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sábado, 9 de outubro de 2021

Absorvente feminino - O capitalismo de Estado da “pobreza menstrual” - Gazeta do Povo

  Bruna Frascolla

O absorvente feminino

Guardei o papelzinho do absorvente Always. Aquele papelzinho que puxamos para colar o absorvente na calcinha. Nele, para a minha surpresa, vinha um monte de florezinhas e escritos motivacionais: “Força”, “Meu jeito/ Nossa vitória”, “Seja o lado bom”, “#TamosJuntas”, “Não desista”, “Meninas Podem!”, “Acredite” e “Permita-se!”. 
 Algum publicitário idiota acha perfeitamente normal e sadia a ideia de receber motivação impessoal e anônima de um absorvente. É mal generalizado; vemos um monte de frases piegas e anônimas espalhadas por placas. Eu não quero viver numa sociedade em que todos presumem que sou uma órfã que precisa de empatia, e muito menos numa sociedade em que a empatia venha de coisas inanimadas como um papelzinho de absorvente.
Mas ao ver a montanha de florezinhas me ocorreu também que o produto hoje é voltado para uma faixa etária baixa, para adolescentes em vez de mulheres feitas. Com a pílula, é provável que os absorventes descartáveis tenham visto sua receita despencar ao longo dos anos. Qual a solução? 
Lobby! Basta emplacar uma compra bem grandona com governos.

Triste história contada pela Always
Você na certa viu a tristíssima estatística de que um quarto das meninas faltam às aulas por não poderem comprar absorventes descartáveis. Essa estatística é repetida sem que se fale sempre na sua origem: um estudo da Always

Tem hora que o Brasil é pior que o mundo no que concerne ao tratamento dado a homossexuais, graças aos dados do GGB (Grupo Gay da Bahia). E tem hora que é pior que o mundo, graças aos dados da Always: “A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte a escola durante a menstruação, e no Brasil esse índice é ainda pior. Segundo a pesquisa, 1 em cada 4 mulheres já faltou a aula por não poder comprar absorventes. Quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de absorventes e 45% acredita que não ir à aula por falta de absorventes impactou negativamente o seu rendimento escolar."

Empresas privadas se comportam como ongueiros – aliás, arranjam até uma ONG de fachada para mascarar o seu lobby. Como mostrou a cientista política Marize Schons em suas redes sociais, a P&G, dona da Always, é uma financiadora da ONG Girl Up. E essa ONG é a responsável por criar um projeto para usar o seu dinheirinho para “combater a pobreza menstrual” – termo que ninguém conhecia e que de repente parece um problema urgentíssimo.

A jornalista Paula Schmitt comparou a conduta dos lobistas à dos cracudos que pedem para pessoas decentes comprarem o leite das crianças. Ela tem razão; afinal, um jeito bem eficaz de tirar dinheiro dos outros é dizer que é para ajudar criancinha pobre. Depois o cracudo revende o leite e o lobista faz a festa com a licitação.

E os movimentos liberais, hein?

Nas redes sociais, políticos do Novo, do MBL e a conta oficial do Livres têm defendido que Bolsonaro é mau como um pica-pau por não ter apoiado a Bolsa Absorvente da Dona Tabata. A Bolsa Modess seria super compatível com o liberalismo porque absorvente não é privilégio. E comida? Comida é mais importante que absorvente. Será então que o governo deveria abrir licitação de feijão pra distribuir?

Isso lembra o debate do início dos anos 2000 em torno do Bolsa Família. Quando Lula assumiu, queria implementar o Fome Zero, que coletava alimentos e os distribuía aos necessitados. O projeto acabou abandonado. Com a introdução dos economistas liberais por Palocci, Lula largou os economistas da Unicamp e adotou figuras como Marcos Lisboa, que cito: “José Márcio Camargo e Francisco Ferreira fizeram então a proposta de unificar todos os programas de transferência de renda [do governo FHC, tais como Bolsa Escola e Vale Gás] e distribuir os recursos para as famílias mais pobres com filhos na escola. No lugar de variados programas que subsidiavam o consumo de bens específicos [tais como a novidade da vez, que é o absorvente descartável], seria preferível transferir renda, dinheiro, diretamente às famílias extremamente pobres. Caberia a elas, então, decidir como melhor utilizar esses recursos para atender às suas necessidades. Foi esse o caminho afinal tomado pelo governo – o da unificação e focalização dos programas de transferência de renda –, apesar da oposição feita por muitos economistas e intelectuais ligados ao PT. O mérito por essa guinada é do presidente Lula, com o apoio decisivo do ministro Antonio Palocci. Eles souberam reformular a política social – e abraçar a agenda liberal – quando ficou claro o fracasso das propostas originalmente defendidas pelo PT, como Fome Zero e Primeiro Emprego. Nascia assim o Bolsa Família.”

A Bolsa Modess da Dona Tabata merece ser chamada de retrocesso. O Bolsa Família deu certo apostando na liberdade do pobre em escolher como gastar o próprio dinheiro, ao tempo que reduzia a burocracia. Desde a época do PT, as meninas pobres têm o dinheiro do Bolsa Família para comprar absorventes. É claro que a mãe da menina vai saber melhor do que o Estado quantos pacotes a filha usa por mês e qual modelo é o seu preferido. (Com abas? Sem abas? Precisa de absorvente noturno ou o fluxo é pouco?) Agora, a menina pobre tem uma outra receita para comprar absorventes: o Auxílio Brasil, que Bolsonaro quer unificar com o Bolsa Família mantendo a filosofia liberal.

Em matéria de liberalismo, Tabata, o Novo, o MBL e o Livres estão mais perto de Maria da Conceição Tavares do que de Marcos Lisboa. Podem ir dar aula de economia na Unicamp e na UFRJ. Ou isso, ou sua atuação política é lobby disfarçado de preocupação com os brasileiros.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


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