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sexta-feira, 12 de maio de 2023

A censura tem pressa. Eles vão tentar de novo - Silvio Navarro

 Revista Oeste

De volta ao poder, a esquerda tenta controlar a liberdade de expressão no Brasil pela terceira vez — a novidade é que agora tem um aliado supremo

 

Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Marcelo Camargo/Agência Brasil 

Quando chegou ao poder em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cercou-se de um grupo de petistas de confiança, apelidado de “núcleo duro” do governo. Todas as ações colocadas em prática saíram de reuniões com o chefe do time, José Dirceu; o bancário Luiz Gushiken, apelidado de China; o intelectual mineiro Luiz Dulci, professor de letras clássicas; Antonio Palocci (Fazenda) e Gilberto Carvalho, auxiliar de Lula em todas as horas.

Partiu desse grupo, com voto contrário de Palocci, a ideia de implementar um Conselho Federal de Jornalismo, destinado a regular os meios de comunicação — ou controlar “o que alguns profissionais e algumas empresas divulgam por interesse”, como disse Ricardo Kotscho, então secretário de Imprensa do Palácio do Planalto. 
O sindicato da categoria apoiava. Mas os veículos de mídia, não. 
Kotscho chegou a bater boca mais de uma vez com o colunista da Folha de S.Paulo Clóvis Rossi em artigos e num debate promovido pelo SBT. Rossi reclamava da “mania de achar que a sociedade precisa de tutela”. Houve pressão no Congresso Nacional contra a tentativa de censura. O projeto naufragou e, com o estouro do Mensalão logo em seguida, ninguém mais tocou no assunto.  
O então ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins (16/12/2010) | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Em 2010, a ex-presidente Dilma Rousseff tinha como um dos principais assessores o jornalista Franklin Martins, que como ela participou de grupos terroristas armados contra o regime militar. Martins redigiu um “anteprojeto de regulação da mídia” que previa a criação de uma agência de informação no Brasil, nos moldes da KGB soviética e da DGI (Direção-Geral de Inteligência) de Cuba. Dizia que era preciso “ter certo equilíbrio” no que veículos de mídia produziam, especialmente a Rede Globo, a revista Veja e os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo. Sem votos no Congresso, Dilma não levou o projeto adiante. Tempos depois, numa live durante a campanha do ano passado, Martins lembrou da história. “Por razões que um dia ela explicará, resolveu deixar o projeto na gaveta”, disse. Estava ao lado de Fernando Haddad e de outros petistas, que sugeriram tentar controlar a mídia outra vez se Lula fosse eleito.

As reações enfurecidas de Moraes contra as big techs passaram a dividir até jornalistas do autointitulado consórcio da imprensa. Aos poucos, alguns começam a questionar se esse autoritarismo não ultrapassou o limite das liberdades constitucionais

Eis que, de volta ao poder em 2023, Lula promove uma nova investida para tutelar a liberdade de expressão e de imprensa no país.  
A ideia é antiga, mas o cenário é completamente diferente. Em alguns aspectos, muito melhor do que ele poderia imaginar: a imprensa tradicional, sobretudo a Rede Globo, agora está do seu lado. 
Mas por que jornalistas defendem a mordaça contra o próprio trabalho? Duas respostas são possíveis: a primeira é que, diante da ruína financeira desde o advento das redes sociais, as grandes empresas de mídia pretendem cobrar dinheiro das chamadas big techs pela publicação dos seus conteúdos. Seria uma nova forma de financiar a velha imprensa tradicional. A segunda — e definitiva — explicação é que todos têm um inimigo em comum: o “bolsonarismo”, termo usado para desqualificar todos aqueles que não seguem a cartilha do “progressismo virtuoso”.

O escolhido para comandar o projeto de controle da informação — consequentemente, da internet — no Brasil foi o comunista Flávio Dino, ministro da Justiça e também responsável pelo controle das divisões de Inteligência e da Polícia Federal. Com estilo autoritário e fanfarrão, Dino é tão bem tratado pela velha mídia que se sentiu à vontade nesta semana para se declarar um super-herói do cinema.

Confesso que gostei. Sonhos de infância não morrem jamais. 😎🤣 pic.twitter.com/MuJ4nKXaGS— Flávio Dino 🇧🇷 (@FlavioDino) May 10, 2023

PL das Fake News | “Que imunidade é esta?”, questionou ⁦@FlavioDino⁩, ministro da ⁦@JusticaGovBR⁩, ao falar sobre a regulação das empresas de tecnologia na Comissão de Segurança Pública do Senado. Confira o que disse o ministro: pic.twitter.com/f1Bpd6xzQY— TV BrasilGov (@tvbrasilgov) May 10, 2023

A equação parecia perfeita para a esquerda, mas faltou um ingrediente crucial: os votos no Congresso, que dariam verniz democrático à censura. 
Pressionados pela opinião pública, os deputados não quiseram votar nem o PL 2630, de Orlando Silva, nem um “puxadinho” dele, o PL 2370, de Jandira Feghali — para remunerar artistas e o “jornalismo profissional” nas redes sociais. Os dois parlamentares foram escolhidos a dedo na minúscula bancada do Partido Comunista do Brasil. 
 
O aval supremo

O problema real nessa nova tentativa de mordaça contra a liberdade de expressão no país é que, desta vez, ela tem chance de prosperar. 
E isso não tem nada a ver com a truculência de Flávio Dino e seus auxiliares, nem com a histeria do senador Randolfe Rodrigues ou da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ou com alguns analistas da velha mídia. O projeto tem o aval do Supremo Tribunal Federal (STF), que se autoproclamou Poder Moderador do Brasil, segundo o ministro Dias Toffoli. “Nós já temos um semipresidencialismo com um controle de Poder Moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia” (Dias Toffoli, durante um fórum em Lisboa, em 2021)

A espada desse Poder Moderador que não existe desde a Constituição Imperial de 1824,
redigida em benefício de dom Pedro II, está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes. 
Há quatro anos, ele é o relator de uma série de inquéritos, que começaram com o tema de fake news, migraram para milícias digitais e se desmembraram em tantas pastas derivadas que ninguém mais sabe quantas são. Como também acumula a cadeira de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Moraes tem aplicado multas, censurado perfis nas redes sociais e determinado a prisão de quem comete alguma conduta passível de ser enquadrada num dos inquéritos.

A mais recente decisão de Moraes atingiu o Telegram, plataforma mundial de troca de mensagens concorrente do WhatsApp. Na quarta-feira 10, a empresa enviou aos usuários a seguinte mensagem: “O Brasil está prestes a aprovar uma lei que acabará com a liberdade de expressão. O PL 2630/2020 dá ao governo poderes de censura sem supervisão judicial prévia. Se aprovado, empresas como o Telegram podem ter que sair do Brasil”.

A mensagem deixou a esquerda furiosa. Randolfe e o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) compararam o Telegram ao nazismo.
 Mais uma vez Alexandre de Moraes entrou em campo.  
Num despacho que tem sete sinais de exclamação, parágrafos em letras maiúsculas e frases de efeito, ele ameaçou suspender a empresa de funcionar no Brasil, impôs multa de R$ 500 mil por hora em caso de insistência e mandou não só apagar a mensagem enviada, como publicar outra no lugar que ele próprio ditou. Dizia o texto: “Por determinação do Supremo Tribunal Federal, a empresa Telegram comunica: a mensagem anterior do Telegram caracterizou flagrante e ilícita desinformação atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2630), na tentativa de induzir e instigar os usuários à coagirem os parlamentares”. DECISAO-DE-MORAES
O Telegram já sofreu bloqueios ou foi banido em 11 países. Os casos mais agudos ocorreram nas ditaduras da China e de Cuba e no Irã. Houve problemas sérios com canais no Paquistão e na Rússia. Não há relatos de ameaça ao seu funcionamento em países como os Estados Unidos, o Reino Unido, o Japão, nem no eixo ocidental.

Diante desse cenário, as reações enfurecidas de Moraes contra as big techs passaram a dividir até jornalistas do autointitulado consórcio da imprensa. Aos poucos, alguns começam a questionar se esse autoritarismo não ultrapassou o limite das liberdades constitucionais. “Nenhum juiz é árbitro do debate público no País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional”, afirmou o editorial de O Estado de S. Paulo. Suas decisões tampouco são unanimidade no Ministério Público Federal — uma das principais críticas é a vice-procuradora Lindôra Araújo. Opinião do Jornal Estado de S. Paulo (4/5/2023) | Foto: ReproduçãoOpinião do Jornal Folha de S. Paulo (10/5/2023) | Foto: Reprodução

É absurda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)
, por meio do ministro Alexandre de Moraes, de obrigar o Telegram a retirar sua mensagem contra o Projeto de Lei (PL) 2.630, chamado PL das Fake News, e no lugar obrigar o aplicativo a assumir que sua mensagem anterior é… Merval Pereira (@mervalpereira) May 11, 2023

Imediatamente, Flávio Dino correu para o Twitter e escreveu que a Polícia Federal já estava a postos para tomar o depoimento dos representantes do Telegram e qualquer outra providência que Alexandre de Moraes pedir
Na quinta-feira, 11, deu ao menos três entrevistas. 
É possível que o ministro tenha percebido as reações nas páginas dos jornais. Flávio Dino está com pressa.

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Silvio Navarro,  colunista - Revista Oeste 
 


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