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terça-feira, 15 de agosto de 2017

A vida longe da crise

Enquanto calcula quanto vai tomar dos brasileiros para cobrir o rombo nas contas públicas, governo contrata bufê para avião e Judiciário gasta com jardim

Crise no Brasil? Se existe, está restrita aos hospitais públicos deficientes, lotados até nos corredores. Talvez atinja quem depende de programas de renda mínima e de habitação para famílias pobres (com renda mensal de até dois salários mínimos). Ou prejudique crianças do interior do Maranhão, que estudam embaixo de árvores porque a escola fundamental está sem teto. Ou ainda, afete a rotina da cidade do Rio, onde a insegurança é pública, e o ano letivo de 2017 nem começou na universidade estadual. 

Vista de Brasília, essa é uma paisagem de outro mundo, anos-luz de distância. Não tem nada a ver com a vida real que gravita em torno dos orçamentos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e do caixa de 159 empresas estatais federais ativas. Dentro dos 5,8 mil quilômetros quadrados do Distrito Federal, vivem 2,9 milhões de pessoas, quase todas dependentes do Erário. A cidade é um oásis, com boa infraestrutura urbana e renda muito acima do padrão nacional, superada apenas por São Paulo. De cada R$ 100 recolhidos em Imposto de Renda no país, R$ 26 são pagos pelos empregados do setor público que residem em Brasília. 

Oito em cada dez brasileiros não ganham em um ano o valor embolsado em apenas um mês pela elite dos procuradores e juízes (entre vencimentos e ajutórios, como auxílio-moradia, recebem uma centena de salários mínimos). A remuneração da grande massa de contribuintes, estacionada na faixa de dois a três salários mínimos mensais, não alcança sequer dois terços da verba de gabinete dos deputados federais (R$ 43 mil ao ano).

Mesmo assim, os brasileiros serão obrigados a desembolsar R$ 360 bilhões para cobrir o rombo nas contas públicas deste e do próximo ano. Significa pagamento extra de um salário mínimo e meio em tributos para cada habitante. E vai servir apenas para manter funcionando serviços públicos extremamente precários. Mudança é palavra impronunciável em Brasília. Ontem, por exemplo, no Palácio do Planalto discutia-se o anúncio do aumento do buraco nas contas públicas. Perto dali, o Ministério da Ciência e Tecnologia confirmava a abertura de licitação para o bufê “diferenciado” nas "aeronaves da Força Aérea Brasileira utilizadas pelo ministro”. 

Percebia-se a Justiça Eleitoral preocupada com seu jardim, mantido ao custo de R$ 272,5 mil. O Superior Tribunal de Justiça gastava R$ 7,4 milhões com a contratação de 108 garçons, copeiros, cozinheiros, e respectivos chefes, embora tenha 92 deles no quadro de funcionários. Na garagem do palácio do STJ, que tem 32 elevadores, debatia-se a pintura do piso, ao custo de R$ 600 mil, para demarcação das vagas dos 33 juízes servidos por 120 motoristas, mais 1,8 mil chefes.

A vasta legislação em vigor sugere que o Brasil é um país rígido no trato com o dinheiro público. É impossível, porém, encontrar os responsáveis pelos sucessivos rombos nas contas públicas. Nos registros judiciais eles simplesmente não existem, como mostra o mais recente estudo dos consultores do Senado Débora Ferreira, Fernando Meneguin e Maurício Bugarin.


Fonte: José Casado - O Globo

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