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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A nova política morreu, viva a velha política - Alon Feuerwerker

Análise Política
O PT está diante de um enigma, e de decifrá-lo talvez dependa a taxa de estabilidade do governo quando assumir definitivamente a cadeira no terceiro andar do Palácio do Planalto. 
A dúvida é quem deve ser o objeto de desejo preferencial nas alianças para garantir que o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva termine no prazo regulamentar, dado o cenário não apenas de polarização, mas de chamados a desconhecer a legitimidade da eleição.
O leitor pode encontrar aqui algum exagero, mas nunca é demais lembrar que dos seis presidentes eleitos desde a transição de 1984-85 dois foram depostos, então é bom colocar as barbas de molho. [Atualizando: Collor foi deposto como uma vingança da política velha; quanto a outra deposição de uma petista -  foi motivada pela burrice, incompetência, pedaladas e outros malfeitos da deposta = escolhem qualquer um o resultado é esse.] Até porque, dados os sinais recentes vindos da transição, não é improvável o novo governo [cujo chefe não foi ainda diplomado nem empossado, o que torna intempestivo chamar, por agora, o amontoado de pretendentes de  'novo governo'.] - enfrentar turbulências econômicas que levem a perda de substância e o coloquem na dependência de uma base parlamentar sólida.

Qual é o problema? Na verdade são dois:  
1) uma aliança do PT com a esquerda e o “centro democrático” é aritmeticamente insuficiente para segurar a onda no Congresso Nacional; e
 2) o "centrão" esteve maciçamente com Jair Bolsonaro no governo e na eleição. Há aliás um terceiro aspecto: sempre que os presidentes recentes estiveram na berlinda, quem impulsionou a tentativa de derrubá-los foi o centro democrático, e não a direita conservadora.

Foi assim quando a Constituinte tentou amputar dois anos do mandato de José Sarney. Também foi assim no impeachment de Fernando Collor, na desestabilização de Itamar Franco (só estancada quando entregou o governo a Fernando Henrique Cardoso), nas atribulações de Lula com as acusações de corrupção, no impeachment de Dilma Rousseff e nas crises de Michel Temer. Em todos esses momentos o centrão ou segurou a onda ou teve de ir a reboque.

O retrospecto revela o risco de o governo petista subestimar a aliança com o centrão e fiar-se na “frente ampla democrática”. Sem contar outro aspecto: se conseguir fechar alianças simultâneas, formais ou informais, com ambos os campos que se reivindicam “de centro”, reduzirá a possibilidade de ficar refém de um deles. Quando a maioria depende de uma minoria para sobreviver, transforma-se de fato em minoria e esta passa a ser a maioria política.

A necessidade de uma sólida base parlamentar acentua-se por outro motivo: a assimetria político-ideológica entre a orientação de esquerda do Executivo e a maioria de direita eleita para o novo Legislativo. Foi mais natural para o Congresso que se encerra alinhar-se a Bolsonaro do que será para o novo/velho alinhar-se a Lula. Em outras palavras, o custo político de formar a base foi menor para Bolsonaro do que vai ser para Lula.[o eleito, tem que primeiro convencer o POVO a aceitar que o Brasil veja presidido por um ladrão.]
Também por isso será impraticável para o novo presidente repetir o modelo bolsonarista, em que os partidos são na prática excluídos da Esplanada, e a disciplina parlamentar é comandada a partir do próprio Legislativo com a utilização ativa do Orçamento por parte de seus comandantes, com razoável autonomia. Lula 3o. terá de voltar a abrir certos espaços que foram fechados aos partidos.

A nova política morre
u (alguém se lembra da última vez que ouviu falar nisso?). Viva a velha política. 
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

"Futuro em jogo"

Alexandre Garcia

Eleição decidida. Próximos quatro anos com um presidente petista. Como serão? Será preciso perguntar à bola de cristal? Ou apenas projetar nesses próximos quatro os 14 já passados e conhecidos? Para 60 milhões de eleitores, os 14 anos já não contam — ou sequer lembram ou não querem lembrar. Na época, eram crianças ou adolescentes, 21 milhões de eleitores de hoje. Muitos outros ainda só recebem notícia de uma única fonte — a fonte que lhes mostra a sua versão dos fatos.

Assim decidimos os próximos quatro anos. Aparentemente, não serão fáceis para o presidente eleito. A Câmara dos Deputados está com 73% de centro-direita e o Senado, com 67%. Além disso, a maior parte dos governadores foi eleita pelo grupo que apoia o presidente que sai.

O presidente que entra vai receber um raro legado, longe da "herança maldita" de outros tempos. Inflação e desemprego em queda, PIB, arrecadação federal e investimentos em alta, balança comercial superavitária, endividamento público em baixa, otimismo entre empreendedores, credibilidade do governo, impostos em baixa, obras de infraestrutura por toda a parte, inclusive água para o Nordeste e ministérios e estatais imunizados de partidos políticos — uma grande oportunidade para o novo chefe do governo, se estiver de bem com a maioria centro-direita do Congresso. [será que o legado resiste aos primeiros seis meses da nova administração? o eleito tem planos para destruir tudo que hoje existe = tudo que vai receber.]

O Senado ainda precisa empurrar o Supremo Tribunal Federal (STF) de volta ao segundo artigo da Constituição, para que o tribunal deixe de ser também legislador e constituinte. Não vai adiantar simplesmente tirar ministro, a menos que o novo presidente indique realmente juízes e não advogados com causa.

A judicialização da política, lamentada no discurso de posse de Luiz Fux, mostra que o tribunal ficou entre dois fogos, por não se manter acima da fogueira das vaidades. Primeiro, é acusado de contribuir para tirar o PT do poder; hoje, é acusado de contribuir para tirar Bolsonaro do poder. Ativismo não é próprio de juízes. Juízes são isentos por natureza, já a natureza de advogados é defender causas. Fazer o STF abandonar o ativismo é um desafio para os poderes com mandato popular. [será? um único exemplo: o 'piso nacional de enfermagem' aprovado pelo voto de senadores e deputados, que somados representam mais de 100.000.000 de eleitores e sancionado pelo presidente da República - quase 60.000.000 de votos - foi suspenso (suspensão que não tem prazo para ser revista e enquanto não for revista,  tem validade total)  por decisão monocrática do ministro Barroso, STF, que não recebeu um único voto para representar o povo.]

Numa eleição de 124 milhões de votos, decidida por pouco mais de 2 milhões de eleitores, mostra duas metades e destaca o quanto o não votar pode ser decisivo. 32 milhões de brasileiros deixaram que os outros decidissem. Não há como não lembrar de Pilatos, que lavou as mãos enquanto o povo optava por quem seria libertado ou crucificado.

Belo discurso
O eleito leu um belo discurso após o resultado. Bonitas palavras, como discursos do século passado — ser um presidente de todos, por exemplo. Nada encontrei sobre a intenção de prevenir a corrupção, nenhuma disposição sobre o teto de gastos, a conquista do equilíbrio fiscal aprovada no período Temer. 
Das palavras ditas, resgatei a afirmação de que o crescimento econômico será repartido entre toda a população. Anunciou a volta das "conferências nacionais" da esquerda e avisou que vai refazer tudo: "É preciso reconstruir este país na política, na economia, na gestão pública, nas relações internacionais" — um indicador da volta daqueles 14 anos de PT.[a certeza é que o futuro governo do eleito, vai conseguir trazer de volta, apena os dois últimos anos do governo Dilma.]

Acentuou que ninguém está acima da Constituiçãoparece recado ao Supremo. Chegou a falar no "orgulho que sempre tivemos do verde e amarelo da bandeira"… mas uma parte sincera do discurso foi a afirmação de que a eleição "colocou frente a frente dois projetos opostos de país". Agora, um projeto vai se opor ao outro. Se o Congresso permitir.

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Toffoli acha que o STF é um “poder moderador”. É isso mesmo? Exame

 Blog Money Report 

Aluizio Falcão Filho

Ultimamente, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso

Dias atrás, em seminário realizado na cidade de Lisboa, o ministro Dias Toffoli disse que “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador, que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”. 
Toffoli, além de constatar a realidade em que vivemos, aproveitou para defender o parlamentarismo. “Pergunto eu por que não tentar isso no Brasil? Sobretudo no Brasil de hoje, onde, sem nenhuma dúvida, o centro da política já é o parlamento, como é próprio de uma democracia representativa”, questionou.

Antes de mais nada, a declaração do ministro, proferida em evento organizado por seu colega, Gilmar Mendes, pode ser interpretada de duas formas. A primeira é que vivemos, de fato, em um semipresidencialismo, à medida que praticamente tudo o que o Planalto faz precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional.

A Constituição de 1988 traz esse efeito em seu texto, como se pode ver no bloco que compreende o intervalo entre os artigos 61 e 75. E reflete o que estava ocorrendo no país naquele final dos anos 1980. Lembremos que em 1984, houve eleições indiretas, vencidas por Tancredo Neves. Para garantir os votos que lhe dariam a vitória no Colégio Eleitoral, Tancredo conseguiu o apoio de políticos do PDS (o sucedâneo da Arena, o partido de apoio ao governo militar), entre os quais o então senador José Sarney, que ficou com a vice-presidência da chapa.

Quis o destino que Tancredo morresse sem tomar posse e Sarney fosse investido na presidência. Ou seja, o PMDB, partido vitorioso, ganhou as eleições indiretas. Mas não as levou. O resultado deste processo foi uma tutela violenta do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sobre o novo inquilino do Palácio do Planalto.

Sarney era percebido pela classe política como um presidente fraco e sem legitimidade. Por isso, dependia do apoio do dr. Ulysses, que era uma eminência parda em Brasília. Essa tutela, de certa forma, influenciou o texto da Constituição que deu maiores poderes ao Parlamento. De Sarney para cá, o Congresso sempre agiu como tutor do presidente – algo que se percebe até na gestão de Jair Bolsonaro, que fez há dois anos um acordo com o Centrão para garantir apoio político.

Até aí, essa é a realidade dos fatos. Estamos colhendo o que foi plantado lá atrás. Com um agravante: na época da Constituinte, tínhamos 12 partidos no Congresso. Hoje, passamos de trinta agremiações. Essa proliferação de siglas tornou a negociação de apoios cada vez mais difícil. Até o governo Fernando Henrique, bastava negociar com cinco partidos para obter maioria em qualquer votação. Hoje, esse número mais que dobrou.

Vamos passar à segunda constatação de Toffoli, a de que o STF é um “poder moderador”. A Constituição destina o artigo 102 ao funcionamento do Supremo. O texto diz que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.  
Não se fala nada sobre poder moderador. Portanto, não há como questionar a legitimidade da Alta Corte em julgar qualquer tema – desde que essa avaliação tenha como parâmetro o que está escrito na Carta Magna.

Ultimamente, porém, o STF parece querer agir de fato como um poder moderador amplo, apesar de não ter recebido um só voto para isso, e interferir em diversos assuntos do cotidiano brasileiro. Recentemente, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes proibiu que o deputado Daniel Silveira desse entrevistas (Silveira é réu no STF por ataques a ministros da corte e às instituições da República). “Determino a imposição de nova medida cautelar, em caráter cumulativo com as estabelecidas na decisão de 8/11/2021, consistente na proibição de conceder qualquer espécie de entrevista, independentemente de seu meio de veiculação, salvo mediante expressa autorização judicial”, decretou Moraes.

Silveira é um parlamentar boquirroto, agressivo e desrespeitoso
Sua atitude no Congresso e nas redes sociais provoca repulsa e desprezo em muitos. Mesmo assim, é preciso questionar essa atitude do ministro. Por enquanto, existe silêncio em relação à decisão de Moraes porque o deputado em questão é desprezado nos círculos intelectualizados. Mas, se ficarmos quietos agora, perderemos força na hora de reclamar de abusos cometidos contra parlamentares que são admirados e aplaudidos pela maioria da sociedade.
 
A impressão que se tem é a de que o STF se arvorou da condição de curador da Nação. 
A Corte decide o que é fake news, nos protege de difamadores e proíbe entrevistas. Por enquanto, estamos falando de Moraes e de Silveira. 
E se, no futuro, tivermos uma desavença, por exemplo, entre Kássio Nunes e a deputada Tábata Amaral, do PSB? 
Ficaremos em silêncio também?

Talvez, nesse momento, seja tarde demais para reclamar.

Curioso o nosso país. Para defender a liberdade de expressão, precisamos condenar o puxão de orelhas em cima de um indivíduo que não merece nenhum respeito. Mesmo assim, é o primeiro passo para que mostremos ao STF que ele é o guardião da Constituição e não a autoridade suprema sobre todos nós no Brasil. 
Todos os poderes são criticados quando extrapolam suas funções. Neste sentido, o Supremo é igual ao Executivo e ao Legislativo: precisa ficar em seu quadrado.
 
Blog Money Report - Aluizio Falcão Filho - Exame


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

"Não há dever que consiga sustentar tanto direito"

 Alexandre Garcia

"O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações [criativas, mutáveis e adaptáveis] de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre"

Os ventos do plebiscito no Chile atravessaram os Andes e chegaram ao Brasil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu num evento jurídico um plebiscito para perguntar ao povo se está satisfeito com esta Constituição ou quer outra melhor. 
O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre
Uma Constituição que se baste e dispense interpretações. São 250 artigos, mais 95 disposições transitórias e 107 emendas em apenas 32 anos. Para a maior potência do planeta, bastam sete artigos, com 27 emendas em 230 anos. [O objetivo maior, ou único, da turma que produziu a 'constituição cidadã' foi - e a depender da turma do 'quanto pior, melhor' = continuará sendo -  o de apresentar uma 'constituição' minuciosa, detalhista, permitindo judicializar tudo, de forma absurda para explicar cada detalhe.
É público e notório que explicação, entendimento, cada um tem o valendo o ditado: "quanto mais explicação, mais complicação".
Um único exemplo: O artigo 142 da Constituição tem uma redação clara, mas, se estende em detalhar o que já detalhou e com isto abre portas para muitas interpretações = os gênios constituintes tiveram o desplante de inserir no § 1º daquele artigo uma determinação de que uma lei complementar daria os detalhes.
A LC foi editada - LC 97/99  - e com isso a turma do "se é possível complicar, para que facilitar?" passou a alegar que uma LC está abaixo da Constituição. 
Uma pegadinha para dar margens a interpretações criativas e convenientes a interesses não republicanos.
Seria bem mais simples determinar que naquele caso uma PEC substituiria a LC - com isto impediria que uma voz solitária, sustentada por um autoritarismo absoluto =  absolutismo  absurdo e antidemocrático =  interpretasse o artigo de forma autocrática.

Por aqui, uma decisão singular da ministra Cármen Lúcia, de 2013, em liminar, mexe com bilhões de reais em royalties de petróleo, e o plenário do Supremo ainda vai votar isso no próximo 3 de dezembro. E se derrubar? Vigora até hoje liminar do ministro Joaquim Barbosa, que renunciou ao Supremo Tribunal Federal, em 2014, suspendendo uma emenda constitucional que cria quatro tribunais regionais federais. 
Um único ministro do Supremo é mais forte que o poder constituinte do Congresso. 
Como confiar na base jurídica e legislativa do Brasil?
A Constituição de 1988 ainda foi feita sob a ressaca do período militar. O então deputado José Genoíno, um dos mais ativos constituintes, me disse, em fins de 1989, que “se soubéssemos que iria cair o Muro de Berlim, não teríamos feito esta Constituição”. O dínamo da Constituinte, Nélson Jobim, me disse que os criminosos comuns foram brindados com direitos por causa de uma “síndrome do preso político”
O constituinte Delfim Netto, um frasista, me disse que “como a saúde é direito de todos e dever do Estado, quando eu tiver diarreia vou processar o governo”
A Constituição tem 166 direitos individuais e coletivos e apenas 18 deveres. Não há dever que consiga sustentar tanto direito.

Criou uma mistura de sistema presidencial com parlamentar; sistema híbrido, portanto infértil. Detalhista, trata até do sabonete e do papel higiênico: no art. 7º, fala que o salário mínimo tem que abranger “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Estabelece o que nem as leis cumprem: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art.5º, caput). Logo depois, o art.6º estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. [sob a égide do artigo 5º é que o tacão do STF validou as cotas raciais = não se deu ao trabalho de pelo menos reescrever o artigo.

Foi também por falta de um 'apenas' no texto constitucional que o Supremo nos impôs a união entre pessoas do mesmo  sexo.]

Faltou dizer quem paga. O constituinte Roberto Campos disse que “o problema brasileiro nunca foi fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las”.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense


sexta-feira, 17 de julho de 2020

O Supremo Tribunal Federal e o consequencialismo jurídico - O Estado de S.Paulo - Ives Gandra da Silva Martins


Tem-se discutido ultimamente com mais intensidade quais seriam os limites da atuação da Suprema Corte no Estado Democrático de Direito brasileiro, ou seja, se seria um superpoder com o direito de impor suas decisões mesmo além dos limites definidos pela Lei Maior, ou se seria um Poder como os demais, submetidos às atribuições outorgadas pela Carta da República.

Corrente doutrinária do Direito Constitucional que ganhou força nas universidades, nas instituições de classe e no Poder Judiciário tem hospedado vertente de pensamento segundo a qual o século 19, com a introdução do parlamentarismo inglês de 1689 em muitos países europeus e no Segundo Império brasileiro, foi o século do Poder Legislativo; o século 20 foi o século do Poder Executivo; e o século 21 será o do Poder Judiciário, à luz do denominado princípio consequencialista.


Por consequencialismo entende-se a adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas, com flexibilização do entendimento teleológico das normas, na busca de uma justiça transcendente. O neoconstitucionalismo trilha linha semelhante, ao admitir uma relativização do texto a ser examinado pelo Judiciário com considerável margem para a busca da justiça dentro desse quadro alargado da hermenêutica.

Tanto o consequencialismo quanto o neoconstitucionalismo provocam uma politização do Judiciário que, não poucas vezes, invade competências próprias de outros Poderes, com a judicialização da política, levando as correntes minoritárias a buscar no Judiciário forma de suprir sua incapacidade de fazer prevalecer suas opiniões ou ideologias. Quanto mais o Judiciário age politicamente, tanto mais os políticos buscam o Judiciário para utilizá-lo como instrumento contra suas derrotas no Legislativo ou no Executivo.

Pessoalmente, entendo que a Constituição de 1988 não albergou nenhuma dessas formas de ação do Poder Judiciário, como de resto em artigos e livros tenho procurado demonstrar, embora reconhecendo que com limitado êxito.Um exame mais detido do texto constitucional demonstra que a Lei Superior brasileira tem claros e escuros, princípios constitucionais relevantes, normas e regras sem densidade constitucional, excessiva generalização, adiposidade desnecessária e um longo rol de disposições que se pretendia fossem de aplicação imediata, embora de difícil implantação.

Dois pontos, todavia, tornaram-se importantes no novo texto da Carta da República: o equilíbrio entre os Poderes, desejado pelo constituinte, e a inserção de uma lista apreciável de garantias e direitos individuais. Esses pontos passaram a balizar o comportamento dos Poderes a partir de 1988. Acontece, todavia, que desde 2003quando, num único mês, três ministros que marcaram história na Suprema Corte se aposentaram: Moreira Alves, Sydney Sanches e Ilmar Galvão – a Suprema Corte perdeu aquela característica de um colegiado com a função maior de ser o guardião da Constituição e a função decorrencial de dar estabilidade às instituições.

Nada obstante a qualidade indiscutível de todos os seus integrantes, o protagonismo individual que assumiram passou a permear muitas decisões, promovendo o avanço da insegurança jurídica, sempre que a competência de atribuições de outros Poderes foi invadida. Com isso, a comunidade jurídica encontra-se permanentemente em suspenso, temerosa de que, em algum momento, tal invasão venha a deflagrar um conflito que resulte no acionamento dos freios e contrafreios expostos no texto supremo.

Acresce que o Ministério Público que não é Poder –, nada obstante o nível e a qualidade de seus membros, tem, muitas vezes, envergado vestes próprias de um Poder, causando, também, instabilidade, visto que o parquet é apenas uma função essencial à administração da justiça, como o é a advocacia. À evidência, manter quadros institucionais em que os representantes dos três Poderes, em vez de agirem com harmonia e independência entre si, invadem competências uns dos outros, deixa desprotegidos os direitos individuais, que deveriam ser assegurados na tríplice função montesquiana de respeito entre os três Poderes. Ficam tais direitos e garantias, repetidas vezes, tisnados, principalmente o direito de defesa, cada vez mais atingido na sofrida República brasileira, que deveria nele ter o alicerce maior da democracia.

É de lembrar que o artigo 1.º da Constituição federal declara que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e o 2.º, que os Poderes são harmônicos e independentes. São os dois primeiros artigos que fundamentam os oito títulos, as Disposições Gerais e Transitórias e as 112 emendas constitucionais do processo revisional e ordinário. Uma democracia só é plena se cada Poder, no âmbito de suas atribuições, cumprir sua missão com pleno respeito às competências alheias, colaborando com a sociedade na construção de uma nação poderosa e estável institucionalmente. E, na minha opinião, o consequencialismo jurídico não foi albergado pela nossa Lei Suprema.

 Ives Gandra da Silva Martins, jurista - professor da ECEME e ESG - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Pétreo enquanto dure - Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman

É preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro

[finalmente alguns articulistas, usando o indispensável bom senso, começam a aderir à tese de a vontade de 31 anos passados - o muro ainda existia -  não pode prevalecer sobre os cidadãos de agora.

As cláusulas pétreas, a exemplo de outros pontos da CF 88, começam a mostrar que a Lei Maior vigente precisa ser modificada e que para a petricidade vale o que vale para o amor a conhecida máxima 'que o amor seja eterno, enquanto dure', já adaptada no título pelo autor.

Especialmente que o conceito de pétreo da Carta vigente parece valer mais para limitar o Poder Legislativo - cujos membros são eleitos pelo povo, que é por eles representado e a quem cabe legislar - do que para conter as intervenções 'legislativas' do Supremo. 

Se eventual mudança optar por manter o conceito de petricidade, que seja incluído que as intervenções legislativas do Supremo quando tiverem como alvo cláusulas pétreas terão que ser tomadas pelo Plenário com maioria qualificada, presença dos onze ministros e com um tempo mínimo de validade (afinal, muitos argumentam que prender bandido antes do fim do processo - que pode ser 'eterno', a depender do poder econômico do condenado - fere direito individual = 'cláusula pétrea' = mas os ministros podem tornar 'movediça' a interpretação de tal cláusula, sempre que assim desejarem.)]

Uma tese popular em circulação é a de que, agora que o STF definiu que a execução da pena só é possível após o trânsito em julgado, tal entendimento não pode ser alterado pelo Congresso, já que a presunção de inocência é uma cláusula pétrea da Carta que não pode ser modificada nem por emenda constitucional.

A presunção de inocência é sem dúvida uma garantia individual, o que faz dela cláusula pétrea, mas isso não significa que esteja totalmente imune aos parlamentares. É fácil ver isso lendo o artigo 60 da Carta, que regula as emendas constitucionais. Quem chegar até o § 4º do dispositivo verá que a proteção às cláusulas pétreas não é contra qualquer tipo de emenda, mas só contra as que tendam a aboli-las.

“Abolir” é um verbo forte, mas o termo “tendente” o relativiza, o que significa que os ministros do STF poderão decidir da forma que preferirem, como sempre. Mas, se quiserem se ater ao texto constitucional, terão de discutir se a prisão após a segunda instância “tende a abolir” a presunção de inocência ou só a coloca em outras balizas.


Acho difícil sustentar a primeira opção. Um bom paralelo é com o mandato de quatro anos. O voto direto, secreto, universal e periódico também é apontado pelo artigo 60 como cláusula pétrea, mas não me parece que seja impossível emendar a Carta para criar mandatos de, digamos, cinco anos. A periodicidade do voto estaria preservada, ainda que com outra extensão. [emenda para abolir o voto e sua periodicidade, sequer pode ser aceita;
mas, emenda para mudar a periodicidade  tem livre tramitação.]

Cláusulas pétreas são um negócio complicado. Concordo que a Constituição precisa proteger-se de maiorias de ocasião. A exigência de votações qualificadas e o estabelecimento de cláusulas pétreas são um meio de fazê-lo. Mas é preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro. Se se exagera na dose, constituições vão deixando de ser cartas políticas e assumindo cada vez mais a feição de escritos religiosos.

Hélio Schwartsman, colunista - Folha de S. Paulo

 

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Uma conjuntura muito favorável ao poder, mas com aquele probleminha - Análise Política

Alon Feuerwerker

O modus operandi congressual do bolsonarismo vai ficando cada vez mais nítido. Não há obsessão por tratorar o Legislativo. No plano parlamentar, aceita-se o jogo. O que os parlamentares perderam em espaço político na Esplanada, ganharam em oportunidades de protagonismo. O governo manda os projetos, o Parlamento faz quase o que bem entende, depois o presidente veta, e o Legislativo também derruba os vetos que deseja.

Não sei se chega a ser uma nova política, mas tem boa dose de novidade, ao menos neste último meio século. Nos governos militares, o Congresso, quando estava aberto, era uma máquina carimbadora do Executivo, graças também ao bipartidarismo, aos atos institucionais e às cassações periódicas de mandatos. [as vezes surge uma curiosidade: para que serve o Congresso se só tumultua e onera os cofres públicos?] Quando nada disso era suficiente vinha o fechamento. Como por exemplo no Pacote de Abril de 1977.

Depois nasceu a Nova República, uma oportunidade do país aos políticos. 
[Nova República = a institucionalização da corrupção,  do maldito politicamente correto, do excesso de direitos e da judicialização de tudo.]  Mas Tancredo Neves morreu, José Sarney virou um presidente não tão forte, e sofreu a dualidade de poder imposta pela Constituinte e Ulysses Guimarães. E teve de escancarar a máquina aos políticos para sobreviver. Sucedeu-o Fernando Collor, que quis fazer uma nova política e acabou derrubado. Por questiúnculas, como Dilma Rousseff um quarto de século depois.

E surgiu Fernando Henrique Cardoso para derrotar o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, que estava forte depois da queda do seu antípoda, Collor. FHC governou à moda tradicional, e teve tranquilidade, também porque a nova política tinha dado errado. E graças à velha e boa política o tucano sobreviveu à debacle do Real na transição do primeiro para o segundo mandato. O país parecia vacinado contra impeachments. Parecia.

Lula governou conforme a cartilha da Nova República. Aprendendo com Sarney, Collor e Fernando Henrique, procurou montar uma base sólida no Congresso para evitar surpresas. Também por isso, escapou na crise do chamado mensalão, reelegeu-se e elegeu a sucessora. Que se sentiu num momento suficientemente forte para deixar os aliados na rua da amargura da Lava Jato. Deu no que deu. Agora Jair Bolsonaro propõe uma nova oportunidade para um modelo que falhou duas vezes.

Verdade que o atual presidente faz isso numa conjuntura excepcionalmente favorável. Para começar, dois terços do Congresso estão potencialmente alinhados com a agenda do Executivo. O governo acha, e tem uma dose de razão, que mesmo se nada fizer o Legislativo terá de andar na linha do Executivo, pois os deputados e senadores não  terão como explicar aos seus eleitores se fizerem diferente.

E o financiamento empresarial de campanhas está vetado, o que diminui a atratividade da ocupação de certos espaços ministeriais e nas estatais. Claro que sempre o olho pode crescer. Mas o mar não está pra peixe. E os partidos estão razoavelmente abastecidos pelos recursos públicos para sobreviver e fazer suas campanhas. Então, se o Planalto executa com competência o orçamento das emendas, tem combustível para navegar.

Para ajudar, o reinado absolutista da Lava Jato parece ter entrado no seu até agora pior inverno. E Bolsonaro tem assim facilitada a tarefa de recolocar o gênio dentro da garrafa, ou pelo menos tentar. Era previsível, e foi previsto, que o Bonaparte saído das urnas precisaria restabelecer o Poder Moderador do Executivo, tradicional desde que D. Pedro I fechou a Constituinte e outorgou a primeira Carta do Brasil independente.

Nisso, no essencial, Planalto, Congresso e Supremo vêm jogando juntos, pois interessa a todos acabar, ou pelo menos reduzir, a disfuncionalidade institucional em que o país foi atirado desde que Executivo e Legislativo ficaram acuados pela Lava Jato. E, enquanto esta permanece uma ameaça letal, seria pouco inteligente os três lugares geométricos da Praça dos Três Poderes ficarem de mimimi uns com os outros.

Sem contar que o PT não está propriamente infeliz com o esforço bolsonarista para controlar a fera. Sempre há a possibilidade, claro, de a Lava Jato voltar a se concentrar só no PT,
mas até isso teria um lado útil para o petismo: reforçaria a narrativa de vitimização, já bem nutrida pelas interessantes revelações do The Intercept e parceiros. Depois da VazaJato, a Lava Jato nunca mais será a mesma, apesar das juras de amor do novo PGR.

Então está tudo bem? Não, tem aquele probleminha: quase 13 milhões de desempregados, fora os subempregados e desalentados em geral. Eis a fenda na represa, fenda que se não for fechada embaralha bem esse jogo. Ninguém vai querer ser sócio do fracasso. Mas enquanto não chega o dia do juízo político o bolsonarismo aproveita o mar de almirante para radicalizar na guerra de posição, inclusive no campo cultural. Já que Gramsci está na moda. 


Análise Política - Alon Feuerwerker, jornalista



quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Justiça nega pedido de Lula para deixar prisão e ir a funeral de amigo



A Justiça Federal do Paraná negou o pedido feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na tarde desta terça-feira (25), para que o petista deixe a prisão e compareça ao funeral do advogado e ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, que morreu nesta terça. No pedido encaminhado à Justiça Federal do Paraná, responsável pela execução da pena de Lula, o advogado Manoel Caetano Ferreira Filho diz que o ex-presidente era "amigo íntimo de Sigmaringa há mais de 30 anos", e informa que o velório e o sepultamento do advogado acontecerão em Brasília nesta quarta-feira (26).

"A amizade entre o requerente e o falecido era notória, sendo que ambos foram deputados na Assembleia Constituinte, mantendo, na sequência, estreito relacionamento pessoal. Ademais, Sigmaringa atuou como advogado do requerente nos presentes autos", afirmou Ferreira Filho. O pedido foi protocolado às 14h03. Às 15h12, o juiz plantonista Vicente de Paula Ataíde Júnior negou a solicitação, alegando que a proximidade alegada pela defesa não é suficiente, por lei, para permitir a saída. 
[quando os advogados do condenado e multiprocessado Lula vão parar de fingir que são mais incompetentes do que realmente são e aceitar que sendo o presidiário petista um criminoso comum, condenado por crimes comuns, tem que ter um tratamento de bandido comum, de ladrão comum?

Com o devido respeito à magistrada Carolina Lebbos e a todo o Poder Judiciário brasileiro, perguntamos:
- quando a lei vai ser cumprida e Lula será transferido para uma penitenciária comum para cumprir a sentença atual e as que virão?
- quando o cumprimento da Lei de Execução Penal ocorrerá integralmente no que se refere ao presidiário petista, Lula?]

O magistrado citou o artigo 120 da Lei de Execução Penal, segundo o qual condenados que cumprem pena em regime fechado, como Lula, podem receber permissão para sair da prisão em caso de "falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão". Em 1980, preso pela ditadura militar por liderar greves no ABC paulista, Lula recebeu permissão para deixar a cadeia e comparecer ao sepultamento de sua mãe, Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como dona Lindu.

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Advogado de presos políticos e constituinte
Segundo o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, Sigmaringa Seixas "não resistiu a um transplante de medula no Hospital Sírio-Libanês", em São Paulo. Ele tinha 74 anos.

Luís Carlos Sigmaringa Seixas nasceu em Niterói (RJ) no dia 7 de novembro de 1944. Na década de 1970, foi advogado de presos políticos detidos pela ditadura militar (1964-1985), segundo informações do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV (Fundação Getúlio Vargas). No começo dos anos 80, criou o Comitê Brasileiro de Anistia.

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Diversos políticos, entre eles o presidente Michel Temer (MDB), lamentaram a morte do advogado. "Lamento imensamente a morte do grande advogado e homem público, Sigmaringa Seixas, um lutador pela democracia brasileira. Meus sentimentos de pesar à familia e amigos", disse o presidente, via Twitter.