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sábado, 8 de julho de 2017

Vanessa, Samara, Arthur e Eduarda

Eu me senti como Janot. Mas minha náusea é com a bala perdida, que fez 632 vítimas no estado do Rio em seis meses 

Cada história dessas é um soco em nossa consciência, é um tiro de fuzil na cidadania brasileira. E tiro de fuzil não é tiro de pistola. Ele destrói o organismo, todo o tecido social em volta. Se nada acontecer – ou apenas retórica vazia –, teremos atingido o fundo do poço civilizatório.

Vanessa, 10 anos, foi morta em casa com um tiro de fuzil na cabeça, em companhia de PMs que disseram ter buscado ali um abrigo. Samara, 14 anos, teve um pulmão perfurado por um tiro de fuzil no pátio da escola e diz que sobreviveu “por milagre”. Arthur foi baleado dentro do útero materno, luta para viver e o mais provável é que fique paraplégico. Maria Eduarda, a Duda, 13 anos, foi morta na quadra esportiva da escola, ao se levantar para beber água no intervalo da educação física. Tudo isso desde o fim de março.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sente “náusea” ao ouvir a conversa de porão no Palácio presidencial? Ele fica “enjoado” com a gravação entre um presidente e um bandido, entre um bandido e um empresário, ou entre dois bandidos? [destaque-se que um dos bandidos, o delator Joesley foi perdoado pelo procurador, super premiado com anistia total e permissão para usufruir livremente, no Brasil e no Exterior, do produto dos mais de 200 crimes confessados e devidamente anistiados pelo procurador-geral, que assumiu as funções de PODER JUDICIÁRIO SUPREMO.
De tudo, resta inequívoco que Janot só sente náusea de alguns bandidos.] Eu também fico, Janot. Mas, hoje, minha náusea é com a “bala perdida” que fez 632 vítimas no estado do Rio em seis meses. Sessenta e sete pessoas morreram com um tiro vindo de não sei onde. Em casa, na escola, no trabalho, na rua, no restaurante. Atingidos até antes de nascer.

É guerra, os hospitais sabem disso, mas o governador Pezão só grava declarações, deve meses à PM e aos aposentados. E o prefeito itinerante Crivella vai para Paris, em sua sexta viagem internacional. O secretário estadual de Segurança, Roberto Sá, dá desculpas esfarrapadas e diz que a UPP foi um equívoco e uma utopia. [a única declaração correta, tendo em conta que as UPPs - Unidade de Perigo ao Policial - também foram uma fraude.]
 
Mesmo? Logo o Sá, ex-braço direito de José Mariano Beltrame. As balas perdidas, as mortes e os confrontos haviam diminuído muito com as UPPs. O Estado tinha uma estratégia séria e premiada. Mas Sérgio Cabral preferiu investir em joias em vez de fazer sua parte na pacificação. E prossegue a omissão criminosa de Pezão, Crivella e do bunker de bandidos federais engravatados em Brasília, preocupados apenas em salvar mandatos e mordomias.

Vanessa Vitória dos Santos tinha chegado da escola na terça-feira, onde ensaiou para a festa junina. Deixou a mochila rosa com desenho de princesa junto à porta. A madrinha ouviu tiros e viu quando policiais da UPP correram para dentro da casa em que a menina morava com a mãe, o padrasto e dois irmãos, em 10 metros quadrados. “Calma, moço, deixa eu pegar minha afilhada.” Mas Vanessa só teve tempo de dizer que estava com medo. O tiro entrou pela testa e saiu pela nuca. O impacto foi tão forte que ela parou do lado de fora da casa. A mãe, Adriana, se mudou, foi embora com marido e dois filhos. Está com medo.

Samara Gonçalves estava no pátio da escola na quarta-feira quando sentiu um impacto nas costas. “Mãe, se eu me levanto poderia ter sido na minha cabeça, no meu ouvido, Deus me protegeu”, disse a menina. Uma professora a abraçou chorando, avisou a direção, que chamou o Corpo de Bombeiros. Samara vive.

Maria Eduarda Alves da Conceição queria ser atleta de basquete e colecionava medalhas em competições. No pátio da escola, foi morta com dois tiros na cabeça e um nas costas. “Estou sem chão, mataram minha caçula”,  disse a mãe, Rosilene, que acabara de dar um celular para a filha de presente. Duda gostava de selfies como toda adolescente e era apaixonada pelo cantor Justin Bieber.

Resposta de Crivella ao Rio? Prometeu erguer muros mais altos na escola de Duda e outras, com argamassa especial contra balas, fabricada nos Estados Unidos. Um espanto. Dos 100 dias de aulas neste ano, em apenas sete dias todas as escolas do município do Rio funcionaram sem interrupção. Tudo por causa da violência. Isso atinge 130 mil estudantes. Quando não mata nem fere, traumatiza.

Arthur nasceria dali a alguns dias. O tiro atravessou o quadril da mãe, Claudineia dos Santos Melo, perfurou um pulmão do bebê e provocou uma lesão na coluna, que pode deixar Arthur sem movimento das pernas. Claudineia saía de uma mercearia na Favela do Lixão, na Baixada Fluminense, quando bandidos atiraram em policiais que faziam patrulha. Ela se salvou. Seu maior sonho, ao receber alta, era “tocar” Arthur.

Desculpe falar disso no fim de semana. Desculpe, porque você não é parente dessas crianças, eu não sou parente dessas crianças, você pode nem morar no Rio ou, se morar, não vive numa casa de 10 metros quadrados na favela como vivia Vanessa, a última vítima de “balas perdidas” enquanto escrevo. Escrevo porque me senti como Janot. Senti náusea com a sucessão de tragédias absurdas e a falta total de solidariedade e de estratégia do poder público, diante das famílias enlutadas pelo horror, no fundo do poço. 

Fonte: Ruth de Aquino - ÉPOCA

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A lei e a irresponsabilidade social

Flor do jardim da responsabilidade fiscal, Paulo Hartung jogou luz sobre o valor de outras responsabilidades

Somando-se todos os seus mandatos, Paulo Hartung governou o Espírito Santo por dez anos e trabalhou duro no seu saneamento financeiro. Encarnou o respeito à Lei da Responsabilidade Fiscal e aquilo que chama de “o caminho capixaba”. O motim da Polícia Militar do estado mostra a necessidade da busca de algo impossível, uma lei da responsabilidade social. O prometido paraíso fiscal levou o Espírito Santo a viver dias de inferno social. 

Enfrentando o motim da PM, o governo de Hartung seguiu um modelo comum aos governadores que esticam a corda e, quando despertam, pedem socorro às Forças Armadas. Em 2012, num motim muito parecido com o capixaba, o governador Jacques Wagner chamou o Exército. Seis governadores já chamaram a tropa, e 22 unidades da Federação já expulsaram policiais militares e bombeiros. Parecem grandes defensores da lei e da ordem, mas é tudo teatro. Entre 2011 e agosto passado, o Congresso votou duas anistias para policiais e bombeiros que se meteram em pelo menos 33 greves e motins. Nas duas, o PMDB de Temer e Hartung apoiou as iniciativas. (Curiosidade: um militar que sofreu uma sanção disciplinar enquanto sua tropa federal estava mobilizada para conter um motim continua com a ficha suja. O PM foi anistiado.) Noutro motim, o dos bombeiros do Rio, o governador Sérgio Cabral foi o paladino da lei e da ordem. Hoje, ele está em Bangu. Pezão, seu vice e herdeiro, também chamou o Exército, depois de detonar a responsabilidade fiscal, a social e, quem sabe, a penal.

Hartung sustenta que não atende às reivindicações da PM, pois não tem dinheiro. Algum dia se saberá quanto custou a mobilização da tropa federal de três mil homens. A desordem que acompanhou o motim custou dezenas vidas e cerca de R$ 500 milhões à economia. Esse aspecto fiscalista das desordens não é o único.  Nesses motins e na forma como os governos estaduais reagem há uma irresponsabilidade social, impossível de ser legislada, mas possível de ser percebida. Os governadores não se previnem e, quando o caldo entorna, chamam o Exército. Quando tudo volta ao normal, deixam a anistia passar no escurinho do Congresso.

A doce figura de Milton Campos (1900-1972) governava Minas Gerais quando estourou uma greve provocada por salários atrasados, e um de seus secretários anunciou que mandaria um trem com soldados para a área.Não seria melhor mandar o trem pagador?”, perguntou o governador. Seria um exemplo de tibieza, mas esse adjetivo jamais poderá ser associado ao general Ernesto Geisel. Em 1975, ele enfrentava uma greve de fome de presos políticos por melhores situações carcerárias, e dois dos seus generais cuspiam fogo. (Entre os presos estavam dois condenados à prisão perpétua, três sequestradores e um dos terroristas que mataram um marinheiro inglês cujo navio visitava o Rio de Janeiro.) Geisel estudou a situação e informou: “Ceder a uma greve é duro, mas eu prefiro ceder.”

Se fosse possível redigir uma lei da responsabilidade social, os governantes seriam punidos quando criassem situações caóticas. Em nome da responsabilidade fiscal, Hartung acha que faz o certo, assim como Michel Temer acredita que deve reformar a Previdência e a legislação trabalhista de acordo com as tabelas de seus sábios. Planilha de Excel qualquer um faz. Administrar uma sociedade é bem outra coisa.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista

domingo, 8 de maio de 2016

Hasta la vista, Cunha

O chefão se vai mas o morro continua vulnerável

Não escondo que sempre quis a queda de Eduardo Cunha. O ideal seria uma queda conduzida pela própria Câmara. Mas a Câmara, que já era problemática, foi devastada pelos 13 anos do governo petista, alguns em sintonia com o próprio Eduardo Cunha. Mensalão, mensalinho, os métodos de ambos sempre foram o de comprar deputados. 

Confesso que, nos primeiros anos, subestimei Cunha. Ele me parecia apenas um sobrevivente do governo Collor em busca de um modesto lugar na política, de onde faria seus pequenos negócios. O máximo que previa para ele era chefiar uma pequena quadrilha de deputados fluminenses que tinha o hábito de convocar empresas e negociar propinas para desconvocá-las. Não o conheci como presidente da Câmara. Apenas vi sua ascensão à liderança do PMDB. Era um tipo ideal para um governo corrupto. Conhecia o regimento interno como ninguém, financiava campanhas e, certamente, garantia um dinheiro extra para deputados necessitados.

O papel de Cunha era muito mais amplo que o de Severino Cavalcanti, que se limitava a representar o baixo clero. Cunha viabilizava agendas, conhecia atalhos, todos os grandes negócios passariam por ele. Não é à toa que se tornou o maior criador de jabutis no Parlamento. Jabutis são emendas anexadas às medidas provisórias para atender a interesses privados. As emendas são como jabutis que não sobem em árvore: estão lá porque alguém, ou algum interesse, os colocou.

Pessoalmente, tive a oportunidade de ver Solange de Almeida colocar um jabuti isentando a indústria nuclear de impostos. Ao questioná-la, percebi que estava apenas cumprindo tarefa para Cunha. No universo político do Rio de Janeiro, Cunha nunca representou muito, embora, com a riqueza crescente, sua votação tenha crescido também. Aliado de Cabral, Pezão, Paes, Picciani, fixou-se na Câmara como a plataforma de sua fortuna pessoal. Nossos santos nunca combinaram. Em primeiro lugar, porque seus negócios cheiravam mal, embora nem sempre deixassem rastros visíveis. Ligeiramente estrábico, Cunha evita o confronto de olhares e o faz para se manter mais confortável dentro da caverna em que formula suas maquinações.

Embora tenha votos evangélicos, a partir da conquista de um espaço numa emissora religiosa, Cunha não fazia proselitismo e só avançou alguns temas da pauta conservadora quando se tornou presidente. Mas há algo nele que o distingue dos deputados evangélicos. A maioria deles é sincera na legitima defesa de suas ideias. A fé evangélica de Cunha parece o resultado de um longo planejamento, como se fosse o marqueteiro de si próprio e escolhesse sua imagem como resultado de um plano eleitoral. A divulgação de suas contas na Suíça e dos gastos familiares no exterior revelam apenas um milionário corrupto fingindo de piedoso fiel. O que deveria lhe valer uma condenação extra pela farsa.

Quando Cunha enfrentou e ganhou do governo, a oposição hesitou em tomar partido. Foi visto como um grande aliado do impeachment. Alguns de seus amigos chegaram a pedir anistia pelos serviços prestados contra o PT. De novo, teríamos de rasgar a lei e mergulhar na própria lógica petista para aceitar uma tese dessas. Não há previsão na lei brasileira para quem diz que rouba para dar aos pobres. Não há anistia prevista para quem se corrompe até a medula mas ajuda na queda de um governo corrupto. [as leis brasileiras, incluindo a Constituição, não autorizam ninguém - o que inclui um SUPREMO ministro - ignorar a Constituição e criar uma DISPOSITIVO Ilegal, para derrubar um político acusado de corrupção.
Por esse caminho, qualquer dia algum maluco assassina um corrupto e alega que está limpando o Brasil.] Se não fosse deputado, Eduardo Cunha já estaria preso em Curitiba há muito tempo. Ele manipula, intimida, faz tudo para que não seja julgado pelo Conselho de Ética. Ao derrubá-lo, o Supremo admite que Eduardo Cunha sabota o processo de seu próprio julgamento na Câmara. E admite, indiretamente, que ele sequestrou a instituição, incapaz de se livrar dele.

No rastro da diabólica passagem de Cunha, muitas perguntas terão de ser respondidas no futuro: como foi possível uma Câmara que, majoritariamente, escolhe para presidi-la o mais experiente dos bandidos? Como foi possível manter uma incondicional base de apoio, mesmo depois de revelada sua fortuna na Suíça? Por que existe na cultura brasileira uma sedução pela esperteza como uma qualidade em si?

Quando tudo for esclarecido e o restante dos crimes de Cunha vier à tona, o 5 de maio será uma data para se lembrar. Mas se não compreendermos como tudo foi possível, a ponto de governo central e parlamento estarem sob poder de uma mesma quadrilha separada apenas nos últimos meses, talvez não possamos avançar. Quadrilhas se fragmentam, buscam novos territórios. Vemos isso a todo instante no Rio. O fato de trocarem tiros não inocenta nenhuma das partes. Se um chefe do crime parte e tudo fica igual no território abandonado, é muito grande a tentação de ocupar o morro e substitui-lo. 

É preciso realmente fazer valer a lei no Congresso. As pessoas comuns amargam cadeia em Curitiba. Os políticos com foro privilegiado nadam de braçada. Seus colegas são fracos para derrubá-los. Os ministros do STF, lentos e burocráticos, hesitam em intervir. O chefão se vai mas o morro continua vulnerável.

Fonte: Fernando Gabeira - O Globo