Rodrigo Constantino
Há um grave erro de percepção, em minha opinião, do Ocidente sobre a Rússia. A civilização ocidental, que já foi calcada em valores judaicos-cristãos que enalteciam virtudes como honra, sacrifício e fins mais elevados, tornou-se cada vez mais hedonista e materialista com o tempo - e a prosperidade. E seu grande pecado é a arrogância de acreditar que todos desejam as mesmas coisas.
A visão de que tudo se resume ao aspecto econômico está clara em todas as narrativas e medidas ocidentais, em especial por parte da esquerda "progressista". Suas lideranças acham que os problemas sociais são derivados sempre da pobreza ou da desigualdade, que o estado de bem-estar social cura tudo, e que a meta da humanidade toda é simplesmente melhorar a condição de vida, nada mais.
É por isso que vemos as sanções econômicas como reação automática sempre que um estado agressor joga fora das regras do jogo internacional. É por isso que democratas acreditam que podem comprar a paz no Irã. É por isso que esses ocidentais materialistas ficam perplexos quando enfrentam fanáticos dispostos a morrer por uma causa. O Ocidente não compreende mais a força de um propósito maior do que sobreviver e comer bem, não apreende o poder da ideologia.
O PIB da Rússia é similar ao do estado da Flórida, ou seja, do ponto de vista econômico, os russos não são expressivos no âmbito global. Não obstante, eles já fizeram parte de um império que ameaçava e assustava os Estados Unidos e o mundo. Putin já declarou inúmeras vezes que seu objetivo é justamente resgatar essa "grandeza da Mãe Rússia", retomar a influência do império soviético.
Putin é um autocrata, não liga para sensibilidades democráticas, não respeita ONGs de direitos humanos, não dá a mínima para pautas climáticas - ao contrário, explora a histeria ocidental nessa área para conquistar ainda mais influência e gerar dependência na Europa de seu gás. Putin é um ex-espião da KGB extremamente frio e focado, disposto a impor enormes sacrifícios econômicos ao povo russo se isso significar avanços nos anseios nacionalistas.
Nem todos funcionam sob a mesma lógica econômica e materialista dos hedonistas ocidentais. O russo em geral não quer apenas uma "dacha" maior, ou uma BMW nova. Muitos pensam dessa forma, claro, mas longe de ser a imensa maioria. Por isso Putin tem apoio popular em seu esforço de reconstruir o império soviético. É o coletivismo nacionalista que fala mais alto, a ideologia que traz uma sensação de propósito mais elevado aos seus adeptos.
Enquanto os líderes ocidentais acharem que todos são como eles, que a Rússia só quer mais prosperidade econômica, que a China só pensa em trocar de iPhone todo ano, que o Irã pode ser comprado com malas de dinheiro, os inimigos da civilização ocidental seguirão seu curso, enfraquecendo ainda mais o Ocidente.
É preciso tentar pensar como o adversário, não projetar nossos "valores" neles. Para um "progressista" ocidental, talvez uma casa maior seja tudo na vida; para um russo que apoia Putin, nada poderia ser menos relevante do que isso. Ele quer o respeito, ainda que pelo medo, ao que ele faz parte: uma nação poderosa, que intimide a maior potência mundial.
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