O que o ex-presidente teria a
dizer a favor de si próprio? A primeira ideia que ocorre é lembrar um
tema que ele não vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção
A dificuldade de Lula é saber que ele não vai poder usar na disputa a 'pauta' da corrupçãoO ex-presidente Lula começa a armar a sua campanha para as eleições de 2022
e, naturalmente, tem diante de si o que deveria ser a pergunta-chave de
todo o candidato na hora da largada: o que eu vou dizer para o
eleitorado, de hoje até outubro do ano que vem? Não pode ser qualquer
bobagem. Vai ser preciso, na prática e no fim das contas, dizer coisas
que convençam o público de que ele, Lula, é melhor que o adversário, Jair Bolsonaro – sem isso, nada feito.
“A que novos desastres determinas de levar estes povos e esta gente?
(…)
Que famas lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?”
– Os Lusíadas, O Velho do Restelo
Se você fosse o Lula e se quisesse, como ele está querendo, ganhar a eleição de 2022 para ser presidente do Brasil
outra vez, seria preciso, tão logo possível, ter na ponta da língua uma
porção de coisas para dizer ao eleitorado. Muito bem: que coisas,
exatamente, você diria? É melhor não ir respondendo que “essa é fácil”,
porque não é fácil – na verdade, é uma complicação de bom tamanho. Muita
gente boa pode pensar que com um Jair Bolsonaro
no governo, qualquer um teria, já de cara, um monte de argumentos para
montar a sua propaganda eleitoral. Afinal, o homem não é o genocida?
Não
é o “miliciano” e sabe lá Deus mais quanta coisa horrível?
Não é o pior
presidente que o Brasil já teve em 132 anos de República? Se é mesmo
assim, qual é o problema?
Qualquer candidato vai dar um passeio nele,
não é mesmo?
Lula, então, que já está com 110% de votos no Datafolha,
nem precisa se levantar da cama. É só pensar um pouco, porém, e fica
claro que a coisa não é bem assim – na verdade, não é nada assim.
Os fatos, quando se olha com frieza
para eles, mostram o contrário do que dizem as teorias apresentadas
acima. O principal problema de Lula, que segundo a realidade visível é o
único candidato real da “oposição” para a eleição do ano que vem, é
justamente o contrário:
não tem o que dizer para os eleitores – não o
suficiente para demonstrar a eles que é melhor do que Bolsonaro para ser
o novo presidente do Brasil. Pode ser, é claro, que venha a ter
material de sobra para a sua campanha; essa vida costuma ser cheia de
novidades. Pode ser, até mesmo, que acabe nem sendo candidato, e que a
missão de derrotar Bolsonaro seja entregue a um outro qualquer – é
difícil, mas não é impossível. Mas, pelo que temos no momento, é isso:
Lula não tem muito o que declarar à população brasileira em sua campanha
eleitoral para 2022. Está “sem discurso”, como se diz nas mesas
redondas que os cientistas políticos fazem na televisão depois do
horário nobre.
Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem
Começando pelo começo: o que há, de
fato, para falar contra Bolsonaro se o seu problema é ganhar dele numa
eleição para presidente?
Esta deveria ser a cereja no bolo, ou o bolo
inteiro. Se Lula levasse a sério o que dizem a imprensa, os governadores
de centro e as classes intelectuais, estaria com a vida ganha;
Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma
mistura de Calígula com lobisomem – e um monstro desses não poderia
ganhar de ninguém.
Mas nada disso é cereja, nem bolo. O que a mídia, a
elite e a oposição vêm falando não tem tido efeito nenhum na situação
real do inimigo. Esqueça os “índices de popularidade” publicados pelos
“institutos de pesquisa”. O único índice que vale nesse negócio é a
capacidade de levar gente para a rua. Na última vez em que foi se medir
isso, deu mais de 200 mil pessoas na Avenida Paulista a favor de
Bolsonaro;
Lula e a esquerda não conseguiram juntar nem 10 mil
miseráveis gatos pingados no mesmo lugar na sua manifestação de
resposta.
Lula, aliás, nem apareceu na Paulista: o que mais se poderia
dizer em matéria de desastre com perda total?
Lula, com um olho só ou mesmo sem
nenhum olho, em geral enxerga o dobro do que a mídia, a elite e todos os
intelectuais de esquerda juntos; já sabe por intuição que não adianta
nada, para ele, ficar falando que Bolsonaro anda “sem máscara”, que
patrocina “rachadinhas” e que comanda milícias no Rio de Janeiro.
Sabe
que não rende coisa nenhuma, do ponto de vista eleitoral, atacar o
adversário porque ele foi contra o fechamento das escolas, disse que o
“fique em casa” estava destruindo empregos ou comeu pizza de pé em Nova
York.
Lula não acredita, ao contrário do que acham os jornalistas, que
Bolsonaro vai perder um único voto por ser inimigo declarado da
pedofilia e da abolição, nas escolas, das diferenças de sexo entre as
crianças.
Está convencido de que não lhe rendem nada as sucessivas
imagens, supostamente negativas, que socaram em cima do adversário:
homofóbico, perseguidor de quilombolas, racista, contrário à
distribuição de mais terras para os índios. Está convencido que a “CPI
da Covid”, em matéria de eleição, não vai beneficiar a sua candidatura
em absolutamente nada. Sabe muitíssimo bem que o apoio que recebe de
gente como Renan Calheiros é imprestável – o que ele vai fazer com isso numa campanha eleitoral?
Parece haver uma esperança, no momento, na piora da economia
– se as coisas forem efetivamente para o diabo, com inflação de dois
dígitos, juros em escalada e recessão, além de mais desemprego, comércio
fechado e indústria quebrada, mais uma crise mundial para arredondar a
desgraça, é claro que vai sobrar espaço para se falar mal do governo.
Sempre há, também, as crises fatais fabricadas no complexo
mídia-Ministério Público-STF e redondezas, com denúncias que vão levar,
finalmente, à explosão da galáxia. Já se viu de tudo, aí. Houve a crise
do falecido ministro Gustavo Bebianno. Houve “o Queiroz”. Houve o “quem
matou Marielle?” Houve a “crise militar” na demissão do ministro da
Defesa e dos comandantes das Forças Armadas. Houve as brigas com os
ministros Barroso e Alexandre, com xingamento de mãe para baixo, ameaças
de deposição imediata do presidente por descumprimento de ordens do STF
e o drama terminal do “voto impresso”.
Houve pelo menos uma boa meia
dúzia de “golpes de Estado” anunciados, em modo de pânico, pela mídia,
pelo Psol e pela Rede Globo. Houve o anúncio de “cadáveres” na
manifestação do dia 7 de setembro em favor de Bolsonaro – ao final da
qual não se quebrou uma única vidraça. Agora fala-se das “contas offshore” do ministro Paulo Guedes
– e por aí iremos, até o dia da eleição. Sai alguma coisa de todo esse
angu? Sai, mas some. Em comum, entre todos os episódios citados acima,
há o fato de que estão mortos e sepultados no esquecimento. Alguém ainda
se lembra do voto impresso?
É limitado, assim, o que Lula pode
falar contra o governo – pois mesmo a crise econômica, que sempre é um
problemaço, exige que o sujeito tenha ideias melhores que o adversário
para resolver os problemas. Lula não tem ideia nenhuma ou, se tem, ainda
não contou para ninguém. Resultado: crise econômica, sozinha, não é
suficiente para ganhar eleição. E a favor de si próprio, então – o que
Lula teria a dizer?
A primeira ideia que ocorre é lembrar um tema que
ele não
vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção.
Candidato a
qualquer coisa, no Brasil, tem de se anunciar como um marechal-de-campo
da luta contra a ladroagem e os ladrões; sem isso, já se começa a
campanha perdendo de dois a zero. Agora, honestamente: dá para alguém
pensar a sério que Lula pode subir ao palanque em 2022 falando que ele,
Lula, vai combater a corrupção? Não – não dá.
Primeiro porque não vai
colar a tentativa de dizer que Bolsonaro é ladrão. Segundo porque Lula é
o último político neste país que pode falar sobre o assunto
roubalheira.
Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”
Não vai adiantar nada, a esse
propósito, Lula dizer que foi “absolvido” e que a sua “inocência” foi
“reconhecida” pela Justiça. Ele não foi absolvido de coisa nenhuma e
ninguém, nem no Judiciário brasileiro, diz que ele é inocente: tudo o
que os seus parceiros nas nossas cortes supremas fizeram foi dizer que
Lula deveria ser julgado em outro lugar, e que o todo processo teria de
começar de novo.
De qualquer jeito, a última coisa que um cidadão
decente pode querer no Brasil de hoje, sobretudo se for candidato a
alguma coisa, é dizer que “o Supremo” está a favor dele. Supremo? Deus
me livre. Quanto menos Lula falar no assunto, melhor para ele – ou menos
pior.
E além da luta contra a corrupção – o
que Lula poderia dizer de bom a respeito de si mesmo e sua capacidade
de governar? Também aí é jogo duro. Ele legou o Brasil a Dilma Rousseff.
Na economia, os seus momentos de crescimento foram voos de galinha.
Bolsa Família? A de Bolsonaro está dando mais dinheiro. A educação
pública, que deveria ocupar as dez prioridades de qualquer governo que
se diz “popular”, foi uma calamidade: era péssima quando assumiu, estava
pior quando saiu. O episódio mais marcante na área da saúde, em seu
governo, foi o da Máfia dos Vampiros, criação da companheirada para
roubar sangue dos hospitais públicos. O segundo, depois desse, foi a
importação dos médicos cubanos para trabalhar em regime de
semiescravidão.
Durante os oitos anos em que
ficou no Palácio do Planalto, o Brasil foi governado por empreiteiros de
obras públicas que a Operação Lava Jato imortalizou, e por banqueiros,
de esquerda e de direita, a quem obedeceu do primeiro ao último dia. Lula
vai ter de jogar todas as suas esperanças nas mágicas do marketing
eleitoral. Na última vez, com o seu “poste” de 2018, não deu certo. Ele
reza, agora, para que volte a dar.
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