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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Uma facada na democracia - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

O Brasil se tornou uma distopia. Quem poderia imaginar que as páginas de ficção de 1984, escritas por George Orwell em 1949, se tornariam o cotidiano do brasileiro em 2022? 
Ministros do TSE, durante sessão que ampliou os poderes da Corte no combate à suposta 'desinformação' nas eleições - 20/10/2022 | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Ministros do TSE, durante sessão que ampliou os poderes da Corte no combate à suposta 'desinformação' nas eleições - 20/10/2022 | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE 

Depois de vivermos tempos sombrios durante a pandemia, quando duas semanas até achatar a curva” se tornaram dois anos de opressão, coação, tirania e insanidade promovidos por governantes, legisladores e até juízes no Brasil e no mundo, agora o brasileiro ganha a versão estendida de um cenário de ações e medidas só vistas em ditaduras e regimes totalitários. 

Já durante a pandemia, o Brasil pôde sentir o gostinho das canetadas inconstitucionais que viraram febre em nove entre dez juízes, magistrados e projetos de tiranetes. Mas não parou por aí. 
O preço do silêncio de muitos diante de incontáveis atos de claro desrespeito à nossa Constituição não ficou apenas nos históricos anos de 2020 e 2021. 
Totalitarismo e tirania, pilares de ditaduras, não são implantados da noite para o dia, e o 2022 dos brasileiros, ano de eleição presidencial, seguiu as páginas distópicas de Orwell. 
Depois de sermos cerceados e guilhotinados por questionar um vírus que pode ter sido criado em laboratório, vacinas experimentais sendo forçadas na população, tratamento, lockdown e medidas restritivas inconstitucionais, fomos cerceados de questionar e debater medidas de maior segurança para o nosso sistema eleitoral.

O “Ministério da Verdade”, presente na ficção de Orwell e transportado para a nossa realidade em assustadora velocidade, vem ditando há mais de dois anos o que pode ou não ser debatido ou questionado no Brasil. A tirania do judiciário brasileiro que temos vivido através de ministros do STF e do TSE, que fere prerrogativas exclusivas do legislativo e executivo, deu passos gigantes nesta semana em direção ao absoluto totalitarismo.

Em algumas decisões para lá de autoritárias, ministros do (P)TSE/STF proferiram votos tão absurdos que ninguém precisa ser advogado ou jurista para entender a bizarrice das palavras ditas por aqueles que deveriam apenas aplicar o que já está escrito em nossa Constituição. 
Na toada que censurou veículos de imprensa como a Jovem Pan e a produtora Brasil Paralelo nesta semana, Alexandre de Moraes bradou as seguintes palavras em seu voto a favor da censura: “(o conteúdo) …é a manipulação de algumas premissas verdadeiras, onde se juntam várias informações verdadeiras, que ocorreram, e que traz uma conclusão falsa, uma manipulação de premissas”. Ou seja, você até pode estar diante de fatos verídicos e documentados nas páginas da história, mas o ministro achou melhor você não ver ou ouvir algo que — embora verdadeiro! — pode fazer com que você tire as conclusões erradas — leiam-se conclusões de que eles não gostam.  
Não pudemos questionar, debater e até opinar em 2020 e 2021. 
Em 2022, não podemos questionar, debater, opinar e concluir.
Alexandre de Moraes faz sinal de degola durante julgamento no TSE
Foto: Reprodução/TSE

O curioso é que no livro do próprio Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, no capítulo 12 podemos ler: “A liberdade de expressão e de manifestação de pensamento não pode sofrer nenhum tipo de limitação prévia, no tocante à censura de natureza política, ideológica e artística”. E continua: “A censura prévia significa controle, o exame, a necessidade de permissão a que submete, previamente e com caráter vinculativo, qualquer texto ou programa que pretende ser exibido ao público em geral. O caráter preventivo e vinculante é o traço marcante da censura prévia, sendo a restrição à livre manifestação de pensamento sua finalidade antidemocrática. O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia.”


                       Vídeo comprovando o sinal de 'degola' aos 40'

Para o caso da Jovem Pan, os comentaristas e o próprio noticiário foram proibidos de informar os brasileiros sobre os fatos que envolvem a condenação de Lula. Debates que permeiam o próprio campo jurídico no país sobre o assunto foram categoricamente suspensos. A emissora argumenta que a decisão da Corte Eleitoral foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade jornalística. “Não importa o contexto, a determinação do Tribunal é para que esses assuntos não sejam tratados na programação jornalística da emissora. Enquanto as ameaças às liberdades de expressão e de imprensa estão se concretizando como forma de tolher as nossas liberdades como cidadão neste país, reforçamos e enfatizamos nosso compromisso inalienável com o Brasil. Acreditamos no Judiciário, nos demais Poderes da República e nos termos da Constituição Federal de 1988. Defendemos os princípios democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e fazemos o mais veemente repúdio à censura”, diz o comunicado oficial da emissora que mais cresceu em audiência no último ano no Brasil.

O respeitado jurista Modesto Carvalhosa disse nesta semana que o TSE promove uma “censura prévia” à Jovem Pan, ao impedir que a emissora veicule determinados conteúdos sobre o ex-presidente Lula, como corrupção e condenações: “A medida feriu o artigo quinto da Constituição, inciso XIV, que assegura o acesso à informação a todos. Não temos um regime democrático efetivo, a partir da clara tendência do tribunal de defender uma das partes do candidato. E a Corte Eleitoral está fazendo isso de uma maneira grosseira e antijurídica. A censura é uma forma de impedir que os eleitores tenham acesso aos fatos. O resultado da eleição está maculado por esse ato de força do TSE contra um dos veículos de imprensa brasileiros”, afirmou Carvalhosa.

Em mais decisões tirânicas completamente desenfreadas, a ministra Cármen Lúcia, vetando a veiculação de mais um documentário da produtora Brasil Paralelo (Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?), ensaiou uma defesa da liberdade de expressão e de imprensa, mas acabou sucumbindo ao tosco corporativismo da Corte. Durante a votação que guilhotinou mais uma vez a liberdade de expressão, ela disse: “Não se pode permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil. Medidas como esta, mesmo em fase de liminar, precisam ser tomadas como algo que pode ser um veneno ou um remédio. Vejo isso como uma situação excepcionalíssima. Se, de alguma forma, isto se comprovar como desbordando para uma censura, deve ser imediatamente reformulada esta decisão”, completou. Apesar de sua declaração, Cármen Lúcia, que já bradou as “corajosas” palavras “cala a boca já morreu” para defender a liberdade de expressão, votou favoravelmente às restrições de veiculação do documentário. [confira o áudio e vídeo do voto da ministra, o qual  chamamos de 'voto envergonhado'.]Disse ser uma situação “excepcionalíssima” e que as determinações serviriam para assegurar a segurança do pleito. Segurança de quem?

Por que hoje a corte que deveria manter a ordem no país só consegue trazer caos e divisão?

Não custa trazermos, enquanto ainda podemos, parte da decisão do STF na ADI 4451, de 2018, quando a suprema corte no Brasil declarou inconstitucionais — por unanimidade — dispositivos da Lei das Eleições que vedavam sátira a candidatos. Curiosamente, todos os ministros seguiram o voto do relator — sim, Alexandre de Moraes —, segundo o qual os dispositivos violavam as liberdades de expressão e de imprensa e o direito à informação. Em um trecho do documento, a Corte decidiu: “São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, subordinação ou forçosa ou adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral”.

Tem mais.

“Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de Total visibilidade e possibilidade de Exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes.”

Não acabou, não.

O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional.

A cereja do bolo dessa votação, que pode ser encontrada no YouTube, é a declaração do atual traidor da Constituição e da pátria, Alexandre de Moraes. Na época, ele disse: “Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo, e querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional”.

O que mudou? Por que hoje a corte que deveria manter a ordem no país só consegue trazer caos e divisão? Diante de nossos olhos, a clara devoção não apenas a um corrupto condenado em três instâncias por magistrados apontados por esse mesmo político corrupto, mas a vontade de fazer parte de um projeto nefasto de poder.

A obra 1984, de George Orwell, foi publicada em 1949 como uma advertência contra o totalitarismo. Na Oceania de Orwell, um dos três estados totalitários em guerra perpétua (os outros dois são a Eurásia e a Lestásia), o território é governado pelo Partido, que controla tudo e que fez uma lavagem cerebral na população para uma obediência impensada ao seu líder, o Grande Irmão. 
O Partido criou uma linguagem propagandística conhecida como Novilíngua, destinada a limitar o livre pensamento e promover as doutrinas do Partido. 
Suas palavras incluem o duplipensar, crença em ideias contraditórias simultaneamente, que se reflete nos slogans do Partido: “Guerra é paz”, “Liberdade é escravidão” e “Ignorância é força”.
Livro 1984, de George Orwell, com os dizeres 
“Big Brother is watching you” (O Grande Irmão está te observando, 
em tradução livre) | Foto: Divulgação

Para quem não leu o livro, não espere mais nenhum segundo. Sem maiores spoilers, o herói do livro, Winston Smith, vive em uma Londres que ainda está devastada por uma guerra nuclear que ocorreu pouco depois da Segunda Guerra Mundial. Ele pertence ao Partido Externo (Outer Party) e seu trabalho é reescrever a história do Ministério da Verdade, alinhando-a com o pensamento político atual. 

No entanto, o desejo de Winston pela verdade e decência o leva a se rebelar secretamente contra o governo. Ele embarca em um caso proibido com Julia, uma mulher que pensa da mesma forma, e eles alugam um quarto em um bairro habitado por Proles. Winston também se interessa cada vez mais pela Irmandade, um grupo de dissidentes. Sem o conhecimento de Winston e Julia, no entanto, eles estão sendo observados de perto pelo Grande Irmão (Big Brother).

Quando Winston é abordado por O’Brien, um oficial do Partido que parece ser um membro secreto da Irmandade, a armadilha está armada. O’Brien é, na verdade, um espião do Partido, à procura de “criminosos de pensamento”, e Winston e Julia são eventualmente capturados e enviados ao Ministério do Amor para uma reeducação violenta. Algo como o atual “ódio do bem”. 
O aprisionamento, a tortura e reeducação de Winston que se seguiram destinam-se não apenas a quebrá-lo fisicamente ou fazê-lo se submeter, mas a erradicar sua independência e destruir sua dignidade e humanidade. 
Na Sala 101, onde os prisioneiros são forçados à submissão pela exposição aos seus piores pesadelos, Winston entra em pânico quando uma gaiola de ratos é presa à sua cabeça. Ele grita para seus algozes: “Faça isso com Julia!” e afirma que não se importa com o que aconteceria com ela. Com esta traição, Winston é libertado. Mais tarde, ele encontra Julia, e nenhum deles está interessado no outro. Em vez disso, Winston passa a amar o Big Brother que agora o protege.

Winston é o símbolo dos valores da vida civilizada, e sua derrota é um lembrete pungente da vulnerabilidade de tais valores em meio a estados todo-poderosos e totalitários, seja pelas mãos de presidentes, monarcas ou togados. A obra foi escrita como um aviso após anos de reflexão de Orwell sobre as ameaças gêmeas do nazismo e do stalinismo. Sua representação de um estado onde quem ousar pensar diferente e questionar será “premiado” com tortura, onde as pessoas são monitoradas a cada segundo do dia e onde a propaganda do Partido supera a liberdade de expressão e pensamento é um lembrete sóbrio dos males de governos irresponsáveis.

O presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), aproveitou o Bicentenário da Independência do Brasil para relembrar o atentado da facada que foi avo, em 7 de Setembro de 2018
Presidente Jair Bolsonaro, no momento em que levou uma facada -
Foto: Reprodução/Redes sociais
Em 2018 o então candidato Jair Bolsonaro levou uma facada e quase morreu. Quatro anos se passaram e, nesse período, demonizaram e desumanizaram um homem que foi eleito democraticamente e que jamais ousou rasgar uma página de nossa Constituição
Em 2020 e 2021, silenciaram o mundo “pela saúde”, “pelo bem coletivo”. Desumanizaram médicos, pais, cientistas, cidadãos.  
Guilhotinaram virtualmente todos aqueles que ousaram questionar o atual Big Brother.  
Em 2022, silenciaram brasileiros preocupados com nossas urnas, silenciaram empresários livres, prenderam e silenciaram parlamentares eleitos pelo povo, silenciaram um ex-ministro da Suprema Corte do Brasil que ousou dizer que Lula não foi inocentado
E agora silenciaram a imprensa.

Em 2022, a democracia no Brasil sofreu um duro golpe e corre risco de morte. Mas não se preocupem, a censura é “apenas por duas semanas”, só até achatar a curva.

Leia também “Lobos em pele de cordeiros”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 13 de julho de 2022

Conservadores de araque - Ana Paula Henkel

Boris Johnson anuncia sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, em Londres (07/07/2022) | Foto: James Veysey/Shutterstock
Boris Johnson anuncia sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, em Londres (07/07/2022) | Foto: James Veysey/Shutterstock

Para aqueles que, em tempos de calmaria ou de turbulência, se inspiram em ícones da humanidade, a pandemia de coronavírus trouxe mais do que perguntas, até hoje, sem respostas. O vírus que assolou o globo trouxe a certeza de que o mundo está profundamente carente do espírito de líderes que engrandeceram as páginas dos livros de história. De tempos em tempos, nomes são elevados ao cenário político global como potenciais faróis e defensores dos legados de Winston Churchill, Ronald Reagan, Margaret Thatcher e até mesmo o papa João Paulo II. No entanto, nossa realidade não vem mostrando diálogo com nossos desesperados anseios.

A eleição do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não foi diferente. Diante da ascensão ao cargo do comando político de uma das nações mais importantes do planeta, conservadores de todo o mundo vibraram com a possibilidade de uma correção na rota suicida que parte do mundo decidiu tomar elegendo líderes da esquerda radical globalista. Exímio estudioso e conhecedor da vida de Churchill, Johnson chegou a escrever um livro sobre a vida, o trabalho e as lições deixadas pelo líder britânico durante a Segunda Guerra Mundial: O Fator Churchill

No entanto, as similaridades com o antigo e fundamental primeiro-ministro do Reino Unido, que ajudou a libertar o mundo das garras nazistas, não vão muito além da palavra “conservador”. Boris Johnson acabou se tornando, de fato, a antítese dos caminhos tomados por Churchill. Caminhos pavimentados com ações que mostraram coragem e resiliência.

A renúncia de Boris Johnson, na quinta-feira, desnuda a hipocrisia de palavras tão usadas hoje em dia no debate raso na política como “esquerda x direita”, “conservadores x progressistas”, e assim por diante. Mas podemos ir além. A renúncia anuncia uma incerteza significativa para o Reino Unido, que desencadeará uma disputa de liderança dentro do Partido Conservador e levará a um novo primeiro-ministro em outubro, com uma provável eleição geral antecipada. Mas também expões as vísceras de líderes patéticos que se ajoelharam para a turba globalista com agendas perigosas que minam o poder dos cidadãos que não querem ver suas vidas governadas por burocratas em Bruxelas. O mandato de quase três anos de Johnson, que foi iniciado com o tão aguardado “Brexit”, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, terminou em absoluta desordem, depois que ele ameaçou um impasse com seu partido, após a renúncia de 42 secretários que consideraram sua posição “insustentável”.

Partygate
Ministros conservadores declararam que perderam a confiança no primeiro-ministro, depois que surgiram notícias de que ele havia elevado Chris Pincher, nome de peso de seu partido, a um poderoso cargo no governo, apesar das alegações de má conduta sexual. Mas esse não foi o único escândalo com o qual o governo de Johnson teve de lidar, foi apenas o último que os ministros puderam tolerar. Os eleitores britânicos ficaram diante de eventos devastadores para o partido de Johnson, hoje apelidados pela mídia como Partygate: festas e outras reuniões de funcionários do governo e do Partido Conservador realizadas durante a pandemia em 2020 e 2021, quando as restrições de saúde pública proibiram a maioria de reuniões e aglomerações de pessoas. Enquanto vários lockdowns no país estavam em vigor, as reuniões ocorreram na residência do primeiro-ministro localizada no famoso endereço 10 Downing Street, em seu jardim e outros prédios do governo.

Os escândalos das festas foram apenas a cereja de um bolo que já estava derretendo. Para o ex-assessor de Boris Johnson, Thomas Corbett-Dillon, o primeiro-ministro “esqueceu que é conservador”. Ele afirmou nesta semana que o primeiro-ministro foi sugado por uma agenda globalista: “O resumo da história é que elegemos Boris para ser o Trump britânico, para que ele ‘abalasse’ o sistema, para que ele pudesse fazer o Brexit acontecer, seguir com as vontades do povo; mas ele foi sugado rapidamente pela agenda globalista. Johnson passou muito tempo bajulando Macron e Merkel, e esqueceu que é um conservador. Ele foi um tirano nos lockdowns e com as políticas de vacinas experimentais obrigatórias. Ele virou um ‘woke’ e, em seguida, aderiu totalmente a essa ideia da Greta Thunberg de que o mundo está acabando, e se tornou em quem os conservadores jamais votariam”.

Em 2021, Boris Johnson enfrentou resistência sobre os planos de exigir vacinações em certos locais para conter a rápida disseminação da variante Ômicron, já que dezenas de legisladores de seu próprio Partido Conservador votaram contra a medida. Apesar da rebelião de cerca de cem parlamentares conservadores, os controversos “passaportes vacinais” entraram em vigor na Inglaterra, depois que o Partido Trabalhista, de oposição, apoiou a medida. A revolta inesperada por Boris dentro do partido deixou evidente o desconforto de alguns parlamentares do Partido Conservador sobre as regras que exigiam comprovação de vacinação ou teste negativo para as pessoas acessarem boates e outros locais. Johnson também apostou em uma campanha de vacinação de reforço, afirmando — sem um dado científico — que o reforço manteria o vírus sob controle e, assim, as restrições ao mínimo.

A disseminação da já fraca variante Ômicron em 2021 mostrou que o não tão conservador Boris Johnson usou e abusou de intervenções estatais draconianas. Nas ondas anteriores da pandemia, Johnson até resistiu e adiou mais do que os líderes europeus antes de impor restrições drásticas. Mas diante do escrutínio da casta globalista da Europa — não do povo —, o agora quase ex-primeiro-ministro se ajoelhou diante da gritaria anticientífica da turma de George Soros e companhia e, contrariando qualquer página de qualquer manual conservador, ficou com medinho do que falariam dele na hora do recreio. A rebelião dentro do partido contra a postura de Johnson foi tão expressiva que legisladores conservadores disseram que queriam que o Parlamento fosse retirado do recesso de Natal, em dezembro de 2021 para examinar quaisquer novas restrições que fossem introduzidas por ele. Tudo isso acontecia enquanto Downing Street quebrava as regras de lockdowns impostas por Downing Street realizando várias festas e reuniões.

Diante dos escândalos e da renúncia de Boris Johnson, conservadores espalhados pelo mundo, dentro de suas vertentes locais, mas conectados pela espinha dorsal dos princípios do conservadorismo, agora enfrentarão certa turbulência. O Partido Conservador da Grã-Bretanha foi atingido pela crise de confiança que tomou conta do primeiro-ministro, levantando questões sobre o dano de longo prazo que seu mandato causou ao partido e ao movimento como um todo. Ele deixará para seu sucessor, a ser escolhido nas próximas semanas, um desafio hercúleo. O próximo primeiro-ministro terá de reconstruir a confiança na integridade, na honestidade e na competência dos governos conservadores, enquanto enfrenta uma crise de custo de vida que já atinge muitos de seus principais eleitores.

Em movimento contrário às projeções das eleições de midterms nos EUA em novembro, projeções que mostram que os republicanos podem tomar com certa folga a liderança na Câmara e no Senado, as dificuldades de Johnson prejudicaram a posição do partido com o eleitorado conservador. Uma pesquisa da Savanta ComRes realizada de 1º a 3 de julho mostrou que 41% das pessoas votariam hoje nos trabalhistas em uma eleição geral e 32% nos conservadores. Mas nem tudo está perdido. O Partido Conservador é, historicamente, resiliente. Formado em 1834 a partir do antigo Partido Conservador (Tory Party), eles se apegarão no fato de o partido ser o mais antigo ainda existente, tendo seu principal pilar estabelecido na capacidade de se adaptar às mudanças do sentimento público e na sua eficiência em remover líderes que não têm mais a confiança do partido e dos eleitores em geral.

Vernon Bogdanor, cientista político e historiador, afirma que muitos dentro e fora do partido acham que a deposição de Johnson aumentará as perspectivas do partido nas próximas eleições gerais, que devem ser realizadas até o fim de 2024: “Na minha opinião, a mudança melhorará enormemente as chances dos conservadores nas próximas eleições”, diz o professor do King’s College London. Bogdanor defende a ideia de que, embora os oponentes do partido argumentem que os conservadores estão no poder desde 2010 e que a mudança é necessária, há um precedente para mudar um líder após um longo período no cargo e vencer uma eleição subsequente. Quando Margaret Thatcher foi destituída, em 1990, após 11 anos no poder, por exemplo, seu sucessor, John Major, obteve uma vitória surpreendente em 1992 em meio a uma recessão.

Assim como nos EUA, os conservadores representam uma ampla gama de opiniões dentro do partido. Na centro-direita, a tenda política abrange os que querem cortes de impostos radicais com os que competem com conservadores fiscais, comerciantes livres com protecionistas, liberais sociais com tradicionalistas e uma facção anti-União Europeia com aqueles que gostariam de consertar as relações com o bloco. O grande sucesso eleitoral de Johnson foi combinar o apoio ao seu partido em áreas suburbanas e rurais tradicionais com incursões em áreas pós-industriais onde o Partido Trabalhista dominava havia muito tempo. O que será crítico na corrida para seu sucesso serão a integridade e a reparação do dano à marca que o partido sofreu. E, embora a disputa pela liderança possa prejudicar o partido aos olhos do público, isso não é nada comparado ao dano que teria sido causado se Johnson tivesse permanecido no cargo.

Para o ex-líder do partido do Brexit, Nigel Farage, a renúncia de Boris Johnson como primeiro-ministro britânico estimulará uma “batalha pela alma do conservadorismo” no Reino Unido: “Eu acho que o que vai acontecer agora é que vai haver uma batalha pela alma do conservadorismo neste país. Johnson foi eleito como conservador, mas governou como progressista, com compromissos maciços com a agenda globalista ambiental e irreal, aumentou os impostos, aumentou o tamanho do Estado… Para muitos conservadores tradicionais, ele era irreconhecível como conservador, e agora ele terá aquela ala do Partido Conservador que era efetivamente dos sociais-democratas contra os conservadores mais tradicionais. E essa será a batalha. Eu simplesmente não sei o que pode acontecer. Tudo o que sei é que, se eu olhar para o mundo ocidental, seja na América, seja na Grã-Bretanha, Austrália, qualquer lugar, quando os partidos conservadores deixam de ser conservadores, eles perdem eleições. Acredito que este é um grande momento para o conservadorismo britânico. Haverá uma grande batalha de ideias nos próximos meses”. Apesar da grande crise, Farage é otimista: “Substituir Johnson também será uma oportunidade maravilhosa para o Partido Conservador redescobrir seu propósito. O fim do mandato de Boris Johnson como primeiro-ministro não é um desastre para o movimento conservador. É uma grande oportunidade e deve ser agarrada com as duas mãos”.

A figura de Boris Johnson é emblemática e hoje não é difícil apontar aqueles que usam as caixinhas ideológicas para vencer eleições, mas traem seus eleitores assim que estão no poder. Na teoria, querem ser Winston Churchill, mas não passam de um patético Justin Trudeau. Até no Brasil testemunhamos alguns que abusaram do crachá de conservador ou liberal, mas que administraram como verdadeiros globalistas com sua agenda devoradora de liberdades. Depois de serem destronados pela opinião pública, eles precisam admitir a saída da vida pública e a volta para a privada. Faz sentido.

Leia também “A nova histeria da esquerda”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Corrupção? Esquece - Lula está sem promessas e sem argumentos para derrotar Bolsonaro em 2022 - J. R. Guzzo

 Jovem Pan 
 

O  que o ex-presidente teria a dizer a favor de si próprio? A primeira ideia que ocorre é lembrar um tema que ele não vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção

 A dificuldade de Lula é saber que ele não vai poder usar na disputa a 'pauta' da corrupção

 O que Lula vai dizer para o povo?

O ex-presidente Lula começa a armar a sua campanha para as eleições de 2022 e, naturalmente, tem diante de si o que deveria ser a pergunta-chave de todo o candidato na hora da largada: o que eu vou dizer para o eleitorado, de hoje até outubro do ano que vem? Não pode ser qualquer bobagem. Vai ser preciso, na prática e no fim das contas, dizer coisas que convençam o público de que ele, Lula, é melhor que o adversário, Jair Bolsonaro – sem isso, nada feito.

“A que novos desastres determinas de levar estes povos e esta gente?
(…)
Que famas lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?”
– Os Lusíadas, O Velho do Restelo

Se você fosse o Lula e se quisesse, como ele está querendo, ganhar a eleição de 2022 para ser presidente do Brasil outra vez, seria preciso, tão logo possível, ter na ponta da língua uma porção de coisas para dizer ao eleitorado. Muito bem: que coisas, exatamente, você diria? É melhor não ir respondendo que “essa é fácil”, porque não é fácil – na verdade, é uma complicação de bom tamanho. Muita gente boa pode pensar que com um Jair Bolsonaro no governo, qualquer um teria, já de cara, um monte de argumentos para montar a sua propaganda eleitoral.  
Afinal, o homem não é o genocida? 
Não é o “miliciano” e sabe lá Deus mais quanta coisa horrível? 
Não é o pior presidente que o Brasil já teve em 132 anos de República? Se é mesmo assim, qual é o problema? 
Qualquer candidato vai dar um passeio nele, não é mesmo? 
Lula, então, que já está com 110% de votos no Datafolha, nem precisa se levantar da cama. É só pensar um pouco, porém, e fica claro que a coisa não é bem assim – na verdade, não é nada assim.
 
Os fatos, quando se olha com frieza para eles, mostram o contrário do que dizem as teorias apresentadas acima. O principal problema de Lula, que segundo a realidade visível é o único candidato real da “oposição” para a eleição do ano que vem, é justamente o contrário:  
não tem o que dizer para os eleitores – não o suficiente para demonstrar a eles que é melhor do que Bolsonaro para ser o novo presidente do Brasil. Pode ser, é claro, que venha a ter material de sobra para a sua campanha; essa vida costuma ser cheia de novidades. Pode ser, até mesmo, que acabe nem sendo candidato, e que a missão de derrotar Bolsonaro seja entregue a um outro qualquer – é difícil, mas não é impossível. Mas, pelo que temos no momento, é isso: Lula não tem muito o que declarar à população brasileira em sua campanha eleitoral para 2022. Está “sem discurso”, como se diz nas mesas redondas que os cientistas políticos fazem na televisão depois do horário nobre.

Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem

Começando pelo começo: o que há, de fato, para falar contra Bolsonaro se o seu problema é ganhar dele numa eleição para presidente? 
Esta deveria ser a cereja no bolo, ou o bolo inteiro. Se Lula levasse a sério o que dizem a imprensa, os governadores de centro e as classes intelectuais, estaria com a vida ganha; Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem – e um monstro desses não poderia ganhar de ninguém. 
Mas nada disso é cereja, nem bolo. O que a mídia, a elite e a oposição vêm falando não tem tido efeito nenhum na situação real do inimigo. Esqueça os “índices de popularidade” publicados pelos “institutos de pesquisa”. O único índice que vale nesse negócio é a capacidade de levar gente para a rua. Na última vez em que foi se medir isso, deu mais de 200 mil pessoas na Avenida Paulista a favor de Bolsonaro
Lula e a esquerda não conseguiram juntar nem 10 mil miseráveis gatos pingados no mesmo lugar na sua manifestação de resposta. 
Lula, aliás, nem apareceu na Paulista: o que mais se poderia dizer em matéria de desastre com perda total?
Lula, com um olho só ou mesmo sem nenhum olho, em geral enxerga o dobro do que a mídia, a elite e todos os intelectuais de esquerda juntos; já sabe por intuição que não adianta nada, para ele, ficar falando que Bolsonaro anda “sem máscara”, que patrocina “rachadinhas” e que comanda milícias no Rio de Janeiro. 
Sabe que não rende coisa nenhuma, do ponto de vista eleitoral, atacar o adversário porque ele foi contra o fechamento das escolas, disse que o “fique em casa” estava destruindo empregos ou comeu pizza de pé em Nova York. 
Lula não acredita, ao contrário do que acham os jornalistas, que Bolsonaro vai perder um único voto por ser inimigo declarado da pedofilia e da abolição, nas escolas, das diferenças de sexo entre as crianças. 
Está convencido de que não lhe rendem nada as sucessivas imagens, supostamente negativas, que socaram em cima do adversário: homofóbico, perseguidor de quilombolas, racista, contrário à distribuição de mais terras para os índios. Está convencido que a “CPI da Covid”, em matéria de eleição, não vai beneficiar a sua candidatura em absolutamente nada. Sabe muitíssimo bem que o apoio que recebe de gente como Renan Calheiros é imprestável – o que ele vai fazer com isso numa campanha eleitoral?
 
Parece haver uma esperança, no momento, na piora da economia – se as coisas forem efetivamente para o diabo, com inflação de dois dígitos, juros em escalada e recessão, além de mais desemprego, comércio fechado e indústria quebrada, mais uma crise mundial para arredondar a desgraça, é claro que vai sobrar espaço para se falar mal do governo. Sempre há, também, as crises fatais fabricadas no complexo mídia-Ministério Público-STF e redondezas, com denúncias que vão levar, finalmente, à explosão da galáxia. Já se viu de tudo, aí. Houve a crise do falecido ministro Gustavo Bebianno. Houve “o Queiroz”. Houve o “quem matou Marielle?” Houve a “crise militar” na demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas. Houve as brigas com os ministros Barroso e Alexandre, com xingamento de mãe para baixo, ameaças de deposição imediata do presidente por descumprimento de ordens do STF e o drama terminal do “voto impresso”. 
 
Houve pelo menos uma boa meia dúzia de “golpes de Estado” anunciados, em modo de pânico, pela mídia, pelo Psol e pela Rede Globo. Houve o anúncio de “cadáveres” na manifestação do dia 7 de setembro em favor de Bolsonaro – ao final da qual não se quebrou uma única vidraça. Agora fala-se das “contas offshore” do ministro Paulo Guedes – e por aí iremos, até o dia da eleição. Sai alguma coisa de todo esse angu? Sai, mas some. Em comum, entre todos os episódios citados acima, há o fato de que estão mortos e sepultados no esquecimento. Alguém ainda se lembra do voto impresso?
 
É limitado, assim, o que Lula pode falar contra o governo – pois mesmo a crise econômica, que sempre é um problemaço, exige que o sujeito tenha ideias melhores que o adversário para resolver os problemas. Lula não tem ideia nenhuma ou, se tem, ainda não contou para ninguém. Resultado: crise econômica, sozinha, não é suficiente para ganhar eleição. E a favor de si próprio, então – o que Lula teria a dizer?  
A primeira ideia que ocorre é lembrar um tema que ele não vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção. 
Candidato a qualquer coisa, no Brasil, tem de se anunciar como um marechal-de-campo da luta contra a ladroagem e os ladrões; sem isso, já se começa a campanha perdendo de dois a zero. Agora, honestamente: dá para alguém pensar a sério que Lula pode subir ao palanque em 2022 falando que ele, Lula, vai combater a corrupção? Não – não dá.  
Primeiro porque não vai colar a tentativa de dizer que Bolsonaro é ladrão. Segundo porque Lula é o último político neste país que pode falar sobre o assunto roubalheira.

Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”

Não vai adiantar nada, a esse propósito, Lula dizer que foi “absolvido” e que a sua “inocência” foi “reconhecida” pela Justiça. Ele não foi absolvido de coisa nenhuma e ninguém, nem no Judiciário brasileiro, diz que ele é inocente: tudo o que os seus parceiros nas nossas cortes supremas fizeram foi dizer que Lula deveria ser julgado em outro lugar, e que o todo processo teria de começar de novo. 

De qualquer jeito, a última coisa que um cidadão decente pode querer no Brasil de hoje, sobretudo se for candidato a alguma coisa, é dizer que “o Supremo” está a favor dele. Supremo? Deus me livre. Quanto menos Lula falar no assunto, melhor para ele – ou menos pior.

E além da luta contra a corrupção – o que Lula poderia dizer de bom a respeito de si mesmo e sua capacidade de governar? Também aí é jogo duro. Ele legou o Brasil a Dilma Rousseff. Na economia, os seus momentos de crescimento foram voos de galinha. Bolsa Família? 
A de Bolsonaro está dando mais dinheiro. A educação pública, que deveria ocupar as dez prioridades de qualquer governo que se diz “popular”, foi uma calamidade: era péssima quando assumiu, estava pior quando saiu. O episódio mais marcante na área da saúde, em seu governo, foi o da Máfia dos Vampiros, criação da companheirada para roubar sangue dos hospitais públicos. O segundo, depois desse, foi a importação dos médicos cubanos para trabalhar em regime de semiescravidão. 
 
Durante os oitos anos em que ficou no Palácio do Planalto, o Brasil foi governado por empreiteiros de obras públicas que a Operação Lava Jato imortalizou, e por banqueiros, de esquerda e de direita, a quem obedeceu do primeiro ao último dia. Lula vai ter de jogar todas as suas esperanças nas mágicas do marketing eleitoral. Na última vez, com o seu “poste” de 2018, não deu certo. Ele reza, agora, para que volte a dar.
 
J. R. Guzzo, colunista - Jovem Pan

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O senador da cueca e o STF

J.R. Guzzo, O Estado de S. Paulo

Senadores não têm condição para aprovar o licenciamento de uma carrocinha de milho verde; a ideia de que um conjunto desses possa aprovar os membros do STF, então, é simplesmente incompreensível

O Brasil está vivendo neste final de ano alguns espetáculos de intenso valor didático para as aulas de educação moral e cívica das nossas escolas. Através delas, os alunos que prestarem alguma atenção ao que o professor está falando – caso o professor esteja falando só o que é fato, sem inventar nada – vão aprender na prática o que significa uma coisa que os adultos chamam de “instituições”. No espetáculo do momento, a “Câmara Alta” (é como se diz) que representa os 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal tem um membro, justo o “vice-líder” do governo, que foi flagrado escondendo dinheiro na cueca – segundo as denúncias, dinheiro que roubou das verbas de combate à covid, como se roubava em outros tempos a caixinha de esmolas da igreja. 

É essa gente, que está de coração partido em seu apoio ao colega da cueca, que vai nomear sabem quem? O novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a máxima corte de Justiça da nação, que acaba de ser escolhido pelo presidente da República e que ficará atracado à sua cadeira até o remoto ano de 2047. Atenção: se não tivesse sido pego, o tal senador seria um dos 81 que votariam no preferido do presidente.

Pode? Não só pode, como deve – aliás, por força do que estabelecem as nossas “instituições”, não há nenhum outro jeito de se entregar o cargo para o homem. Qual é a moral – ou a cívica – de deixar uma decisão fundamental para o País, como o preenchimento dos 11 cargos do STF, abandonada ao capricho do presidente e à aprovação de uma das aglomerações de políticos mais desmoralizadas do planeta Terra – o Senado Federal do Brasil? Não é que os senadores sejam desmoralizados por causa de alguma “hostilidade” ao exercício “da política”, como dizem eles próprios e seus defensores. São assim por causa dos atos que praticam – como, por exemplo, esconder dinheiro roubado na cueca. Obviamente, não têm condição para aprovar o licenciamento de uma carrocinha de milho verde; a ideia de que um conjunto desses possa aprovar os membros do STF, então, é simplesmente incompreensível.

Já não bastaria esse próprio dr. Kassio Marques que o presidente Jair Bolsonaro indicou para o cargo – uma nulidade absoluta, que enfiou trechos plagiados de um colega em sua “tese” de doutorado numa faculdade portuguesa de segunda linha e cujo único mérito oficial para o cargo, segundo o próprio presidente, foi “tomar tubaína” com ele? Não, isso aí ainda é pouco, bem como o horror que o novo ministro tem de condenações por ladroagem. Foi preciso, também, enfeitar o bolo com a cereja do senador da cueca - esfregando na cara do público, bem agora, quem são os indivíduos que constroem o plenário do STF. É a “normalidade democrática”.

Você acredita que os demais senadores são muito melhores que o companheiro da covid? 
Quantos? Quais?
O novo magistrado do Supremo é o herói de um outro caso clínico do Senado  um senador que foi oficialmente denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo Ministério Público e cujo caso está sob a apreciação do STF - justamente do STF. É saudado por mais um caso extremo, o senador Renan Calheiros, como o homem que pode “salvar” o Brasil do “estado policialesco” em que estaria vivendo por causa dos processos judiciais contra a corrupção. Aí já é demais, até para os alunos do curso primário – mas, na vida real, ainda não é demais.

O Senado e as “instituições” estão indo ainda mais longe nessa marcha da insensatez; o senador pego em flagrante pediu o seu “afastamento" do cargo por “121 dias” – à espera de que até lá essa história já tenha caído em exercício findo, e ele fique de novo livre, solto e pronto para novos empreendimentos.  E quem é o “suplente”? O próprio filho do senador da cueca. Que tal? É um desses casos onde se junta o insulto à injúria. O “suplente” é uma das aberrações mais grosseiras da política brasileira – uma chave falsa para permitir que entrem no Congresso sujeitos que não receberam um único e escasso voto dos eleitores, como pode ser o caso do tal filho. Serve, também, para eleitos renunciarem aos mandatos e venderem seu lugar para milionários que não querem passar pelo perrengue de disputar uma eleição.

Os políticos dizem que é preciso substituir congressistas que, por alguma razão, deixem de exercer os seus mandatos. E por que não se faz uma nova eleição para isso? Afinal, votar é o dever mais sagrado que um brasileiro pode ter, segundo vive dizendo o “Tribunal Superior Eleitoral”. Ou, então, por que não se deixa o cargo simplesmente vago – que diferença iria fazer? 
Aliás: seria um a menos para roubar. Já é alguma coisa.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo 21 outubro 2020


domingo, 16 de dezembro de 2018

Cadê o Fabrício Queiroz?



Desde que o Coaf acendeu o sinal amarelo, Bolsonaro está dois lances atrasado 

Jair Bolsonaro lidou com a primeira crise do seu governo com uma mistura de onipotência e ingenuidade. Diante de um problema no qual ele e o filho Flávio (eleito senador) não são investigados ou acusados de coisa alguma, transformaram o silêncio em suspeita. 
[salvo improvável engano a legislação que fundamenta as atividades do Coaf não exige que o autor de uma movimentação considerada atípica, tenha que comparecer, sem intimação ou mesmo uma simples notificação, àquele Conselho ou a qualquer outro órgão e apresentar esclarecimentos.

Cabe ao Coaf, Ministério Público, Polícia notificar o autor da movimentação e intimá-lo para que preste esclarecimentos dentro de determinado prazo.
É assim que funciona em um 'estado democrático de direito'. 
Ao que nos consta, até o presente momento o Fabricio Queiroz não foi formalmente citado, intimado ou equivalente.

Sendo intimado é seu dever comparecer e fornecer os esclarecimentos e se estes forem considerados insuficientes cabe ao MP ou mesmo a Polícia Federal adotar as providências necessários, providência também válida se os esclarecimentos implicarem  qualquer outra pessoa, incluindo, sem limitar, integrantes da família Bolsonaro, devendo os implicados serem intimados  a apresentar esclarecimentos.
Se os esclarecimentos prestados não forem satisfatórios as autoridades competentes devem tomar as providência necessárias.

Se o ex-assessor não foi intimado ele não tem obrigação de comparecer ou de prestar qualquer esclarecimento e menos ainda aceitar ser entrevistado.

O mesmo vale para qualquer outro cidadão, incluindo qualquer um do clã Bolsonaro - o único erro dos Bolsonaros até o presente momento é prestar esclarecimentos que não estão, até o presente momento, obrigados a fornecer.]

Queiroz pediu demissão do gabinete de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, uma semana depois do primeiro turno. Ele teria feito isso para cuidar de sua passagem para a reserva. No mesmo dia, foi afastada sua filha Nathalia, que trabalhava com Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. (Fernando Haddad, derrotado na disputa pela Presidência, levantou a suspeita de que a surpresa do Coaf tenha chegado ao conhecimento de Bolsonaro, “no máximo, em 15 de outubro”.) [levantou a suspeita - o 'levantador de suspeita' é exatamente o candidato derrotado fragorosamente por Jair Bolsonaro. Esse individuo - que até hoje não se sabe suas fontes de renda, como suas viagens e outros gastos são bancados, que responde a 32 processos - tem alguma moral ou isenção  para levantar suspeita? 

(...)

Durante uma semana os Bolsonaro reiteraram sua confiança em Queiroz, e o senador eleito informou que ouviu dele “uma explicação plausível”. Apesar da plausibilidade do que ouviu o senador eleito, Queiroz manteve-se em silêncio e, pelo que se sabe, pretende falar ao Ministério Público nesta semana. Deixando-se de lado o piti do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que interrompeu uma entrevista ao ser questionado sobre o assunto, Bolsonaro foi onipotente e ingênuo ao supor que o silêncio de Queiroz poderia ser compensado por suas breves declarações. Tanto ele como o filho, repetiram que estão fora da investigação e quem tiver feito algo errado deverá pagar. Até hoje, a questão é só uma: Cadê o Queiroz? [um dos procedimentos que costuma ser adotado quando um cidadão é intimado, na forma da lei, para prestar esclarecimentos e não comparece, é  que seja conduzido coercitivamente, sendo válido até mesmo decretar sua prisão e não não se apresentando e/ou localizado, seja declarado fugitivo.
Até o presente momento nada disso ocorreu com Fabricio o que representa evidente indicio de que falta às autoridades motivação para que tais medidas sejam estabelecidas.]

(...)

Caneladas
A União Europeia nunca esteve disposta a fechar um acordo comercial com o Mercosul, e Bolsonaro presenteou-a com um álibi.
Em poucas semanas a França e a Alemanha afastaram-se das negociações atribuindo as dificuldades ao novo governo brasileiro.
Com um ministro da Economia dizendo que o Mercosul “não é prioridade” e um chanceler condenando o “globalismo”, a equipe de Bolsonaro pôs a cereja no bolo da Europa.
Na diplomacia da canelada, o Brasil entrou com a canela.
 
Dilma fala
A ex-presidente Dilma Rousseff deu uma entrevista ao repórter Leonardo Fernandes. Tratou de seu legado, da desigualdade social e das formas de oposição ao novo governo. Num momento de bom humor, disse que “a alegria é a forma básica de resistência”.

(...)

“Eu acho que esse vai ser um momento fundamental para se voltar a investir nas lutas fora da institucionalidade, na organização fora da institucionalidade. E dessa combinação entre a institucionalidade e as lutas fora da institucionalidade é que está o ‘X’ da nossa resistência. A luta das mulheres, dos trabalhadores, dos sem-terra, dos desempregados… É importantíssimo buscar organizar os desempregados porque hoje não há uma perspectiva que dê sentido para a luta deles. (...) Não basta só a luta institucional. Não basta só a organização de massa. Ela é crucial, mas não basta uma só, isolada da outra.”
“Fora da institucionalidade” pode significar muita coisa, inclusive nada.

(...)

Matéria Completa, Folha de S. Paulo