A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta
quarta-feira para proibir que integrantes de forças de segurança entrem
em greve. O julgamento analisou uma ação do governo de Goiás contra
policiais civis do estado, mas tem repercussão geral, ou seja, o mesmo
entendimento deve ser aplicado por outros tribunais e juízes em casos
semelhantes.
Além de policiais civis, a maioria do STF entende que não podem parar
suas atividades os policiais federais, policiais rodoviários federais,
policiais ferroviários federais, bombeiros e policiais militares, entre
outros agentes de segurança. Os PMs já eram proibidos de entrar em
greve.
A Constituição veda a sindicalização e a greve aos militares. Na
avaliação da maioria dos ministros do STF, a mesma proibição deve ser
aplicada aos policiais, mesmo que eles sejam civis. Prevaleceu o voto do
ministro Alexandre de Moraes, para quem não pode ocorrer paralisação de
policiais civis e outros servidores que atuem diretamente na segurança
pública. O relator, Edson Fachin, foi a favor de restringir o direito de
greve, mas não para eliminá-lo totalmente. — Dou provimento ao recurso (do estado de Goiás) para
aplicar a impossibilidade de que servidores das carreiras policiais,
todas, exerçam o direito de greve — disse Moraes.
Foi fixada uma tese, ou seja, o entendimento que deverá ser seguido por todo o Judiciário brasileiro.
— Item um: o exercício do direito de greve sobre qualquer
forma ou modalidade é vedado aos policiais civis e a todos os servidores
públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. Item dois:
é obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada
pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública nos termos do
artigo 165 do CPC (Código de Processo Civil) para vocalização dos
interesses da categoria — diz a tese lida em plenário por Moraes.
O ministro comparou um Estado em que a polícia está em greve a um Estado anárquico. — Não é possível que braço armado do Estado queira fazer
greve. Ninguém obriga alguém a entrar no serviço público. Ninguém obriga
a ficar — afirmou Moraes, acrescentando: — É o braço armado do Estado. E
o Estado não faz greve. O Estado em greve é um Estado anárquico. A
Constituição não permite.
Acompanharam Moraes os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz
Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e a presidente do
tribunal, Cármen Lúcia. — Há um outro dado que acho muito importante: quem paga a
greve do serviço público é o contribuinte. Isso para mim é algo que
define todas essas questões. Quando a criança de colégio público não tem
aula, quem está pagando é a criança. Greve no hospital público é o
contribuinte que está morrendo na maca fria ao desabrigo, de sorte que
sou absolutamente contrário a essa flexibilização que o legislador
propôs. Estou concluindo que o exercício de direito greve de policial
civil é inconstitucional — disse Fux.
ESPÍRITO SANTO COMO MAU EXEMPLO
Barroso
e Lewandowski ainda propuseram alguns ajustes. Lewandowski, por
exemplo, opinou pela irredutibilidade dos vencimentos e a garantia de
reajuste. Ele também destacou que, apesar da restrição à greve, os
policiais têm direitos que não são garantidos a outros profissionais,
como aposentadoria especial e, em vários casos, adicional de
periculosidade. — É vedada a greve de policiais civis, sendo-lhes
assegurado, em contrapartida, com a devida exação, o direito à
irredutibilidade dos vencimentos e o seu reajuste anual — disse
Lewandowski, admitindo, porém, que seu entendimento não seria seguido.
Barroso votou para que seja possível uma mediação no
Judiciário de modo a tentar atender as reivindicações dos policiais, mas
sem possibilidade de greve. A sugestão foi aprovada. Ele chegou a citar
o filósofo político inglês Thomas Hobbes, autor do clássico "Leviatã".
Na obra, que trata do Estado, Hobbes destaca que, no estado de natureza,
o homem é o lobo do homem, ou seja, não há garantias contra a
exploração de um pelo outro. — Não há como prevalecer com um caráter absoluto esse
direito de greve para os policiais. Nós testemunhamos os fatos ocorridos
no Espírito Santo, em que, em última análise, para forçar uma
negociação com o governador, se produziu um quadro hobbesiano, estado da
natureza, com homicídios, saques. O homem lobo do homem. Vida breve,
curta e violenta para quem estava passando pelo caminho. Eu preciso
dizer que não dá para interpretar essa situação, sem ter em linha de
conta, os episódios recentes — disse Barroso, citando a paralisação de
PMs capixabas.
Gilmar Mendes atacou ainda decisões judiciais que proíbem o
corte de ponto de grevistas, mesmo havendo decisão do STF autorizando a
medida. Segundo ele, greve que não afeta os rendimentos se transforma em
férias. — Tem juiz que tem coragem de dar liminar para que o sujeito
receba. É mais uma jabuticaba que inventamos — avaliou Gilmar,
acrescentando: — Greve de sujeitos armados não é greve.
FACHIN FOI VENCIDO
O relator
Edson Fachin foi voto vencido. Ele entendeu que proibir a greve seria
inviabilizar o gozo de um direito fundamental. Ainda assim, ele foi
favorável a impor algumas restrições aos policiais civis, sem fazer
menção a outras corporações. A paralisação das atividades dependeria de
autorização prévia da Justiça. Além disso, deveriam seguir as regras
fixadas pelo próprio STF para greves no setor público, que permitem, por
exemplo, corte de ponto. Por fim, propôs ainda a proibição do porte de
armas e o uso de títulos, uniformes, distintivos, insígnias ou emblemas
da corporação durante a paralisação. — A greve deve ser submetida à apreciação prévia do Poder
Judiciário. Compete ao Poder Judiciário, ainda, definir quais atividades
desempenhadas pelos policiais não poderão sofrer paralisação, assim
como qual deve ser o percentual mínimo de servidores que deverão ser
mantidos nas suas funções — votou Fachin.
Apenas os ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello o acompanharam. Não participou do julgamento o ministro Celso de Mello. A ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace
Mendonça, e o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges
de Andrada, também foram contra o exercício do direito de greve pelos
policiais. — A paralisação de policiais civis atinge a essência a
própria razão de ser do Estado, que é assegurar efetivamente à população
a segurança. E mais, segurança essa que a Constituição Federal preserva
e insere como valor mais elevado — disse Grace. — Não é cabível, compatível algum tipo de paralisação nessa
atividade, como também não é admissível paralisação nos serviços do
Judiciário, do Ministério Público. Algumas atividades do Estado não
podem parar de forma alguma. E a atividade policial é uma delas —
afirmou Bonifácio em seguida.
A defesa do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás
(Sinpol) alegou que não seria possível estender aos civis norma que diz
respeito aos militares. Destacou também que, no estado, a categoria
ficou cinco anos sem nenhum reajuste. Há atualmente no Brasil outras
cinco ações relacionadas ao direito de greve de policiais que estão
paralisadas, esperando uma definição do STF.
Fonte: O Globo
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