Vencer o velho isolamento
Acordo com a União Europeia tira o Mercosul do isolacionismo e significa a vitória da ala pragmática do atual governo
É uma grande vitória o acordo comercial União Europeia e Mercosul. Ainda
é rascunho, os detalhes são pouco conhecidos, mas a dimensão política
de um aprofundamento das relações com a Europa é forte. Vai demorar
ainda uns dois anos, segundo fontes do próprio governo, para virar
realidade. Há o processo de fechamento dos textos, traduções em todas as
línguas e aprovação pelos parlamentos. Mas o efeito na expectativa
acontece já e vários fatores ajudaram a levar a esse momento, que é
histórico.
Os analistas de fora do governo explicam que as negociações foram
retomadas durante o governo Temer, nas gestões de José Serra e Aloysio
Nunes no Itamaraty, depois de uma longa hibernação nas administrações
Lula e Dilma. Negociadores do atual governo, com quem eu falei, defendem
que o desfecho só foi possível agora porque houve um alinhamento entre a
política econômica e a política comercial, quando as duas áreas
passaram a fazer parte do mesmo ministério.
Um acordo dessa complexidade não se faz em apenas seis meses,
evidentemente. Mas o que se diz no governo é que as concessões em áreas
como propriedade intelectual, regra de origem e navegação de cabotagem
permitiram o salto que levou ao acordo. E que isso só foi possível
porque na Argentina o governo é de Mauricio Macri, e porque aqui venceu a
ala mais pragmática da atual administração. — Não é só um acordo de livre comercio, é um acordo de associação
econômica. Então ele tem aspectos de investimentos, de serviços
financeiros, de padrões ambientais. É uma grande vitória de uma vertente
mais pragmática sobre a área mais protecionista, mais isolacionista,
que não quer se vincular a regras internacionais. E foi uma loucura o
trabalho técnico. Estamos falando de 92%, 93% de toda a economia do
Mercosul e da União Europeia. São dezenas de milhares de produtos e
serviços e para cada um deles é uma regra diferente — me disse um dos
negociadores brasileiros.
Em linhas gerais, haverá dois tempos de redução de tarifas. Um mais
rápido para eles, um mais demorado para nós. Há produtos em que a tarifa
irá a zero em três anos nas exportações nossas para eles. Mas nas
importações o prazo será de dez a doze anos. Portanto, é uma abertura
com gradualismo. Nas commodities agrícolas nós teremos que aceitar as
cotas, mas dentro delas a tarifa será zero. Ou seja, até um certo volume
de vendas, não se pagará tarifa. Já é assim em alguns produtos, como
carne bovina e frango, mas essa limitação quantitativa será muito
alargada. Houve avanços em vários produtos como açúcar, etanol e suco de
laranja.
O embaixador Rubens Barbosa lembra que as primeiras conversas começaram
em 1995, mas ao longo do tempo, principalmente nos governos do PT, o
assunto ficou em banho-maria. As conversas foram retomadas há três anos e
tiveram um salto agora, o que ele comemora. — Termina um período de isolamento do Brasil e do Mercosul que durou 20
anos. Só fizemos acordos com Israel, Egito e Autoridade Palestina. Agora
estamos fechando um acordo com o segundo maior parceiro comercial, um
bloco de 27 países. Isso é muito relevante. O Brasil precisa acelerar as
reformas que nos tornem mais competitivos. O mercado está lá, mas o
Brasil precisa ter produto e também tem que ter preço — diz ele.
Na CNI a reação foi positiva, ainda que até recentemente a indústria
tenha mostrado preocupação em relação à entrada de produtos
remanufaturados.
— Essa é uma indústria deles que está com um volume muito grande. Nós
não queríamos que entrassem remanufaturados que não atendessem às nossas
especificações técnicas. Esse produto é, por exemplo, um motor que dura
dez anos anos, estraga, devolve-se para a fábrica e ela reaproveita as
partes que estejam boas e refaz um produto com um tempo menor de vida.
Pedimos para isso não entrar. E fomos ouvidos. A redução das tarifas dos
produtos industriais será devagar e isso vai nos dar mais acesso a
tecnologias — diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial
da CNI.
Muitos eventos ajudaram a esse desfecho. Um deles, o fato de que houve
eleições recentes na Europa e muitos comissários estão terminando seus
mandatos. Era a chance de deixar uma marca. E esse acordo para eles é o
segundo mais importante depois do que foi fechado com o Japão. Assim, a
Europa também responde à política comercial protecionista e de conflito
do governo Trump.