Silvio Navarro
Sem apoio no Congresso Nacional, Lula se associa ao Judiciário num autoritário projeto conjunto de poder
Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Lula | Foto: Montagem Revista
Oeste/Fernando Frazão/Agência Brasil/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock
Na última sexta-feira, 26, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva decidiu fazer um churrasco no Palácio da Alvorada, em Brasília. Chamou
para jantar alguns ministros com quem fala diariamente, como Rui Costa (Casa
Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), e os líderes das bancadas
do PT.
Em princípio, tratava-se de um encontro casual para desafogar as mágoas
depois de uma semana de derrotas no Congresso Nacional. Não fossem dois fatos:
a proibição da entrada com aparelhos celulares; e, lá dentro, estarem também os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de
Moraes, além de Ricardo Lewandowski, que acabou de se aposentar.
Segundo relatos publicados na imprensa, os convidados
disseram que, nesse encontro, foi debatida a escolha dos dois próximos
ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo.
Para a Corte
eleitoral, foram escolhidos os advogados Floriano Azevedo Marques e André Ramos
Tavares, ambos ligados a Alexandre de Moraes. Agora, com a composição completa,
o TSE vai julgar nos próximos dias um pedido de inelegibilidade de Jair
Bolsonaro e ações para cassar parlamentares aliados do ex-presidente.
Para o STF, já estava acertado o nome de Cristiano Zanin,
que defendeu Lula na Lava Jato. O petista queria apenas a bênção da dupla que
dá as cartas no Supremo. Alexandre de Moraes é quem comanda os inquéritos
perpétuos contra conservadores, tornou-se o ministro que mais prendeu
brasileiros na história da Corte e ainda chefia o TSE. Gilmar Mendes, antigo
desafeto pelas ligações com tucanos, caiu nas graças do PT por liderar a frente
“antilavajatista”, hoje majoritária, e os ataques ao ex-juiz Sergio Moro em
programas de televisão.
A naturalidade com que ministros do Supremo — que não só
julgaram casos da Lava Jato relacionados a Lula, como ainda vão analisar
possíveis temas de interesse do presidente — compareceram à festa chamou a
atenção até de jornalistas de esquerda. “A presença de ministros do STF no
churrasco causou surpresa e gerou debates sobre a independência e
imparcialidade do Judiciário”, afirmou o site Brasil 247.
Escolha de Zanin quebra princípio da impessoalidade https://t.co/wM8jofglNZ
— Míriam Leitão (@miriamleitao) June
1, 2023
Não foi a primeira vez que autoridades de Poderes
“harmônicos, porém independentes entre si”, conforme o artigo 2º da
Constituição, se misturam em convescotes. No ano passado, a cerimônia de
diplomação de Lula foi seguida de uma festa na mansão de outro advogado
antilavajatista, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay — famoso por
circular pelo Supremo trajando bermuda. Compareceram os ministros Alexandre de
Moraes, Lewandowski e Dias Toffoli — também ex-advogado do PT.
“Não é de hoje que o Judiciário conspurca sua já precária
reputação de isonomia mantendo relações esquisitas com o poder político e
econômico. Ora, no poder público, em especial no Judiciário, a compostura é
lei. Ela exige que os juízes sejam não só seus primeiros cumpridores, mas falem
apenas nos autos, sejam conscienciosos com os limites de suas funções, não
busquem holofotes nem usem o cargo para promover convicções pessoais. Não basta
ao Judiciário ser isento. É preciso parecer.”
(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)
Para que serve o Congresso?
Não bastasse a reabilitação jurídica que o levou da prisão
em Curitiba à Presidência da República, Lula tem hoje outros motivos para a
devoção aos ministros do STF.
O principal é que o Judiciário pode manter o seu
governo em pé por algum tempo se um processo de impeachment se tornar realidade
na Câmara. Isso ocorreria de duas formas: afastando por meio do TSE seus
opositores do jogo eleitoral — principalmente, Jair Bolsonaro — e interferindo
para reverter as derrotas no Congresso.
Nesse último caso, a fórmula já é bem
conhecida: sem votos, o PT e seus satélites acionam a Corte e forçam a
judicialização de assuntos interna corporis do Legislativo. Até agora, conseguiram
tudo o que pediram.
O próximo caso de intromissão do Judiciário no Legislativo
será o marco temporal sobre a demarcação de terras indígenas.
O governo e sua
tropa de choque na Câmara tentaram barrar a aprovação da medida provisória na
terça-feira, 30, mas perderam. O placar — 283 votos a 155 — também foi
simbólico.
Esse é o teto de votos, já com algum apoio no varejo, que Lula tem
hoje — ou seja, menos de um terço da Casa. Com esse número, não consegue fazer
nenhum projeto avançar.
Qual foi a saída adotada? Já bateram à porta do STF,
que vai analisar o caso em junho, segundo promessa feita pela ministra Rosa
Weber.
A única exceção ao fiasco do governo no Congresso foi o
chamado “arcabouço fiscal”, apelido da licença para o Executivo gastar.
Por que
a fórmula de gastos do ministro Fernando Haddad (Fazenda) passou pelo plenário
da Câmara com facilidade? Porque os deputados têm interesse no Orçamento da
União. Há uma fila de emendas parlamentares à espera de liberação nos
ministérios.
No caso dos deputados, a pressa é maior porque muitos vão se
candidatar a prefeito ou têm seus afilhados políticos nas eleições do ano que
vem — logo, o dinheiro vai financiar obras carimbadas nas cidades.
Foi o que aconteceu na quarta-feira, 31, data-limite para a
aprovação da medida provisória que define a estrutura da Esplanada dos
Ministérios. Se não fosse aprovada, Lula acordaria no dia seguinte com 24
pastas, e não com as 37 que nomeou.
A dissolução de um ministério inteiro por
falta de apoio no Congresso seria um revés inédito no país.
O governo abriu o
caixa e entregou numa canetada R$ 1,7 bilhão aos congressistas.
A medida provisória passou pelo Congresso por um triz. A
proposta do governo foi totalmente desfigurada, especialmente em áreas
ideológicas, como meio ambiente e questões indígenas.
O relator da MP, Isnaldo
Bulhões (MDB-AL), tirou poder das pastas de Marina Silva e da indígena Sonia
Guajajara e protegeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) dos
interesses do MST.
Pela manhã, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
comunicou a Lula, por telefone, que a articulação política do governo iria
falhar de novo — a exemplo do Projeto de Lei 2630, que trata da mordaça nas
redes sociais. O recado foi claro: nem a montanha de dinheiro em emendas resolveria
a falta de uma base sólida na Casa.
Lira, inclusive, manifestou sua
insatisfação pessoal com o fato de Lula manter o filho de Renan Calheiros, seu
maior inimigo, no Ministério dos Transportes. A briga com Renan escalou nesta
semana.
O senador acusou Lira nas redes sociais de bater na ex-mulher.
Ele
disse que Renan “é um psicopata”.
Lira chegou a afirmar que não trabalharia a serviço do
governo para aprovar a MP. “Não tenho como desempenhar o papel do governo para
conduzir as matérias dele. Há uma insatisfação generalizada dos deputados. Se
hoje o resultado não for aprovado, a Câmara não será responsável pela falta de
organização política do governo”, disse.
A votação na Câmara foi tensa e selada por ameaças nos
bastidores. “Não haverá mais nenhum tipo de sacrifício. Não aconteceu nada de
fora para dentro, nenhum acordo”, afirmou Lira.
“Foi o último voto de confiança do Congresso. Os líderes do
Centrão conseguiram convencer as suas bancadas que estavam decididas a derrotar
a MP”, afirmou Felipe Carreras (PSB-PE), líder do “blocão de Lira”. “Os recados
vêm sendo dados dia após dia, matéria após matéria. Esta Casa já se posicionou
de forma bastante firme em relação ao marco do saneamento. Depois, veio o marco
temporal. O governo procurou entender o que estava acontecendo na Câmara dos
Deputados? Não”, afirmou Elmar Nascimento (UB-BA).
O pano de fundo da votação, contudo, foi além de emendas ou
articulação política. Lira só decidiu jogar a toalha quando foi informado de
que o ministro Dias Toffoli liberou um processo contra ele que estava parado há
três anos no STF. Com isso, ele pode se tornar réu neste mês, o que levantaria
outro debate: se poderá ou não permanecer na linha sucessória presidencial — há
jurisprudência pelo afastamento da cadeira.
Na manhã seguinte, outra notícia o emparedou: a Polícia
Federal, comandada por Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), disparou uma
operação contra seus aliados regionais. Um antigo assessor foi preso em
Alagoas.
Companheiros de toga
Paralelamente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), parou o Senado para ajudar o Palácio do Planalto. A sessão da CPMI do dia 8 de janeiro, agendada para quinta-feira, 1º, foi cancelada, justamente quando o jornal O Globo revelou que o ex-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, falsificou um documento para esconder que sabia do risco de ataques em Brasília. Os senadores foram chamados para aprovar às pressas a medida provisória do ministério.
Pacheco, aliás, tinha mais uma tarefa: mandar o presidente
da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (UB-AP), preparar
uma sabatina para o futuro ministro do STF, o advogado Cristiano Zanin, com
quem ele jantara na véspera.
Apesar dos protestos generalizados nas redes
sociais e no Congresso contra a escolha do advogado e amigo pessoal, a nomeação
de Zanin está praticamente sacramentada. O STF passará a ter mais um
“antilavajatista” declarado ao lado de Mendes, Toffoli e Moraes.
É alvissareira a notícia de que o nome do brilhante advogado
@Cristianozaninm
foi encaminhado à apreciação do Senado Federal. O Dr. Zanin sempre demonstrou
elevado tirocínio jurídico em sua trajetória profissional.
— Gilmar Mendes (@gilmarmendes) June
1, 2023
Nesta sexta, 2, Lula encerrou mais uma péssima semana com
derrotas no Congresso, perdeu o apoio que mantinha na imprensa tradicional —
especialmente por causa da recepção ao ditador venezuelano Nicolás Maduro — e
tem duas CPIs duras pela frente: a do 8 de janeiro, com seu guarda-costas,
general Dias, enrolado até o pescoço, e a do MST.
Ainda não se sabe se ele vai
reunir novamente a bancada da toga no Palácio da Alvorada.
Ou nós fazemos algo agora ou a democracia vai ser
assassinada. Quando a doença é grave, o tratamento também é muito sério. Só o
Senado, unicamente o Senado, pode e deve fazer algo para frear alguns Ministros
do Supremo Tribunal Federal.
. #STF
#Senado
#Democracia
pic.twitter.com/5SOSQZQPF3
— Plínio Valério (@PlinioValerio45) May
31, 2023
Leia também “Anão
diplomático”
Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste
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