Antes que uma mazela social, a “explosão de criminalidade” é vista como um dos meios pelos quais a ordem opressora atual pode ser rompida, abrindo caminho para um futuro radiante
Lula, em caminhada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro | Foto: João Gabriel Alves/AGIF/Estadão Conteúdo
“Despertaremos por toda parte os germes da confusão e do mal-estar.
Que os traficantes de drogas se atirem sobre as nossas nações aterrorizadas!” (Louis Aragon, poeta e comunista francês, citado por Olavo de Carvalho)
“O PT tinha um diálogo com nóis cabuloso, mano”
(liderança do PCC interceptada pela Polícia Federal, em abril de 2019)
Um gráfico impressionante circulou nas redes nesta semana, com base em dados do Atlas da Violência produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ele mostra a série histórica de homicídios no país desde o momento em que o PT assumiu o governo até os dias de hoje. A partir do primeiro mandato do ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, o que se vê é uma tendência geral de aumento dos índices, movimento que culmina no alarmante número de 62.517 homicídios no último ano do governo de Dilma Rousseff.
A partir do impeachment da ex-presidente, quando então Michel Temer assume o cargo, inicia-se um movimento de queda vertiginosa nos números, movimento que continua e se intensifica no governo de Jair Bolsonaro, que adotou uma série de medidas mais duras no combate à criminalidade violenta.
Entre as várias causas possíveis para o fenômeno, gostaria de destacar aquela que, embora já houvesse sido diagnosticada por Olavo de Carvalho em um capítulo seminal de O Imbecil Coletivo, continua mal compreendida pelo público em geral. Chamo-a de banditismo estrutural. Sim, se a ideia esquerdista-identitária de “racismo estrutural” baseia-se numa falsificação completa da história e da sociologia brasileiras, o mesmo não se diga do conceito de banditismo estrutural, que decidi cunhar para caracterizar a relação frequentemente observável entre a ascensão da esquerda revolucionária ao poder e o aumento da criminalidade violenta.
Indecisos: vejam o que aconteceu com a taxa de homicídios no Brasil. Se vc for omisso depois nao pode reclamar se for@assaltado!! Taokay!!! pic.twitter.com/JAIYBtxk2S
— Marcos Bellizia (@BelliziaM) October 12, 2022
Essa relação, cujo marco simbólico, no caso brasileiro, é o pacto firmado entre criminosos comuns e guerrilheiros comunistas no presídio de Ilha Grande, na década de 1970, pode ser observada em uma série de episódios factuais recentes, com destaque para a preferência eleitoral do líder do PCC, a votação expressiva do candidato socialista nos presídios e a visita desse mesmo candidato ao Complexo do Alemão, ocasião na qual usou boné com a inscrição “CPX”, que os narcotraficantes costumam usar como emblema. Mas há também razões doutrinais históricas para o banditismo estrutural promovido pela esquerda. Senão vejamos.
E, de fato, a ideia do criminoso como revolucionário, como fator disruptivo da ordem burguesa opressora, transparece frequentemente em atos e palavras da nossa intelligentsia de esquerda. Essa romantização do bandido está no lema “seja marginal, seja herói”, de Hélio Oiticica, ou em filmes como O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. Em coisas como a sugestão de um conhecido jornalista de “dar voz aos bandidos” ou a apologia do assalto feita por uma conhecida “intelectual” petista. E na relação íntima de amizade entre um herdeiro milionário ultraesquerdista e um narcotraficante carioca.
Não raro, ocorre também de o banditismo estrutural manifestar-se mais diretamente na boca de algum esquerdista emocionado. Foi, por exemplo, o caso do blogueiro petista Eduardo Guimarães, que em 2018 postou em seu Blog da Cidadania: “A revolução está chegando, mas não será daquele tipo em que o povo se arma e marcha tal qual exército para cima dos opressores. A revolução se dará através da explosão da criminalidade. Será uma revolução de guerrilha. A justiça será feita nos semáforos, em cada esquina [sic]”. Na mesma linha, o blogueiro Anderson França, então colunista da Folha de S.Paulo, chegou a propor em suas redes sociais uma espécie de “frente ampla” reunindo a militância de esquerda e o Comando Vermelho.
Disse na época o extremista de esquerda (o mesmo que, há poucos dias, aliás, confessou seus desejos homicidas para com Bolsonaro, familiares e apoiadores): “Pense comigo que: a PM arrega pro crime [sic], mas bate em militante. Imagine o dia em que a militância fechar com o crime, APENAS PENSE [sic], a força do aço dos menino [sic], a disposição dos manifestante [sic]. CVRL e esquerda junto [sic]. Aliás, né? A História já conta. Eu fechava lindo nessa frente. LINDO [sic]”.
“Nos países atrasados e oprimidos, as circunstâncias são diferentes. O marginal, seja cafetão ou prostituta, pode ser arrancado da colaboração com a polícia e convertido em revolucionário”
Roberto Briceño-León, sociólogo e membro do Observatório Venezuelano da Violência, pesquisou a fundo as causas do fenômeno. Em artigo crucial sobre o assunto, publicado em 2006, León concluiu que a explosão de crimes violentos durante a vigência do regime chavista não era obra do caso, resultando, antes, de cálculo político e ação sistemática. Para que o leitor tenha ideia dos números, considere-se que, em 1998, durante a campanha eleitoral, 4.550 homicídios haviam sido cometidos na Venezuela. Em 2004, após seis anos de governo Chávez, esse número quase triplicara, passando a 13.288.
A taxa de homicídios por 100 mil habitantes, que em 1998 era de 19,5, saltou para 51 no ano de 2003 — um crescimento muito fora da curva. De um lado, a crise política impulsionara a criminalidade. De outro — eis o argumento central de León —–, o governo chavista agira deliberadamente no sentido de impedir o seu controle e repressão.
Nas palavras do autor: “Há políticas que favorecem a violência. Uma delas tem sido o descrédito sistemático ao qual foi submetida a polícia, e que levou tanto a uma campanha de agressões e desqualificações verbais, como a medidas de desarmamento dos funcionários. No ano de 2002, a emissora de televisão do governo transmitiu sistemática e repetidamente a promoção do filme venezuelano intitulado Disparem para Matar, como sempre fazem os canais de tevê quando estão preparando a audiência para uma estreia. Nas cenas escolhidas do filme para os comerciais, apresentava-se um oficial de polícia ordenando morbidamente a repressão em um bairro pobre; depois mostrava-se o crime cometido por um funcionário da polícia num rincão escuro; após um som estrepitoso do disparo, escutava-se o grito raivoso e longo da mãe da vítima que acusava os policiais: ‘Assassinos!’. Antes e depois da propaganda, agregavam-se frases políticas contra a oposição política ao governo”.
“Isso não parece ser casualidade” — continuava Briceño-León. “Não é de estranhar, então, que em 1999 se atingissem 5.974 homicídios, que no ano 2002 chegaram a 9.244 e que em 2003 superaram as 13 mil vítimas. Quer dizer, os homicídios triplicaram em seis anos da chamada ‘revolução bonita’”. E arriscava um prognóstico: “Num contexto de violência política como a que descrevemos, a violência delinquencial, a violência das gangues e da polícia tenderão a se intensificar de modo notável, pois os indivíduos violentos encontrarão um espaço de fácil atuação, e isso é o que já está acontecendo nestes últimos anos”.
Leia também “Bolsonaro e o bolsonarismo”
Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário