Enquanto Bolsonaro se atrapalha com filhos, armas, índios, é o Senado que vai pegar a reforma da Previdência para dar rumos à bagunça
Quanto mais se aproxima o recesso parlamentar e mais a reforma da
Previdência avança na Câmara, mais os holofotes atravessam o Salão Verde
do Congresso para se concentrar no Senado, que costuma ter políticos
mais experientes e fazer menos barulho, mas já impôs três derrotas ao
governo Jair Bolsonaro. O plenário derrotou os "cacos" no Código Florestal e os dois projetos de
armas, depois retirados da Câmara pelo Planalto para evitar nova
derrota pessoal de Bolsonaro. E o presidente, Davi Alcolumbre, devolveu a
medida provisória que empurrava a demarcação de terras indígenas
justamente para a Agricultura. É inconstitucional editar MP sobre tema
já derrotado no Congresso no mesmo ano.
Alcolumbre é uma dupla surpresa. Assim como Bolsonaro se elegeu
presidente da República como o anti-PT, ele se elegeu presidente do
Senado como o anti-Renan Calheiros, graças ao apoio do chefe da Casa
Civil, Onyx Lorenzoni, do baixo clero do qual fazia parte, da divisão do
MDB e do racha das esquerdas (PT ficou com Renan). Ninguém dava um
tostão pelo sucesso dele. Um engano. Apesar do apoio do Planalto, Alcolumbre não admite o desdém de Bolsonaro
pela política e as instituições e assumiu, com Rodrigo Maia e Dias
Toffoli, a trincheira da resistência. Continua próximo de Onyx, mas tem
lado, o lado do Parlamento. Mesmo sendo um inexpressivo senador do
distante Amapá, ou talvez exatamente por isso, ele circula bem na
direita, na esquerda, entre governistas e oposicionistas, entre caciques
e índios. Sabe ouvir, negociar, decidir.
Importante, porque o Senado será fundamental no segundo semestre e seu
presidente está alinhado com a pauta liberal e a reforma da Previdência -
que pode ser aprovada na Câmara em julho. Mas também está atento às
questões indígenas, ambientais e de costumes, ameaçadas pelo novo
governo. Enquanto a Previdência não chega, o Senado busca alternativas para as
pautas de Bolsonaro. Na Quinta-feira (4), uma sessão articulada pelo
novato Alessandro Vieira (Cidadania-SE), delegado de carreira e relator
do projeto das Armas, debateu um projeto digerível, que flexibilize mais
a posse, menos o porte. [o desagradável que está sendo implantado na Câmara sobre o comando do 'primeiro-ministro', e no Senado sob o comando do inexpressivo Alcolumbre, o costume de se apropriarem dos projetos do presidente Bolsonaro, que por uma falha imperdoável da assessoria presidencial foram enviados sob a forma de decretos, o que é incabível para modificar leis.
Acertadamente, revogaram os decretos, só que se apropriaram do conteúdo, fazem pequenas modificações e apresentam como projeto de lei.
O correto seria a devolução ao Poder Executivo para que esse fizesse as adaptações necessárias para projeto de lei.
Citar o 'pai da criança' é essencial, quando não somos o 'pai da criança' apresentada.]
E é preciso cuidado com pautas do próprio Legislativo, como a que
aumenta o repasse federal para o Fundo de Participação dos Estados
(FPE), aprofundando o rombo da União. O autor é Lucas Barreto (PTB), do
Amapá, como Alcolumbre, e famoso chef de cozinha. Toda semana, ele chega
com um isopor cheio de camarões e de carne de búfalo do estado. Seus
jantares são memoráveis. "Quem diz não para um projeto dele?", indaga um
senador. Pode ser só brincadeira, mas o projeto que impacta as contas
federais já passou pela CCJ e a pergunta passa a ser outra, nada
engraçada: "Quem terá coragem de votar contra verbas extras para seu
próprio estado?"
Quem entra em ação é Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder de um
governo avesso ao Congresso, que desarticulou a rede de assessores
parlamentares dos ministérios e cujo partido, o PSL, é cheio de novatos.
Como Soraya Thronicke, autora de projeto exigindo que condenados paguem
por sua estadia nas prisões. Presídios de três, quatro ou cinco
estrelas? O Planalto, assim como depende de Maia na Câmara, está na mão do
independente Alcolumbre, do leal Fernando Bezerra, dos experientes Tasso
Jereissatti, Esperidião Amin e Jarbas Vasconcellos, daqueles em
ascensão, como Simone Tebet, e da oposição sensata, liderada por
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que até grita, mas não é radical e tem
responsabilidade, inclusive com Lava Jato e Moro.
Enquanto Bolsonaro se atrapalha com filhos, armas, índios, santuários
ecológicos e, pasmem!, até com trabalho infantil, é este Senado que vai
pegar a reforma da Previdência a unha e, apesar de estar sob tiroteio da
opinião pública, dar rumos à bagunça. Com Rodrigo Maia ainda no centro
da cena.
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