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quinta-feira, 23 de junho de 2016

Delação à vera

Investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES

O empresário norte-americano Percival Farquhar (1864-1953) foi uma das figuras mais controvertidas da história econômica do Brasil. Natural da Pensilvânia, formou-se em engenharia na Universidade de Yale e tornou-se um magnata dos transportes, da energia e da mineração no começo do século passado. Seu império incluiu os bondes em Nova Iorque, a Companhia de Eletricidade de Cuba, ferrovias na Guatemala e minas na Europa Central. Na Rússia, negociou seus investimentos nesses setores pessoalmente com Lênin, para quem "o socialismo era a eletrificação". Entre 1905 e 1918, foi o maior investidor privado do Brasil.

Seus interesses por aqui surgiram após a anexação do Acre, por causa da borracha. Construiu o porto de Belém e a famosa estrada Madeira-Mamoré. No ramo ferroviário, adquiriu o controle e concluiu as ferrovias São Paulo-Rio Grande, Sorocabana e Vitória-Minas. Explorou as jazidas de ferro de Itabira (MG) e implantou uma siderúrgica em Santa Cruz (ES), negócios que deram origem à Companhia Vale do Rio Doce. Amante dos bons restaurantes e hotéis, construiu em São Paulo a Rotisserie Sportsman, para o qual contratou o chef Henri Galon, do famoso Elisée Palace Hotel de Paris. Na mesma época, deu início à construção do balneário de Guarujá, onde comprou e reformou o Grande Hotel de La Plage.

Farquhar rivalizou em ambição e audácia com o Conde Francisco Matarazzo e com Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá. Foi à falência duas vezes, na I Guerra Mundial (1014-1918) e no Grande Recessão de 1929. Quem lhe deu o golpe misericórdia foi o presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), ao estatizar suas propriedades. Sua história nos remete ao empresário falido Eike Batista, cujo império desmoronou, mas não é dele que estamos falando. Nosso personagem é outro candidato à ruína espetacular: o empresário Marcelo Odebrecht, o ex-presidente da maior empreiteira do país, que negocia sua delação premiada e promete entregar todos os políticos que receberam dinheiro da sua companhia, na tentativa desesperada de salvar os negócios da família no Brasil, na África e na América Latina.

Ontem, Camilo Gornarti, responsável pela informática utilizada pelo "setor de propina" da Odebrecht, afirmou à Justiça Federal que o servidor do sistema ficava na Suíça "por questões de segurança". A existência do mesmo havia sido revelado por Maria Lúcia Tavares, que era responsável dentro do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht por gerenciar requerimentos de propina e repassá-los aos entregadores, que por sua vez fariam chegar os recursos aos destinatários finais. As comunicações eram feitas através de um sistema de intranet chamado Drousys. Marcelo Odebrecht resolveu "profissionalizar", "modernizar" e "globalizar" o esquema da propina.

Cervejaria
Gornarti é testemunha de acusação contra o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht e o publicitário João Santana, que teria recebido dinheiro de caixa dois no exterior, em pagamento da campanha de Dilma Rousseff, com base em acerto feito entre a presidente afastada e o empresário preso em Curitiba. Segundo ele, o sistema funcionou entre os anos de 2008 e 2014. Quando foi bloqueado pelo Ministério Público federal, um novo sistema foi criado na Suíça e esteve operacional até dois meses atrás. Em sua defesa, Santana alegou que os recursos obtidos no exterior tinham origem nas campanhas eleitorais que fez vários países, como Angola, Argentina, Equador e República Dominicana. Outras delações e informações obtidas nas investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES.

Outro delator, Vinícius Veiga Borin, revelou a existência de um banco para operar o esquema da propina. Para fazer as operações financeiras no exterior, um grupo de funcionários da Odebrecht teve a ideia de comprar 51% do Meinl Bank Antigua, um banco austríaco que tinha uma filial sem atividade em Antígua. Foram acertados pagamentos de US$ 3 milhões e mais quatro parcelas anuais de US$ 246 mil para a compra de 51% do Meinl Bank Antiqua. Essa sociedade foi dividida em três partes: uma para Borin e seus sócios, uma para os funcionários da Odebrecht, e uma terceira para uma Vanuê Farias, que teve US$ 50 milhões bloqueados, e vendeu sua participação para os outros dois grupos, que ainda compraram mais ações do Meinl Bank Antiqua e chegaram a 67% da sociedade. Vanuê é sobrinho de Walter Farias, dono da cervejaria Itaipava (Grupo Petrópolis) e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Fonte: Luiz Carlos Azedo -  Correio Braziliense

quarta-feira, 22 de junho de 2016

“O inverno da nossa desesperança”



Os desdobramentos da Lava Jato mostram que a primeira semana da estação será de repouso para alguns parlamentares e de tensão para os eleitores

Eis que, num raro momento de alegria, virtudes e defeitos de nossos políticos se fundem e prometem alguns dias de repouso, a semana com apenas dois dias de trabalho para eles, graças às festas juninas, e a oferta de  um certo fôlego para nós. Não deu certo: a política, hoje, só em parte se faz no Congresso. A Polícia Federal também a faz: prendeu quatro empresários de farto sobrenome, ligados ao avião de Campos que caiu durante a campanha e suspeitos de integrar uma organização criminosa, lançou suspeitas sobre outros figurões, inclusive um senador de família tradicional que foi ministro de Dilma, apurou ligações entre a morte do candidato presidencial Eduardo Campos e a colheita de propinas tão fartas quanto os sobrenomes, e envolveu a OAS num repasse de verbas para sabe-se lá o que. De acordo com a Federal, a operação começou com o caso do avião. “Mas agora queremos desarticular toda essa organização. Quem são os envolvidos, o que fizeram e quem foram os beneficiados”.

E, aproveitando o finzinho dos dias de trabalho desta semana, Eduardo Cunha mostrou que político ainda pode gerar confusão. Deu entrevista dizendo que não renuncia à Presidência da Câmara (da qual foi afastado); não faz delação premiada, porque não praticou nenhum crime; e não tem motivo para ser cassado. Ponto final. A semana que deu início ao inverno será de repouso para alguns parlamentares e de tensão para os eleitores.

Como é a ficha dele
Cunha age com habilidade: se renunciar, continua na situação atual, de presidente afastado, e demonstra que tem algo a esconder. Mas já se sabe que é beneficiário de contas na Suíça, já enfrenta multas por movimentação internacional irregular de dinheiro, já tem mulher e filha envolvidas no caso, ambas sujeitas ao juiz Sérgio Moro. É provável que hoje o Supremo Tribunal Federal  decida autorizar uma segunda acusação proveniente da Operação Lava Jato – manutenção de contas clandestinas no Exterior com dinheiro de propinas oriundas de negócios com a Petrobras.

Ação dos políticos
Frase do ex-presidente Lula: “Quanto mais me provocarem, mais eu corro o risco de ser candidato em 2018”. [presidiário pode ser candidato?]

E se não provocarem? Vai aposentar-se, como prometeu antes de se candidatar à reeleição, dedicar-se à caça e preparo de coelhos em Los Fubangos ─ o seu sítio, o que é confirmadamente seu, hoje abandonado em favor de outras propriedades que, embora sejam dele, não são dele? Alguém imagina Lula quietinho numa eleição, oferecendo chá com torradas aos visitantes e, como conselhos, temperança e amor ao próximo?

 Ação empresarial
Os fatos como os fatos são: para dar conta do matagal de propinas no Brasil e no Exterior, a Odebrecht comprou um banco no paraíso fiscal de Antígua, na América Central. O Meinl Bank Antigua, que antes tinha sido a base off-shore de um antigo banco austríaco, chegou a controlar 42 contas no Exterior, administrando entradas e saídas de fundos secretos – um pouco mais de US$ 130 milhões, ao mesmo tempo.

Ação prática
Por mais precisas que sejam, as delações jamais terminam: sempre sobra uma peninha (que, nas palavras do ministro Teori Zavascki, quando são puxadas revelam mais uma galinha), O mercado está na expectativa de novas revelações de Sérgio Machado sobre pedras preciosas na lavagem de dinheiro. São muito práticas: substituem milhares de dólares e são difíceis de monitorar. Há quem diga que boa parte do ótimo relacionamento dos governos petistas com Angola envolve diamantes, e com um toque religioso que aparece até no nome das instituições financeiras envolvidas. Delação premiada deve incluir tudo – inclusive temas delicados como esse.

Ação oficial
Ah, as relações sociais do Brasil dilmista com os países pobres, mas amigos, irmãos e cooperativos! Angola, que transformou a filha do seu presidente em mulher mais rica da África, recebeu R$ 14 bilhões; a Venezuela, detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, R$ 11 bilhões. Seguem-se República Dominicana, R$ 8 bilhões; Argentina, R$ 7,8 bilhões; Cuba, R$ 3 bilhões; Peru, R$ 2 bilhões; Moçambique, R$ 1,5 bilhão. No total, incluindo empréstimos menores, R$ 50,5 bilhões ─ quase um terço do déficit público que inferniza o atual governo e que foi responsável por boa parte da crise que consumiu o governo Dilma.

Sem comentários
Diante do bloqueio de vastas verbas oficiais para as vastas viagens de Dilma, grupos petistas estão estudando o crowdfunding a velha e popular vaquinha. [vale um alerta para os estúpidos militontos petistas: fizeram uma vaquinha para o Zé Dirceu, quando em pouco mais de dois anos ele já tinha roubado quase R$ 30 BI; quem garante que a Dilma não se apropriou de muito mais. Começam a surgir provas de que ela recebeu grana suja para a campanha, tem a Refinaria de Pasadena e outras suspeitas.
Ou os petistas querem mais uma vez das uma de otários? o que fizeram quando da vaquinha para o 'guerrilheiro de festim'.] Contenha-se, caro leitor, e não faça comentários engraçadinhos sobre fazer vaquinha para financiar as viagens da presidente afastada.

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann


terça-feira, 21 de junho de 2016

Força-tarefa binacional

Procuradores decidiram criar uma força-tarefa binacional para investigar origem de R$ 2,9 bilhões em 800 contas suspeitas, mantidas em quatro dezenas de bancos da Suíça

Suíça e Brasil decidiram criar uma força-tarefa para investigar mais de 300 relacionamentos financeiros classificados como suspeitos em 800 contas de quatro dezenas de bancos suíços. O acordo, em fase de conclusão, está na mesa dos chefes do Ministério Público da Suíça, Michael Lauber, e do Brasil, Rodrigo Janot. 

Lauber confirma as negociações, em relatório interno, “para formação de uma equipe de investigação conjunta”. Seu objetivo é “acelerar os processos suíços”.  A Suíça já bloqueou o equivalente a R$ 2,9 bilhões, por considerar sua origem suspeita, derivados principalmente de corrupção em contratos com a Petrobras. É um volume de dinheiro dez vezes maior do que a soma de recursos congelados em contas de dirigentes da Fifa processados por negócios ilícitos.

Até agora, porém, os suíços só conseguiram “limpar” 15% do volume interditado. Querem mapear o trânsito em todo o sistema financeiro mundial, identificar integralmente titulares e beneficiários finais das contas, e por fim, via acordos judiciais, devolver a dinheirama ao Brasil. Em abril de 2014, a Procuradoria suíça começou a trabalhar no caso Petrobras, no rastro das evidências sobre corrupção na estatal coletadas na prisão do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. Desde então, devolveu ao Brasil o equivalente a R$ 444 milhões. É pouco.

Lauber acha que pode ir muito além, porque “o caso criminal brasileiro envolve numerosas empresas, assim como várias centenas de pessoas” — registra em relatório.  Foi o aumento da vigilância nos bancos suíços que levou executivos da Odebrecht a comprar 51% do Meinl Bank Antigua numa ilha caribenha. Pelo Meinl, aparentemente, transitaram R$ 5,9 bilhões nos últimos cinco anos o dobro do volume de dinheiro já bloqueado na Suíça. Boa parte teve origem em negócios suspeitos, realizados por pessoas camufladas por codinomes, como “Waterloo”, a partir de um sistema de comunicações secretas que funcionava dentro da empreiteira. “Os políticos são os beneficiários efetivos”, ressalta o procurador-geral suíço. Um deles se destaca como “RR.2015.275/ RP.2015.61” em processo no Tribunal Penal Federal de Berna. Trata-se Eduardo Cosentino da Cunha, presidente afastado da Câmara. Cunha e familiares foram delatados pelo banco Julius Baer ao Departamento de Lavagem de Dinheiro. Ano passado, a Suíça suspendeu e transferiu o caso “RR.2015.275/ RP.2015.61” à jurisdição brasileira.

O caso de Cunha se tornou um marco na “limpeza” de ativos suspeitos em curso nos bancos suíços. Eles consideram que pessoas politicamente expostas, em geral, apresentam um risco de reputação excessivo.  A mesma avaliação começou a ser feita na Câmara, onde a cassação do mandato de Cunha é considerada como certa. Entre a procura da saída da crise econômica e o desfecho do impeachment de Dilma Rousseff, ele acabou virando um detalhe no Legislativo.

Mesmo entre os seus mais fiéis aliados, já não há quem acredite na sobrevivência política do deputado fluminense. Mais difícil é encontrar alguém disposto a apostar nas chances do indiciado suíço “RR.2015.275/ RP.2015.61” livrar-se de uma condenação à prisão por ao menos uma década.


Fonte: José Casado - O Globo