Moraes está impedindo um parlamentar de exercer plenamente o seu mandato.”
Bia Kicis integra um pequeno grupo de parlamentares – menos de um terço do Congresso – que não recuou das críticas aos ministros do Supremo. É também o caso do gaúcho Marcel Van Hattem. Ele recolheu assinaturas suficientes para instalar uma CPI sobre abuso de autoridade. A comissão, contudo, não deve começar a funcionar neste ano porque Arthur Lira está empenhado na campanha para a reeleição ao comando da Casa no dia 1º de fevereiro.
No Senado, Eduardo Girão (CE) conseguiu realizar uma audiência pública para tratar de todos os assuntos proibidos pelo TSE, inclusive questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral. A reunião teve recorde de audiência da TV Senado, com dois milhões de visualizações no YouTube no encerramento. Minutos antes, os parlamentares pediram que as notas taquigráficas fossem protegidas porque Alexandre de Moraes poderia censurar o vídeo.
AVANÇO DA T1RAN1A DA TOGA GERA INSEGURANÇA JURÍDICA P BRASIL.Repercussão da sessão do Senado s/pleito de 2022 ainda tá dando o q falar;desabafo do empreendedor Bruno Madero,impactou a todos.Senadores avaliam ação após mais de 11 horas de revelações em audiência recorde. Paz & Bem pic.twitter.com/j8scZfECNl
— Eduardo Girão (@EduGiraoOficial) December 6, 2022
O mandato dos 513 deputados e 27 senadores termina em 20 dias. A renovação das bancadas na Câmara será pequena – 40%, a menor em duas décadas. Os números não são alentadores. Mas, num momento histórico em que o Congresso entregou o país à ditadura do Judiciário, o que resta é torcer pela retomada do seu papel constitucional.
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Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste