Folha de S. Paulo
Desaforos à Constituição e falta de decoro prenunciam entrada no pântano
Jair Bolsonaro cruzou um limite que o regime vigente exige ser
respeitado, para defender sua própria sobrevivência. Por inconsciência
ou porque ainda não fosse hora de levar a tanto as provocações e
agressões do seu projeto antidemocrático, Bolsonaro não investira contra
a convivência e a independência dos Três Poderes. Foi o que fez agora. [o poder que mais investe contra o constitucional preceito de harmonia independência entre os Poderes, é o Poder Judiciário - chega a investir contra si próprio, quando ministros em decisões liminares e monocráticas, confrontam o próprio Plenário.
Bolsonaro, salvo engano nosso, não confrontou o Supremo nenhuma vez - cometeu alguns erros que podem ser considerados descumprimento aos preceitos constitucionais, mas, logo que instado a corrigir o equívoco, atende de pronto.]
O antecedente desse avanço já o prenunciava, consistindo, em palavras do
ministro Celso de Mello no Supremo, na “inaceitável transgressão à
autoridade da Constituição”. Apesar do veto constitucional à reedição de
medida provisória no mesmo ano legislativo de sua recusa, Bolsonaro a
fez para insistir na entrega, mais que suspeita, da demarcação de terras
indígenas ao Ministério da Agricultura. Chamado a decidir, o Supremo
devolveu a demarcação à entidade natural, a Funai. Por unanimidade. [ainda que sendo recorrente, fique a Funai na Agricultura ou volte para a Justiça, permanecerá subordinada a um ministério e os ministérios são diretamente subordinados ao presidente da República Federativa do Brasil, JAIR BOLSONARO - será sempre seis por meia dúzia.
Reedição de MP rejeitada pelo Congresso e reeditada pelo Poder Executivo em desacordo com a Constituição Federal ocorre desde o governo Sarney e a questão é resolvida sem alarde, sem interferência do Supremo, mediante devolução ao Poder Executivo, por ato corriqueiro do presidente do Senado, da MP irregular ]
A questão, em si, nada teve de incomum no tribunal. Exaltou-o o ato
abusivo da Presidência da República. Celso de Mello parece cansado, já,
dos desaforos ao texto constitucional, de seu especial afeto. Mas
Bolsonaro não parou no desafio. Pouco depois da decisão judicial,
aproveitou uma fala sobre radares de estrada para investir contra o
sistema. Não falou ao grupo habitual de repórteres. Falou pelas redes. E
ao vivo, áspero: “Está uma briga, porque a Justiça em cima da gente [...], é a Justiça
lamentavelmente se metendo em tudo”. Nem é divergência, é briga. Nas redes, ao vivo, é claro o propósito de jogar seus milhões de
seguidores, ou a opinião pública em geral, contra o Supremo. Por
extensão, contra o Judiciário. É, no mínimo e por certo, tática de dupla
pressão: para acionar seguidores e para retrair alguns ministros em
assuntos do interesse de Bolsonaro.
Para além do mínimo, pode ser o início de nova escalada, como houve nos
últimos meses. Não faria sentido que seu objetivo estivesse só no
Supremo —cuja desfiguração, aliás, o então candidato prometeu aos
furiosos na campanha. A indicação formal de Eduardo Bolsonaro ao Senado, para embaixador nos
Estados Unidos, é um desafio seguindo outro. Nepotismo ostensivo na
falta de formação, de experiência e pelo aplauso de Eduardo a Trump e
suas políticas. Também entre o pileque paternal e a incitação contra o
Supremo os objetivos se confundem.
Bolsonaro empurrou para a frente outros limites, no caso, pessoais. É de
um despudor vergonhoso para o país esta regurgitação sua: “Estou cada
vez mais apaixonado pelo Trump”. Nem o Brasil atual merece ver-se sem
resposta alguma de suas instituições, quando a função presidencial é
sujeitada a tamanha falta de decoro. Se ao apaixonado falta compostura,
espera-se que alguém a tenha para impô-la, como quer o que reste de
dignidade ao país. Ou não resta? Além de Bolsonaro, as revelações do The Intercept Brasil/Folha avançaram.
Na temática, com Deltan Dallagnol e outros, inclusive da Receita
Federal, agindo sem base legal contra ministros do Supremo. [revelações cujo valor é ZERO = ilícitas e de autenticidade não comprovada e que a cada dia despertam menos interesse ZERO CREDIBILIDADE.] O repúdio às mentiras de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz,
assassinado pela ditadura, avançaram muito a adjetivação definidora de
Bolsonaro, como “repugnante”, “nojento” e outros achados. Mas Bolsonaro
avançou contra o regime de Constituição democrática. Uma entrada no
pântano.
EM CANA
Preso em Miami na tarde de sexta-feira (2), em caso de desvios
financeiros de fundo de pensão, Paulo Figueiredo tinha negócios com
Donald Trump. O terreno escolhido pelo presidente americano na Barra da
Tijuca, para mais um hotel de sua rede, era de Paulo. O preso, sempre
muito falado a propósito de comissões, é neto do general Figueiredo.
Jânio de Freitas - Folha de S.Paulo
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