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terça-feira, 23 de novembro de 2021

O moderador - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia

Discrepâncias do Judiciário

Quem quer que leia a Constituição vai perceber que decisões da mais alta corte não estão batendo com o que está escrito na lei maior. Essas discrepâncias vinham sendo comentadas nesses últimos tempos como denúncia de que algo está errado. Em Lisboa, num simpósio jurídico, o ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, mostrou às claras o que vem acontecendo: o Supremo é o poder moderador da República. O poder moderador que tivemos foi na Constituição de 1824, em que o Imperador, estando acima dos poderes, poderia intervir em conflitos e manter a harmonia entre eles. Ele era o quarto poder. 
Se o Supremo, hoje, é o poder moderador, então ele abarca, ao mesmo tempo, dois poderes - mesmo sem ter, para isso, o voto que é a origem do poder.
Supremo Tribunal Federal julgou constitucionalidade da lei que conferiu autonomia ao Banco Central
Estátua em frente ao Supremo Tribunal Federal: ministro disse que Judiciário é o poder moderador.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Imperador não fazia ativismo político, não alterava a Constituição, não inventava leis nem mandava prender, como tuitou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Ademais, há registro algum na Constituição a erigir um poder moderador - como afirmou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis. O jurista Ives Gandra Martins, ao interpretar o art. 142 da Constituição, entende que esse poder é das Forças Armadas, como “garantia dos poderes constitucionais”. 
Não foi um ato falho do ministro Toffoli; afinal, ele estava falando de Lisboa para o Brasil; mais parece uma proclamação de que o poder moderador é o Supremo - embora sem apoio na Constituição e muito menos no voto.

Alexandre de Moraes corrige um dos absurdos da CPI da Covid

Qual a explicação para o fiasco das prévias do PSDB


Toffoli também afirmou que o sistema de governo no Brasil é o semipresidencialismo - embora ele tenha se referido ao adjetivo semipresidencial. Na terra de Camões poderia ser mais cuidadoso com a língua. Isso é verdade.  
A constituinte que acompanhei escreveu uma base de sistema parlamentar com uma emenda presidencial. 
E criou o seguinte princípio: o presidente, que tem a responsabilidade pelo governo, não tem os poderes para governar; o Congresso, que não tem essa responsabilidade, é que tem esses poderes. 
O presidente Sarney, no dia da promulgação, quando o entrevistei, disse: “Com esta Constituição, o Brasil fica ingovernável”. Ele foi o primeiro semipresidente. Nelson Jobim, que foi o relator executivo, me disse que os constituintes estavam sob a síndrome do autoritarismo, e enfraqueceram o chefe do Executivo.

É uma agressão à representatividade do povo, origem do poder, que o exerce diretamente ou por seus representantes eleitos, como está no primeiro artigo da Constituição. Ora, hoje, presidentes eleitos com mais da metade dos votos válidos nomeiam seus auxiliares e tomam decisões administrativas que têm sido vetadas pelo “poder moderador”. Não custa lembrar que no referendo pós-constituinte, o sistema presidencial teve 70% dos votos. O ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, ex-ministro do PT e ex-PCdoB, no seminário do Instituto Villas-Bôas, que conduzi sexta-feira, pregou um governo com presidente forte, com democracia “pois o Brasil não aceita ditadura de ninguém, de patrões ou trabalhadores, de militares ou do judiciário. Só democracia”. E democracia não comporta imperadores mandando nos poderes eleitos.

 Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 


sábado, 9 de outubro de 2021

Lula está sem promessas - J. R. Guzzo

Os fatos, quando se olha com frieza para eles, mostram o contrário do que dizem as teorias apresentadas acima. O principal problema de Lula, que segundo a realidade visível é o único candidato real da “oposição” para a eleição do ano que vem, é justamente o contrário: não tem o que dizer para os eleitores — não o suficiente para demonstrar a eles que é melhor do que Bolsonaro para ser o novo presidente do Brasil. Pode ser, é claro, que venha a ter material de sobra para a sua campanha; essa vida costuma ser cheia de novidades. Pode ser, até mesmo, que acabe nem sendo candidato, e que a missão de derrotar Bolsonaro seja entregue a um outro qualquer — é difícil, mas não é impossível. Mas, pelo que temos no momento, é isso: Lula não tem muito o que declarar à população brasileira em sua campanha eleitoral para 2022. Está “sem discurso”, como se diz nas mesas-redondas que os cientistas políticos fazem na televisão depois do horário nobre.

Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de

Começando pelo começo: o que há, de fato, para falar contra Bolsonaro se o seu problema é ganhar dele numa eleição para presidente? Esta deveria ser a cereja no bolo, ou o bolo inteiro. Se Lula levasse a sério o que dizem a imprensa, os governadores de centro e as classes intelectuais, estaria com a vida ganha; Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem — e um monstro desses não poderia ganhar de ninguém. Mas nada disso é cereja, nem bolo. O que a mídia, a elite e a oposição vêm falando não tem tido efeito nenhum na situação real do inimigo. Esqueça os “índices de popularidade” publicados pelos “institutos de pesquisa”. O único índice que vale, nesse negócio, é a capacidade de levar gente para a rua. Na última vez em que foi se medir isso, deu mais de 200.000 pessoas na Avenida Paulista a favor de Bolsonaro; Lula e a esquerda não conseguiram juntar nem 10.000 miseráveis gatos pingados no mesmo lugar, na sua manifestação de resposta. Lula, aliás, nem apareceu na Paulista: o que mais se poderia dizer, em matéria de desastre com perda total?

Lula, com um olho só ou mesmo sem nenhum olho, em geral enxerga o dobro do que a mídia, a elite e todos os intelectuais de esquerda juntos; já sabe por intuição que não adianta nada, para ele, ficar falando que Bolsonaro anda “sem máscara”, que patrocina “rachadinhas” e que comanda milícias no Rio de Janeiro. Sabe que não rende coisa nenhuma, do ponto de vista eleitoral, atacar o adversário porque ele foi contra o fechamento das escolas, disse que o “fique em casa” estava destruindo empregos ou comeu pizza de pé em Nova Iorque. Lula não acredita, ao contrário do que acham os jornalistas, que Bolsonaro vai perder um único voto por ser inimigo declarado da pedofilia e da abolição, nas escolas, das diferenças de sexo entre as crianças. Está convencido de que não lhe rendem nada as sucessivas imagens, supostamente negativas, que socaram em cima do adversário: homofóbico, perseguidor de quilombolas, racista, contrário à distribuição de mais terras para os índios. Está convencido que a “CPI da Covid”, em matéria de eleição, não vai beneficiar a sua candidatura em absolutamente nada. Sabe muitíssimo bem que o apoio que recebe de gente como Renan Calheiros é imprestável — o que ele vai fazer com isso, numa campanha eleitoral?

Parece haver uma esperança, no momento, na piora da economia — se as coisas forem efetivamente para o diabo, com inflação de dois dígitos, juros em escalada e recessão, além de mais desemprego, comércio fechado e indústria quebrada, mais uma crise mundial para arredondar a desgraça, é claro que vai sobrar espaço para falar mal do governo. Sempre há, também, as crises fatais fabricadas no complexo mídia-Ministério Público-STF e redondezas, com denúncias que vão levar, finalmente, à explosão da galáxia. Já se viu de tudo, aí. Houve a crise do falecido ministro Gustavo Bebianno. Houve “o Queiroz”. Houve o “quem matou Marielle?” Houve a “crise militar” na demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas. Houve as brigas com os ministros Barroso e Alexandre, com xingamento de mãe para baixo, ameaças de deposição imediata do presidente por descumprimento de ordens do STF e o drama terminal do “voto impresso”. Houve pelo menos uma boa meia dúzia de “golpes de Estado” anunciados, em modo de pânico, pela mídia, pelo Psol e pela Rede Globo. Houve o anúncio de “cadáveres” na manifestação do dia 7 de Setembro em favor de Bolsonaro — ao final da qual não se quebrou uma única vidraça. Agora fala-se das “contas offshore” do ministro Paulo Guedes — e por aí iremos, até o dia da eleição. Sai alguma coisa de todo esse angu? Sai, mas some. Em comum, entre todos os episódios citados acima, há o fato de que estão mortos e sepultados no esquecimento. Alguém ainda se lembra do voto impresso? 

É limitado, assim, o que Lula pode falar contra o governo — pois mesmo a crise econômica, que sempre é um problemaço, exige que o sujeito tenha ideias melhores que o adversário para resolver os problemas. Lula não tem ideia nenhuma ou, se tem, ainda não contou para ninguém. Resultado: crise econômica, sozinha, não é suficiente para ganhar eleição. E a favor de si próprio, então — o que Lula teria a dizer? A primeira ideia que ocorre é lembrar um tema que ele não vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção. Candidato a qualquer coisa, no Brasil, tem de se anunciar como um marechal de campo da luta contra a ladroagem e os ladrões; sem isso, já se começa a campanha perdendo de dois a zero. Agora, honestamente: dá para alguém pensar a sério que Lula pode subir ao palanque em 2022 falando que ele, Lula, vai combater a corrupção? Não — não dá. Primeiro porque não vai colar a tentativa de dizer que Bolsonaro é ladrão. Segundo porque Lula é o último político neste país que pode falar sobre o assunto roubalheira.

Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”

Não vai adiantar nada, a esse propósito, Lula dizer que foi “absolvido” e que a sua “inocência” foi “reconhecida” pela Justiça. Ele não foi absolvido de coisa nenhuma e ninguém, nem no Judiciário brasileiro, diz que ele é inocente: tudo o que os seus parceiros nas nossas cortes supremas fizeram foi dizer que Lula deveria ser julgado em outro lugar, e que todo o processo teria de começar de novo. De qualquer jeito, a última coisa que um cidadão decente pode querer no Brasil de hoje, sobretudo se for candidato a alguma coisa, é dizer que “o Supremo” está a favor dele. Supremo? Deus me livre. Quanto menos Lula falar no assunto, melhor para ele — ou menos pior.

E além da luta contra a corrupção — o que Lula poderia dizer de bom a respeito de si mesmo e sua capacidade de governar? Também aí é jogo duro. Ele legou o Brasil a Dilma Rousseff. Na economia, os seus momentos de crescimento foram voos de galinha. Bolsa Família? O de Bolsonaro está dando mais dinheiro. A educação pública, que deveria ocupar as dez prioridades de qualquer governo que se diz “popular”, foi uma calamidade: era péssima quando assumiu, estava pior quando saiu. O episódio mais marcante na área da saúde, em seu governo, foi o da Máfia dos Vampiros, criação da companheirada para roubar sangue dos hospitais públicos. [era ministro da Saúde o petista Humberto Costa, codinome 'drácula' e um dos assessores diretos dos senadores Aziz,  Calheiros e Rodrigues = donos da CPI Covidão.] O segundo, depois desse, foi a importação dos médicos cubanos para trabalhar em regime de semiescravidão. Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”. Durante os oito anos em que ficou no Palácio do Planalto, o Brasil foi governado por empreiteiros de obras públicas, que a Operação Lava Jato imortalizou, e por banqueiros, de esquerda e de direita, a quem obedeceu do primeiro ao último dia.

Lula vai ter de jogar todas as suas esperanças nas mágicas do marketing eleitoral. Na última vez, com o seu “poste” de 2018, não deu certo. Ele reza, agora, para que volte a dar.

Leia também “Quem está falando sozinho?”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


domingo, 25 de abril de 2021

Que Parlamento é este? - Percival Puggina


O ANIVERSARIANTE

Eu, porém, me sinto herdeiro dessa fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, com Camões, “o peito ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente, no retiro de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada e mal tratada Terra de Santa Cruz.

Há muitos anos assisti a um filme em que o personagem principal entrou numa confeitaria e encomendou um bolo de aniversário, bem enfeitado, que contivesse a frase “Feliz Aniversário”. No final do expediente, retirou o bolo, levou para casa, ajeitou-o metodicamente sobre a mesa e sentou-se para comemorar consigo mesmo.

Essa representação cênica de solidão e esquecimento me vem à mente quando cai a noite sobre este 22 de abril e a data passa longe dos registros e celebrações. Ontem fizemos feriado no separatismo mineiro representado pela execução de Tiradentes e, hoje, esquecemos do Descobrimento, malgrado seu belo registro oficial na Carta de Caminha.

O 22 de abril de 1500 representa, na História Universal, o ponto culminante de uma das mais significativas aventuras humanas. O Descobrimento do Brasil foi o mais bem sucedido empreendimento ultramarino português, a longa epopeia dos lusíadas, iniciada por Dom João I com a conquista de Ceuta em 1415.

Na gravação para a série “A última Cruzada” produzida pelo Brasil Paralelo, afirmei que as Grandes Navegações, no início do século XV, como aventura e ousadia, superam as viagens que ficaram conhecidas como a “Conquista do Espaço”. Estas, note-se, não envolviam superstições, contavam com excelente informação, base tecnológica e, salvo acidentalmente, não produziram vítimas. Viagens espaciais não justificam versos como os que Fernando Pessoa dirige ao mar salgado lembrando o pranto das famílias enlutadas: “Quanto de teu sal são lágrimas de Portugal!”.

A propaganda esquerdista, porém, intoxicou o Descobrimento. Desvirtuou os feitos portugueses como condição para a velha estratégia de suscitar sentimento de culpa, gerar dívidas e produzir forças antagônicas em ausência das quais se asfixia. Parece não haver mérito em o pequenino Portugal haver descoberto, povoado, protegido e defendido este imenso continente brasileiro contra cobiçosas invasões francesas, inglesas e holandesas.

A ocupação dita extrativista e aventureira da descoberta era chamada povoamento nos textos portugueses. Tratava-se de povoar um continente e os portugueses foram ativos nessa tarefa, originando um fenótipo que hoje corresponde a 33% da população brasileira. Contudo, os descobridores desrespeitaram condições essenciais para que esse quase inacreditável feito merecesse reconhecimento dos lixeiros da história. D. João III e seus sucessores não eram comunistas. 
As caravelas portuguesas não traziam a bordo sociólogos, antropólogos, assistentes sociais, ambientalistas e psicólogos
Os donatários das capitanias hereditárias não eram sem-terra. 
Não duvido de que até as posteriores senzalas seriam bem-vistas se se chamassem gulags.
A ideologização da história do Brasil, toda ela concebida segundo uma teoria dita “crítica”, acabou por comprometer o amor à Pátria no coração de muitos brasileiros. 
Mesmo entre os católicos não falta quem considere o Descobrimento e a subsequente obra de evangelização como o assassinato de uma cultura.  
E isso persiste mesmo depois de o Papa haver canonizado o padre José de Anchieta por haver exercido com sabedoria e discernimento seu sacerdócio entre os nativos.

Eu, porém, me sinto herdeiro dessa fé, dessa história e dessa cultura. Louvo, como Camões, “o peito ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram”. Por isso, discretamente, no retiro de minha casa, nesta noite de outono, brindo o aniversário de minha amada e mal tratada Terra de Santa Cruz.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

sexta-feira, 8 de março de 2019

Militares viraram a tecla SAP de Jair Bolsonaro


As manifestações de Jair Bolsonaro instilam na alma do brasileiro uma sensação insuportável de exílio, uma brutal nostalgia do Brasil. Todos sabiam que o presidente da República não fala as línguas de Dante, Goethe e Shakespeare. Mas ninguém imaginava que estivesse desaprendendo a de Camões. Expressa-se num idioma muito parecido com o português, uma espécie de bolsonarês. Para compreendê-lo, tornou-se imperioso esperar pela tradução dos militares.



No original, Bolsonaro virou um outro nome para controvérsia. Ele vai de uma polêmica a outra sem a concessão de um entreato para que a plateia tome fôlego. Com naturalidade hedionda, pula do 'golden shower' para a democracia relativa, que "só existe quando as Forças Armadas assim o querem". Não há nota oficial ou esclarecimento capaz de acompanhar a fecunda loquacidade do capitão. A nota do porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, sobre o apreço de Bolsonaro pelo Carnaval mal conseguira sedar o noticiário da véspera e o chefe do GSI, general Augusto Heleno, já teve de levar a cara às redes sociais para traduzir um Bolsonaro que estava ao seu lado. 

O presidente perguntou se Heleno enxergara alguma polêmica em suas declarações sobre democracia. E o general: "É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que [os militares] continuem a fazer o papel que vêm fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade." Numa transmissão ao vivo na página de Bolsonaro no Facebook, Heleno culpou a imprensa pela eletrificação do noticiário. "Tentaram distorcer isso como se [a garantia da democracia] fosse um presente das Forças Armadas para os civis. Não é nada disso."

Mais cedo, outro general, o vice-presidente Hamilton Mourão, também atribuíra os ruídos à incapacidade dos jornalistas de compreender o bolsonarês. "Está sendo mal interpretado. Ele falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí." Quando você assiste a um filme pela televisão, pode escolher entre ouvir o som dublado ou apertar a tecla SAP, para escutar a fala dos atores no original —normalmente em língua inglesa. No enredo estrelado por Bolsonaro, os militares viraram uma espécie de tecla SAP do presidente da República. Vale o que eles dizem na dublagem, não o que se ouve no original. Com dois meses de governo, o que Bolsonaro balbucia já não se escreve. 

No seu 'Diário Intemporal', Mário da Silva Brito atribui a Monteiro Lobato a seguinte frase: "A pátria é o idioma, e só no idioma pátrio a gente pode pensar bem e dizer besteira."Pode-se dizer em bolsonarês as mesmas besteiras que seriam ditas em português. A diferença é que, na pátria em que os brasileiros estão momentaneamente exilados, Bolsonaro pensa mal. Frequentemente, ele envereda pela trilha do eufemismo. Cospe cacófatos em série. Abraça qualquer substantivo promíscuo que enxerga pela frente. Não consegue livrar-se das mordidas dos anacolutos. E desespera-se ao notar que chega sempre ao mesmo lugar-comum. Até os tradutores militares estão achando tudo muito monótono.

Blog do Josias de Souza 



As manifestações de Jair Bolsonaro instilam na alma do brasileiro uma sensação insuportável de exílio, uma brutal nostalgia do Brasil. Todos sabiam que o presidente da República não fala as línguas de Dante, Goethe e Shakespeare. Mas ninguém imaginava que estivesse desaprendendo a de Camões. Expressa-se num idioma muito parecido com o português, uma espécie de bolsonarês. Para compreendê-lo, tornou-se imperioso esperar pela tradução dos militares.... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/03/08/militares-viraram-a-tecla-sap-de-jair-bolsonaro/?cmpid=copiaecola... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2019/03/08/militares-viraram-a-tecla-sap-de-jair-bolsonaro/?cmpid=copiaecola

domingo, 2 de setembro de 2018

Quem entende o nosso hino da Independência?



Tanque de guerra em alemão é “Raupenschlepperpanzerkampfwagen”. Palavra difícil na aparência, mas simples quando entendida, como os leitores verão

[Gleisi Hoffmann em uma das suas derradeiras visitas ao seu 'líder supremo', presidiário Lula da Silva, recebeu do mesmo para revisar uma interpretação da matéria abaixo (POST transcrito do Blog do Augusto Nunes  - Veja).
O objetivo da interpretação é que o presidiário começa a perceber que seu tempo de reclusão será bem superior ao espero e sabedor  que presos que desenvolvem atividades na prisão ganham redução de pena resolveu envidar esforços na área que melhor domina: literatura.

Segundo o 'grande timoneiro' - pseudônimo que Lula pretende utilizar como pseudônimo na sua nova atividade de escritor e ao mesmo tempo homenagear o MAL SET UNG, o líder não informou se a tradução foi literal ou levou em conta a bondade, a generosidade,  do inspirador.] 



Eis uma coluna especial, bem diferente de todas quantas temos publicado neste espaço. Primeiramente convidamos os leitores a ouvir o Hino da Independência do Brasil. Calma, mesmo cantado em Português, está legendado:


O Acordo Ortográfico de 1990 foi sancionado pelo então presidente Lula, em 29 de setembro de 2008, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio, diante dos acadêmicos, em sessão solene, ao lado do então governador Sérgio Cabral, por ocasião dos cem anos da morte de Machado de Assis. O maior escritor do Brasil nasceu e viveu toda a vida no Rio de Janeiro. Quando o Acordo Ortográfico foi promulgado, o escritor estava morto há exatos cem anos, pois morrera em 1908, ano em que nascia João Guimarães Rosa, aliás.

Dez anos depois do memorável evento da promulgação do Acordo Ortográfico, a mão oculta do tempo impôs ao destino dos envolvidos outras peripécias. O presidente e o governador estão presos, condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. Quer dizer, houve Acordo Ortográfico, mas não houve Acordo Jurídico, nem com a Polícia Federal, nem com o Ministério Público, nem com juízes  e muito menos com a brigada da “Lava Jato”.

MATÉRIA COMPLETA, clique aqui


domingo, 7 de janeiro de 2018

Salvadores da pátria

O sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham

A face mais popular do iberismo no Brasil é o sebastianismo, um mito messiânico originário do desaparecimento do D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, a 4 de agosto de 1578. Menino ainda, assumiu o trono; o rei de Portugal morreu aos  24 anos e não deixou herdeiros. Em consequência, a primeira nação da Europa ocidental, que vinha de um exitoso ciclo de expansão marítima, mergulhou num período de frustração e desgoverno, sendo anexada pela Espanha em 1580. À época, o episódio personificou o mito do Encoberto, muito conhecido entre os cristãos-novos, por causa das profecias de Gonçalo Antônio Bandarra, um sapateiro de Trancoso, cujas trovas incomodavam a Inquisição:
“Augurai, gentes vindouras, / Que o Rei que daqui há-de-ir, / Vos há-de tornar a vir/ Passadas trinta tesouras. / Dará fruto em tudo santo, /Ninguém ousará negá-lo;/ O choro será regalo/ E será gostoso o pranto.”

Em sua defesa, Bandarra sustentou, perante os inquisidores, que havia se inspirado na Bíblia, ao ler os livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, que profetizavam a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça aos povos da terra. Esse foi o ponto de partida para criação do mito, que mais tarde seria acalentado nas obras de Camões, do padre Antônio Vieira e até mesmo de Fernando Pessoa, que invoca o velho sebastianismo para mexer com os brios dos portugueses, diante da decadência em que se encontrava o seu país na primeira metade do século passado, desencantado com a República e a humilhação perante a Inglaterra.

Essa profecia de regresso de um salvador da pátria acabou tendo forte influência no Brasil, sobretudo no Nordeste. Ariano Suassuna, em seu Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, reconfigura o mito: “Guardai, Padre, esta espada, porque um dia hei de valer dela com os Mouros, metendo o Reino pela África adentro Dom Sebastião I — ou Dom Sebastião, O desejado — Rei de Portugal, do Brasil e do Sertão”.  

Descreve o sangrento movimento messiânico do qual participaram os antepassados do personagem-narrador, Pedro Dinis Quaderna, por volta de 1830, na cidade de São José do Belmonte (PE). Depois de sonhar com dom Sebastião, o sertanejo João Antônio dos Santos fundou um movimento messiânico que culminou na morte de 80 pessoas. Em maior escala, o messianismo ressurgiria no Brasil com o místico Antônio Conselheiro, líder dos jagunços de Canudos, no interior da Bahia.

Alguns líderes políticos, de certa forma, encarnaram o sebastianismo ou desejaram fazê-lo. É o caso do líder tenentista Luís Carlos Prestes, que se tornou um mito político depois de percorrer cerca 25 mil quilômetros, em 11 estados, durante dois anos, com sua coluna que chegou a ter 1.200 rebeldes. Cerca de 200 homens cobriram todo o percurso até se dispersarem, uma parte na Bolívia, outra no Paraguai. A adesão de Prestes ao comunismo, porém, reposicionou e limitou sua liderança, que acabou suplantada pelo governador gaúcho Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, que governou o país por meio de uma ditadura, até 1945.

Espaço vazio
A legislação trabalhista e o salário-mínimo mantiveram inabalado o prestígio de Vargas após 15 anos de ditadura, possibilitando sua volta ao poder em 1950 pelo voto, embora o legado dele fosse além dessa fronteira, em razão da reforma do Estado e do seu papel na industrialização do país. Desde então, amalgamado ao populismo, o messianismo no Brasil tornou-se um fenômeno muito mais político do que místico-religioso, que sobrevive apenas nas festas populares, como nas Cavalhadas.

É nesse leito que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve sua base eleitoral, depois de governar o país por oito anos, com programas compensatórios como o Bolsa Família, que facilitam a construção da imagem de suposto “pai dos pobres”, ainda que sua estratégia de desenvolvimento tenha fracassado e levado o país ao desastre econômico no governo Dilma. Nem de longe se compara ao legado de Vargas.

Do ponto de vista da política, o sebastianismo é uma herança tão forte quanto o velho patrimonialismo das oligarquias brasileiras. Até caminham de mãos dadas, embora aparentemente se contraponham. As alianças de Lula no Nordeste são um bom exemplo disso. No Brasil meridional, porém, o fenômeno não tem a mesma intensidade. O divórcio entre a política e a sociedade está gerando um outro tipo de liderança, de viés conservador e autoritário, que preenche o espaço vazio, no caso, a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC), mas que também se apresenta como “salvador da pátria”.

Os demais candidatos a presidente da República, embora com uma trajetória política mais orgânica e institucional, enfrentam dificuldades para se colocar como real alternativa de poder. O divórcio entre o Estado e a sociedade e a desmoralização dos partidos em razão do envolvimento de seus líderes com a crise ética fazem com que, no âmbito da sociedade civil, muitos procurem um novo São Sebastião fora do mundo da política. A rigor, nada impede que isso ocorra, mas ninguém vai resolver os problemas do país com reza ou num passe de mágica.

Luiz Carlos Azedo Jornalista e comentarista político

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Enfim, temos governo

Duas boas notícias de Temer: há governo e o presidente fala a nossa língua. Mas elas não bastam..

Alvíssaras, brasileiros! Temos governo. Fazia muito tempo que administração não havia mais, pois, instalada no posto mais alto da República, com legitimidade garantida pela maioria dos votos válidos na eleição presidencial, Dilma Rousseff abusou de sua autoridade tentando forçar a própria permanência.
 
 Por determinação de 367 (71%) dos 513 deputados federais e de 55 (68%) dos 81 senadores, o vice Michel Temer tomou posse interinamente na Presidência e escolheu ministros que já começaram a tomar providências efetivas, anunciando a evidência de que, no mínimo, há uma gestão em marcha.

Com alívio, a Nação ouviu um chefe de governo que fala a língua de todos nós, o português cuidado com engenho e arte por Camões, Eça, Pessoa, Castro Alves e Machado. Pois é: nossa língua materna, em que os gerúndios têm dê, ou seja, andando, e não andano; os pronomes pessoais, mesmo nas formas coloquiais, devem ser usados corretamente (pra eu fazer, em vez de pra mim fazer); e adjetivos têm gênero, com mulheres falando obrigada, não obrigado, reservado apenas para emprego masculino. Ao discursar apresentando-se à Nação, Temer tratou as instituições e quem as ocupa em nome da cidadania com o devido respeito. E deu ao distinto público – escorchado por uma carga tributária indecente e afligido por crise moral, econômica e política como “nunca houve antes na História deste País” – esperança de que os cidadãos sejam tratados com decência. Não tendo de arcar com o ônus da desmoralização desta República desgovernada à matroca.

Dois dos ministros que assumiram autorizam a esperança de que, pelo menos, algo será feito para resgatar a fé e o respeito que o Brasil merece. Tendo presidido uma grande instituição financeira internacional e nosso Banco Central, com gestões que o fizeram gozar de boa fama nos mercados financeiros interno e externo, Henrique Meirelles, ex-tucano e várias vezes sugerido a Dilma por Lula para ocupar o lugar que assumiu, é o que se chama no turfe de pule de dez.

No Itamaraty, o senador José Serra (PSDB-SP) começou com o pé direito. Em plena turbulência causada pelo inconformismo dos derrotados no processo legal do impeachment, ele teve a serenidade e a ousadia de não deixar sem resposta a impertinente tentativa de intromissão em nossos assuntos internos feita por aliados bolivarianos no autoritarismo e no malogro econômico. Com sua tirania de 57 anos, que aprisiona adversários políticos e homossexuais, Cuba não tem autoridade para denunciar o tal “golpe jurídico-parlamentar”. Desde o golpe comunista do clã Castro, a ilha, sustentada antes pelo extinto império soviético e depois pela Venezuela, que não ampara mais ninguém, devia calar-se.
A dura nota do Itamaraty, repetindo o tom utilizado pelo ex-rei de Espanha Juan Carlos quando refutou a molecagem malcriada de Hugo Chávez – “por qué no te callas?” –, pôs em seu devido lugar o sucessor deste, Nicolás Maduro, e os aliados sul-americanos do Partido dos Trabalhadores (PT). Falta a Maduro um espelho no Palácio de Miraflores para ver a falência de sua gestão. E perceber que, tendo a Justiça a seus pés, não tem como criticar decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Pois este convalidou, com amplas maiorias e até unanimidade, o afastamento de sua comadre repetidas vezes, tornando lana caprina o uso de chicanas em sua defesa. Isso vale ainda para o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e o uruguaio José Mujica que já não é presidente nem, ao que se saiba, fala por Tabaré Vázquez.

Atitude corajosa, similar à de Serra, foi tomada pelo ministro da Educação e Cultura, deputado Mendonça Filho (DEM-PE). Ele enfrentou e calou baderneiros que foram desmoralizá-lo e saíram do confronto derrotados por sua argumentação lógica, lúcida, respeitosa à democracia e que deveria ser imitada em enfrentamentos públicos do tipo.

Recriar o Ministério da Cultura (MinC) ou subordinar a secretaria à Presidência seria recuo que dificultaria ao governo adotar as providências necessárias para desmontar o deletério legado da desastrada gestão petista nesses 13 anos e quatro meses e meio. O MinC foi uma má iniciativa de José Sarney para pôr ao menos um amigo no Ministério, então só composto por indicações do titular morto, Tancredo Neves. Um de seus ministros foi o economista Celso Furtado. Mas a biografia impoluta do grande mestre foi maculada por seu injustificável apoio à censura ao filme Je vous Salue, Marie (Ave, Maria[), de Jean-Luc Godard, imposta ao então presidente pela devota mãe, dona Kiola.

À exceção de Ipojuca Pontes, que ousou extinguir a Embrafilme e por isso é hostilizado, Antonio Houaiss e Francisco Weffort, a pasta foi sempre usada para uma ação entre amigos, à nossa custa. Lula e Dilma a aparelharam para servir ao PT e à indústria fonográfica. E a usaram para tungar direitos de nossos autores e aumentar os lucros das multinacionais da cultura e de artistas nativos que se beneficiam da “bolsa show”, sob as bênçãos de Xangô e do Senhor do Bonfim. Enquanto as traças devoram a Biblioteca Nacional e os museus sob sua égide se tornam inaptos para visitas públicas.

A Cultura é um detalhe simbólico, mas também relevante, tendo em vista as dificuldades com imagem do presidente em exercício. Urge ao governo-tampão evitar que Dilma e seus asseclas completem o desmanche do País, sob os aplausos dos decadentes aliados subcontinentais. Para tanto basta que os senadores contra seu afastamento cheguem a 25 (um terço de 81), três a mais do que os obtidos na votação da abertura do processo.

Essa tarefa não é impossível, mas fácil também não é. Dois passos são exigidos: demitir não 4 mil, mas todos os comissionados que for possível, para que não sabotem a gestão; e fazer de tudo para pôr de novo as contas públicas nos eixos. Esta luta terá de ser travada com lisura e na guerra pela paz.
 

Fonte: José Nêumanne - O Estadão