A verdade é que a investigação, hoje, no país, e isto deveria preocupar a consciência democrática, se limita a delações e escutas telefônicas
Entre tantas outras, o país vive sob
duas imposturas principais, e ambas trazem a chancela deste
impressionante Rodrigo Janot, que passo a chamar, enquanto ele estiver
por aí, de “Kim Janot-Un”, dada a sua incrível irresponsabilidade.
Refiro-me, claro, ao sei lá como chamar, “novo capítulo” do romance de
Joesley Batista — pelo visto, ele pode ir atualizando sem prazo a sua
obra aberta — e à delação de Lúcio Funaro, que venceu a licitação que
disputou com Eduardo Cunha. Kim Janot-Un havia deixado muito claro: o
preço dos benefícios era acusar o presidente Michel Temer. E, claro, ele
acusou.
Notem: não há moralidade possível que
justifique o procedimento. Funaro não é neófito nem nas artes de
celebrar acordo. Ele já havia fechado um durante o mensalão. O que se
está a dizer aqui é que estamos diante de uma personalidade que não se
deixou intimidar por aquele que era, então, um dos mais ruidosos
processos do país a alvejar a classe política e seus “operadores” nas
franjas do mercado sujo. Nada disso! Funaro só cresceu na hierarquia
criminosa.
Ora, a Lava Jato não apareceu ontem,
certo? Se este senhor tinha o que dizer — e tudo indica ser isso
verdade, dado o meio em que transita —, que o dissesse, então, quando
caiu na rede. Mas não. Ele preferiu se calar. Em um dos processos,
diga-se, ele aparece como aquele que faz ameaças a parceiros de crimes,
não como o que está disposto a fazer acordo. Teve múltiplas chances de
escolher o caminho da delação, mas preferiu caminhar para um julgamento
sem nenhuma proteção especial. Em um dos processos, por duas imputações,
pegou mais de 15 anos de cadeia.
E é essa figura, um profissional do
crime de outros carnavais, que é pinçado por Kim Janot-Un para a segunda
etapa de sanha vingativa contra o presidente da República? “Ora, ora,
Reinaldo? Mas não se devem negociar acordos justamente com bandidos? Não
são os bandidos que têm algo a dizer?” Pois é… Segundo o juiz Sérgio
Moro, em despacho oficial, esse negócio de dar trela a bandido não é
certo… É bem verdade que ele falava para proteger um amigo…
É claro que estou fazendo uma ironia,
que abandono já. É claro que, em regra, fazem delação os criminosos e os
que cometem irregularidades — ou, ao menos, os que silenciaram diante
delas. O ponto não é esse. A questão é saber se essa colaboração pode e
deve mesmo ser aceita a qualquer momento e sob quaisquer condições. A
impunidade, por exemplo, parece-me coisa inaceitável.
Há outros aspectos que precisam ser
pensados. Exceção feita às delações, será que existe investigação digna
desse nome? Sérgio Machado acusou Romero Jucá, Renan Calheiros e José
Sarney de obstrução da investigação. A PF não encontrou uma vírgula a
respeito. Delcídio do Amaral disse que Lula lhe dera instrução para
comprar o silêncio de Nestor Cerveró. O Ministério Público Federal pede
simplesmente o fim da investigação. O mesmo Delcídio acusou Dilma de ter
nomeado ministros do STJ para soltar empreiteiro. A PF chegou à
conclusão de que isso não aconteceu. E que fim vocês acham que terá a
acusação ridícula de que Aécio Neves tentou obstruir a investigação
quando debateu com seus pares um texto que muda a lei que pune abuso de
autoridade? Ora, essa é sua função.
Faço a pergunta, mas, de fato, o
espírito do meu texto é afirmativo. A verdade é que a investigação,
hoje, no país, e isto deveria preocupar a consciência democrática, se
limita a delações e escutas telefônicas. Nada mais. E é preciso que se
digam as coisas com todas as letras. E só pode fazê-lo os que não têm
medo. O direito penal brasileiro corre o risco
de se tornar refém de arapongas e alcaguetes! Eis o mundo de Kim
Janot-Un. Ele transformou o direito brasileiro na sua Coreia do Norte
particular.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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