O Estado de S.Paulo
A crise inverteu prioridades econômicas do governo, mas falta um plano
O economista britânico John Maynard Keynes não era um dos autores da
preferência do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele estudou em
Chicago. Ao contrário: no período da sua formação acadêmica, “Chicago”
definia o polo oposto doutrinário e intelectual a Keynes, eternizado no
templo de algumas escolas de economia como guardião da intervenção
estatal (isso não é justo com Keynes, mas é assim que acabou ficando no
imaginário).
Guedes parece seguir agora uma das frases pelas quais Keynes é lembrado:
“Se os fatos mudam, eu mudo de opinião”. É exatamente a volta que
Guedes deu nas últimas semanas, surpreendido por uma crise de saúde
pública inédita e que tem como grande consequência o fato de tornar
milhões de brasileiros pobres ainda mais pobres, e milhões de
desempregados ainda mais distantes de conseguir trabalho. Descobrimos 38
milhões de invisíveis, resume Guedes. Ou seja, gente fora de qualquer
mercado formal.
O governo Bolsonaro conquistou coração e mentes de agentes econômicos
prometendo menos Brasília, menos intervenção e um rápido destravamento
da economia via reformas estruturais. Não era bem um plano – era um
conjunto de intenções, que coincidiam em grande medida com aspirações de
vastos segmentos, especialmente empresariais. Assumia-se que renda e
emprego viriam automaticamente com as reformas estruturantes e a
consequente expansão da economia.
Agora é exatamente o contrário. Renda e emprego são o foco declarado das
ações que Guedes pretende que o governo desenvolva da forma mais rápida
e ampla possível. A crise jogou o governo e Guedes num intrincado
dilema: precisa ao mesmo tempo salvar pessoas que caíram para baixo da
linha da miséria, garantir programas emergenciais para empresas que
estão demitindo e falindo, estender a mão para entes da Federação
sufocados pelo buraco das contas públicas (que está aumentando), buscar
não se sabe onde recursos para investir, atrair a iniciativa privada
para minimamente compensar a perda da capacidade de investimento do
Estado.
As razões políticas que levaram o governo e seu principal ministro a
rever radicalmente orientações e ações são óbvias: Bolsonaro está também
trocando de eleitorado, e o “dinheiro do Bolsonaro” (o coronavoucher)
esclarece boa parte da forma com que seu prestígio pessoal supera as
constantes crises que ele cria para si mesmo. Claro que Guedes percebeu
como os fatos mudaram e, portanto, como também teria o governo de mudar
de “opinião” – empurrado ou não pelo cálculo político eleitoreiro
(totalmente legítimo, aliás) de curto prazo, o que se estabeleceu foi
uma prioridade, e ela é social.
A questão central, porém, continua sendo a mesma do início do mandato em
2019. Há um conjunto de intenções que rimam perfeitamente com a
percepção que se tem da realidade brasileira (combater miséria, doença e
desemprego é a prioridade zero zero) em todos os setores, mas não está
claro qual seria o “road map”, qual a sequência de ações que levariam o
País a “aterrissar”, como gosta de dizer o ministro da Economia, numa
situação de renda mínima para os mais necessitados e expansão da
economia com empregos de qualidade.
As opções para agir se reduziram consideravelmente e hoje são
basicamente arrombar os cofres públicos e tentar reformas que demoram
para trazer resultados. Tendo de manobrar uma massa de parlamentares
fisiológicos, conhecida como Centrão. E sem muito tempo, fator essencial
que o cínico Keynes resumiu tão bem na mais conhecida de suas frases:
“A longo prazo, estamos todos mortos”. Politicamente, pode-se morrer bem
mais cedo ainda.
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo
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