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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Não é um "casuismozinho" - Valor Econômico

Maria Cristina Fernandes

Sem 308 votos para mudar a Carta, boiada da reeleição das Mesas quer passar no STF

É preciso notório saber jurídico para chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas basta um domínio rudimentar da língua portuguesa para entender o parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição: 
“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Apesar disso, a conjunção dos astros na capital federal indica que a tese que permitirá a reeleição do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência das Mesas tem a maioria dos 11. E por que renomados magistrados submeteriam sua reputação a tamanho constrangimento?

Já o fizeram antes, explicam os defensores da tese. Sim, fartamente, sem que nenhum deles se sinta impedido de olhar o espelho de manhã cedo. O casamento homoafetivo é o exemplo mais usado de reinterpretação sem mudança constitucional. Trata-se, porém, de dispositivo envelhecido por uma sociedade mais inclusiva que passou a reivindicar a cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais. [transcrevemos um trecho do Post:  "Constituição, é a lei suprema ou a lei do Supremo?- CB - Alexandre Garcia" que mostra uma suprema interpretação da
Constituição Federal:
"O presidente da República foi eleito para governar; deputados e senadores, para fazer leis. O Supremo, que não foi eleito, existe para interpretar a Constituição, mas interfere em atos administrativos, como nomear diretor da Polícia Federal. Faz leis, inclusive a que desconsidera o art. 226 da Constituição, que reconhece a união estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar”. [o argumento utilizado  para redação virtual da interpretação criativa, liberando o casamento entre pessoas do mesmo sexo (reconhecendo aquela união como entidade familiar) foi a falta do advérbio 'apenas' antecedendo a preposição 'entre'.] Certas invasões passam por cima do segundo artigo da Constituição, segundo o qual os três poderes são “independentes e harmônicos entre si”.

Clique aqui para ler mais sobre 'supremacia suprema'.]

A julgar pela dedicação dos arautos da tese, se não há uma “parada do fico” no calendário, em defesa da reeleição das Mesas, é porque não há pleno conhecimento das ameaças que pairam sobre a democracia. Os argumentos vão dos predicados do principal adversário de Maia, o deputado ficha suja Arthur Lira (PP-AL), que conquistou seus dois últimos mandatos pendurado em liminar do STJ, até o ataque de hackers no TSE.

Investigações preliminares da Polícia Federal que indicariam o envolvimento de deputados federais do círculo mais próximo de Bolsonaro, teriam bastado para convencer os recalcitrantes. Quando o ministro Luís Roberto Barroso entrou na linha de tiro pelo apagão do TSE no primeiro turno, Maia foi o primeiro a se solidarizar. O ministro Gilmar Mendes, relator da reeleição, o segundo.

A reiterada desconfiança do presidente Jair Bolsonaro na lisura das urnas eletrônicas seria outra evidência de que a própria alternância de poder estaria em risco. Por isso, o atentado contra a alternância no outro Poder, o Legislativo, estaria justificado. Com dois precedentes. Um, protagonizado por Ulysses Guimarães, “o pai da Constituinte”, que presidira a Câmara na legislatura que antecedeu a da nova Carta e pretendia ficar no cargo para comandar os trabalhos. O regimento interno foi, então, modificado para abrigar a permanência do progenitor.

O segundo precedente se deu com o próprio Rodrigo Maia. Com a cassação do então presidente da Casa, Eduardo Cunha, o deputado, na condição de vice, cumpriu o mandato-tampão. Quis disputar a reeleição na mesma legislatura e foi, para isso, liberado pelo Supremo, tendo como relator o decano, Celso de Mello. Uma nova reeleição de Maia não se encaixa em nenhum dos puxadinhos. Mas se é a democracia que está em jogo, emende-se a Constituição, ora pois. O problema mora aí. Como inexistem 308 votos para isso na Câmara, é mais fácil conseguir os seis votos no Supremo. Ou não.

Como Edson Fachin, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello estariam irredutíveis, sobrariam Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Kassio Nunes. É sobre esta trinca de ministros que se concentram Lira e o presidente da República, que vê em Maia a reencarnação de Eduardo Cunha, aquele que o convocou ao microfone para cassar o mandato de uma presidente da República em nome de seu torturador.

Para contra-atacar a ofensiva, os defensores da tese que beneficia Alcolumbre e Maia se comprometeram com uma única recondução, ainda que o voto do relator ainda não seja conhecido. Se o compromisso sossegou Lewandowski, ainda pairam dúvidas sobre o comportamento dos outros dois. Kassio Nunes, indicado por Bolsonaro, acaba de interromper dois plenários virtuais, mesma modalidade, sem sessão ou debate, na qual está pautada a reeleição. E Toffoli interrompeu um julgamento onde a condição de réu de Lira estava em pauta.

Se isso acontecer, a expectativa é de que Gilmar, no início do recesso, dê uma cautelar liberando a recandidatura de Maia e Alcolumbre. Caberia então, ao presidente da Corte, Luiz Fux, na condição de plantonista do recesso, cassar ou não esta medida. Depois de tomar posse demarcando terreno em relação a Gilmar Mendes, Fux dá sinais dúbios. Tomou a decisão, por exemplo, de levar a plenário as ações penais que o colega pretendia julgar na turma que preside, transformada em cemitério da Lava-Jato, mas tem-se mostrado sensível à tese de que a reeleição seja uma norma interna da Câmara, ainda que a matéria esteja estampada na Constituição.

Os partidos no Congresso que, até aqui, têm assistido o espetáculo de camarote, resolveram colocar sua colher de pau nesse angu. Parlamentares de oposição com os quais Maia e Alcolumbre contavam agora dizem que são contra a reeleição. Ninguém sabe se manterão a postura se a recandidatura for avalizada e se, num segundo turno, Maia for a única alternativa anti-Bolsonaro. O fato é que o desempenho do DEM nas eleições municipais tanto aumentou seu cacife como articulador dos palanques de 2022 quanto gerou reações da oposição que teme ser imprensada na disputa nacional e receia a ofensiva sobre suas bases regionais, como PSB e PT deixaram claro.

Não é apenas o Legislativo que está em jogo, mas um combo de poderes aliançados no Judiciário e até no Ministério Público. Entre as cartas na manga de Gilmar Mendes está a relatoria da ação sobre a prisão domiciliar do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que o ministro tirou de pauta para levá-la a julgamento no momento que lhe convier. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que toca pelo diapasão de Gilmar, parece ter concluído que o papel de engavetador-geral não tem trazido sucesso para suas ambições e resolveu remontar as forças-tarefas regionais.

[No jogo político, no qual o Supremo se move com desenvoltura  - apesar de não ser uma casa política - tem de tudo no aspecto do golpe tentado contra a Carta Magna, incluindo, sem limitar, pedidos de impeachment de ministros do Supremo cuja tramitação depende da vontade e conveniência do Alcolumbre.

Sobre os diversos pedidos de impeachment de ministro do STF,  apresentados ao Senado Federal, clique aqui e confira.

Outro detalhe da tentativa golpista de Maia e Alcolumbre, clique aqui e confira.]

O pacote ainda prevê a arbitragem, via TCU, da queda de braço, dentro e fora do governo, sobre os limites fiscais do próximo ano. Vide a decisão, desta semana, autorizando o empenho de despesas a serem feitas apenas em 2021. O combo que se apresenta para resgatar a democracia pretende fazê-lo atropelando a alternância do poder. Não tem um dono só a boiada que, na era bolsonarista, quer arrombar a cerca da Constituição.

Maria Cristina Fernandes, jornalista - Valor Econômico 

domingo, 29 de dezembro de 2019

JUIZ DE GARANTIAS: os magistrados serão julgados pelos 'advogados' do PT - Sérgio Alves de Oliveira



“Fechando o círculo” da corrupção dos valores hoje vivenciada na política brasileira, finalmente chegou o “esperado” momento  dos  urubus que  navegam em nível de vôo mais baixo “acertarem” com as suas fezes os outros urubus  que voam mais alto, num verdadeiro “milagre” de inversão da  lei da gravidade. Parece não ser difícil perceber que  estou  querendo me referir  exatamente à AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE-ADI, promovida pela Associação dos Juízes  Federais do Brasil - AJUFE, e  pela Associação dos Magistrados Brasileiros  -AMB, junto ao Supremo Tribunal Federal, tendo por objeto a declaração de inconstitucionalidade  de parte da  Lei Nº 13.964,de 24.12.2019, que determina, entre  outras questões, a criação do “Juiz de Garantias”, praticamente “revolucionando”, ou “anarquizando” (?), os Juízos Criminais de primeira instância. [salvo o entendimento, até agora monocrático, do presidente do STF, o instituto do juiz de garantias não alcança o STF,mas, a Lei citada deixa dúvidas quanto ao alcance do tal juizado.
Quanto à intromissão citada pelo ilustre articulista no parágrafo que segue, temos que considerar que o STF costuma desconhecer com frequência a independência dos Poderes - o que se percebe está fazendo escola.]


Em primeiro lugar, não resta qualquer dúvida que a criação do “juiz de garantias”, pelo Poder Legislativo, trata-se de flagrante intromissão de um Poder, o Legislativo, sobre outro Poder, o Judiciário, ou seja de  nítida “invasão  de competência”. O judiciário respeita e não interfere no funcionamento do Poder legislativo, mas a recíproca não tem sido verdadeira.  Essa absurda medida do Poder Legislativo foi como dar um tiro no coração do sistema de tripartição dos poderes, com harmonia, independência e equilíbrio entre eles, desenvolvido a partir  de Montesquieu, em que o Estado passa a contar com três poderes constitucionais, o Executivo,o Legislativo, e o Judiciário, numa espécie de balanço de freios e contrapesos, segundo os melhores constitucionalistas norte-americanos.


Qual a capacitação que teriam os legisladores do Senado e da Câmara Federal  para ditarem normas operacionais para a  Justiça, se não são, nem nunca foram, ”juízes de direito”?.  Isso não seria “meter o bedelho em seara alheia” ?  Essa interferência do Legislativo no Judiciário é tão absurda que daria no mesmo que os deputados e senadores terem a ousadia de ditar regras de procedimento  para os médicos e hospitais atenderem os   pacientes.  Talvez essa “ousadia”  dos legisladores federais de interferirem  no funcionamento da Justiça conte com a certeza de uma certa “cumplicidade”, dentro do  Supremo Tribunal Federal, eis que são enormes as “afinidades” entre eles, e que terá a “única e  última” palavra nessa  “quaestio juris”, e cuja composição, de 11 Ministros, conta   somente  com um Juiz de Direito de Carreira, “concursado”, ou seja, o Ministro Luiz Fux,  embora outros já tenham atuado em  outras Justiças especializadas, como juízes concursados, ou integrado tribunais por nomeações, como  advogados ou membros do Ministério Público.


Tudo isso significa dizer, que tanto os parlamentares federais que aprovaram o  tal ”juiz de garantias”, quanto a quase totalidade dos Ministros  do STF, que julgarão a referida demanda, NÃO TÊM A CAPACITAÇÃO, nem a vivência requeridas para decidir sobre  questões  que lhes são absolutamente  alheias.  Ocorre que   os componentes  das duas  entidades autoras da ADI são TODOS Juízes, ou Magistrados,de Direito, enquanto  o tribunal que julgará a ação, o Supremo Tribunal Federal, tem uma imensa maioria de não-juízes de direito, portanto sem a qualificação requerida  para o deslinde da questão. [atualizando: a Constituição Federal não exige para ser ministro do Supremo que o indicado seja bacharel em direito, juiz, sendo necessário - no tocante ao conhecimento é exigido o 'notório saber jurídico',  que é apreciado pelo Senado Federal em decisão política.]

Em toda essa “história”, o que mais se salienta  é que os únicos apoiadores incondicionais do “juiz de garantias”, são justamente os políticos e  autoridades públicas  “chegadinhas” na corrupção. [a expressão óbvio ululante é insuficiente para definir que o juiz de garantias, se implantado', tem o condão de enrolar todo e qualquer processo, especialmente quando somado à decisão do STF de, salvo poucas exceções, não permitir a prisão após decisão de segunda instância, só ocorrendo o encarceramento após o trânsito em julgado da sentença - que não ocorre mais em segundo grau.]

Será que não estariam satisfeitos em “só” mandar nos Tribunais Superiores de Brasilia, julgando necessário  dominar desde  a primeira instância ? Com os tais “juízes de garantia”? [o presidente Bolsonaro ao não vetar o 'juiz de garantias' seguiu dois pontos:
- se vetasse, o veto seria derrubado pelo Congresso e uma nova frente de atritos seria aberta entre o Executivo e o Legislativo;
-  o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli,  assegurou que tudo estava okey com o assunto.]


Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo


terça-feira, 16 de abril de 2019

STF pode impor derrota a Toffoli ao julgar censura



Gente que sabe fazer contas e já viu elefante voar em julgamentos do Supremo Tribunal Federal avalia que Dias Toffoli meteu-se numa toga justa ao requerer a censura de notícia veiculada a seu respeito na revista eletrônica Crusoé e no site O Antagonista. Cedo ou tarde, o caso chegará ao plenário. Ali, são reais as chances de revogação da ordem que retirou do ar a notícia sobre Toffoli.

Além de Toffoli, que pediu a censura, e do ministro Alexandre de Moraes, que a executou, são contabilizados como potenciais aliados da providência: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Imagina-se que na outra ponta estarão Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Ainda que Toffoli não se declare impedido de participar do julgamento, o placar seria de 7 a 4 —contra a censura. Seria um vexame para Toffoli. Mas restauraria as palavras ditas por ele ao anunciar, em 14 de março, a abertura de inquérito sigiloso contra os inimigos do STF. "Não existe democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre", declarou na ocasião (reveja abaixo)

Suprema ironia: a censura foi requerida por Toffoli no âmbito do mesmo inquérito que ele abriu há 32 dias, tecendo louvores à "imprensa livre". No ofício que remeteu ao relator Alexandre de Moraes, o magistrado requisitou "a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras." 

Alguma coisa subiu à cabeça de Toffoli no instante em que ele imaginou que sua imaculada figura representa as "instituições brasileiras." A reportagem censurada foi extraída de documento endereçado por Marcelo Odebrecht à Polícia Federal. Nele, o empreiteiro-delator sustenta que o codinome "amigo do amigo do meu pai, encontrado num e-mail confiscado em seu computador, refere-se a Toffoli. Embora tenha sido decodificada agora, a mensagem é de 2007. Nessa época, Toffoli era "amigo" e advogado-geral da União na gestão de Lula, o "amigo" de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht. Quer dizer: não há vestígio de ligação do caso com a reputação das "instituições brasileiras".

[talvez em situações como a de agora, aquele 'notório saber jurídico' exigido pela Constituição Federal, faça falta;

ele existindo, torna mais dificil, ou mesmo impede, que um ministro do Supremo se confunda com o tribunal que integra.]