Você quer fechadas as muitas atividades de milhões de trabalhadores e empreendedores que retiram da própria iniciativa e trabalho o sustento de suas famílias?
Eu sei. Menciono, aqui, um confronto de ideias em curso desde o início da pandemia. A pergunta, porém, persiste: você quer o lockdown? Se sua resposta é sim, sou capaz de apostar que você é aposentado, ou sua atividade lhe permite trabalhar em home office, ou é seervidor público. Se sua resposta é sim, você está numa posição profissional não exposta aos perigos do insuperável prejuízo, seu emprego está bem substituído por outras fontes de renda, ou não está em risco. Se sua resposta é sim, seu futuro não balança, inseguro, na ponta de um fio. Ou, quem sabe, você é um jornalista que, no conforto do lar, é pago para escrever sobre a insensibilidade alheia. Em outras palavras, você é um privilegiado.
O fato é que dezenas de milhões de brasileiros não se enquadram nessa situação. Alimentam a si e aos seus do fruto do trabalho semanal, ou mensal. Ou dependem, em ritmo cotidiano, de sua atividade nas ruas para garantir o magro prato de comida na mesa familiar. Quando as portas se fecham, a fome se torna companheira de todas as horas. A necessidade se faz mãe das escassas iniciativas e a cama no passeio público, sob um beirado, é o insalubre destino dos que se viram impedidos de trabalhar... para bem da própria saúde.
Atividades essenciais! Ora, a atividade humana essencial é o trabalho. E trabalho não é a aplicação do lápis de cor sobre um mapa. As regras, necessárias, indispensáveis, deveriam ser estabelecidas e fiscalizadas com foco na permissão de funcionamento, nas condições para que seja concedido e na efetiva fiscalização de seu cumprimento. O que deve ser evitado é a aproximação horizontal, já espontaneamente instituída em incontáveis estabelecimentos de comércio e serviços. O que deve ser exigido é o cumprimento dessas regras, a boa organização dos espaços, a maior frequência (e não a menor) do transporte coletivo; o que deve ser exigido é o maior tempo de abertura para o comércio. O que deve ser evitado são os males e outras formas de morte que se seguem ao pânico. O que deve ser feito é um apelo à caridade, ao auxílio mútuo, ao amor ao próximo, o eficiente auxílio pessoal e comunitário aos carentes. Sim, porque a paralisia de atividades, a recessão e os auxílios emergenciais já quebraram o Estado brasileiro. Precisamos, também, e muito, voltar os olhos para Deus, o esquecido Senhor destes dias. Os sentimentos que mencionei vivificam a sociedade desde muito antes dos tempos das pestes que se prolongaram durante séculos.
Sim, se você quer que tudo feche para que a vida continue e está em condições privilegiadas para segurar esse rojão, lembre-se de apoiar as dificuldades alheias, de rezar pelos mortos e pelos enfermos, pelas equipes de saúde em sua inexcedível dedicação. Pense que tudo o que você consome é produzido por quem não está sentado num sofá, protegido por uma bolha. Rompa essa bolha! Saia da frente da TV e de sua maledicência. Desperte as virtudes em seu coração.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
Nenhum comentário:
Postar um comentário