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domingo, 13 de fevereiro de 2022

MINISTRA DAMARES NAS PORTARIAS DO INFERNO - Percival Puggina

Na última sexta-feira (11/02) eu estava no estúdio da Rádio Guaíba, em Porto Alegre, participando do programa Bom Dia Brasil, quando Damares Alves foi entrevistada pelo jornalista Júlio Ribeiro. A ministra falava de Brasília, mas o programa é transmitido também, por imagem, através de redes sociais. 

Nunca havia conversado com ela, mas acompanho a atividade de Damares Alves há muitos anos. Hoje ela é titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde desempenha excelente trabalho. Afirma, fora de toda dúvida, que os maiores problemas da pasta estão relacionados à violência contra a mulher e a abusos contra a infância, incluindo gravidez precoce, “que não é uma pauta moral, mas de saúde pública” e que “quando desce para 14 anos é crime”. 

O mundo cinzento, enfermo, sofrido e compartimentado em que se concentram as ações do seu ministério fornece inesgotável conteúdo para filmes de terror. Nele, miséria material se funde com miséria moral, com depravação, violência, dependência, abandono, conivência, droga. Por vezes, essas portarias do inferno aparecem na grande mídia, mas nunca, nunca suscitam conteúdos que estabeleçam as necessárias relações de causa e efeito. A lista é imensa, a começar pelo pacote de males que decorrem dos maus tratos das contas públicas. Sublinhem-se, aí, a corrupção e os privilégios que conferem à improdutiva economia de Brasília o maior PIB per capita do país. Há um Brasil rico perto do poder e um pobre longe dele.

Seria exaustivo escrutinar aqui o pacote inteiro: educação de má qualidade e reduzido valor do trabalho humano; propaganda aberta do uso de drogas nos meios culturais (a moda, agora, é exibir pais drogando-se “recreativamente” junto com os filhos); glamourização do mundo do crime; depreciação do valor da instituição familiar, confinamento da religiosidade, violência e abuso contra mulheres e crianças; famílias monoparentais; erotização precoce, gravidez precoce e prostituição infantil. Somem-se a isso leis penais brandas elaboradas por parlamentos coniventes e leniente ativismo judicial. [os pontos destacados são alguns dos nefastos frutos do esquerdismo criminoso,  estúpido e repugnante que assola o mundo e que leva Vladimir Putin a ser considerado mais conservador que outros que dirigem países que no passado eram expoentes na defesa dos valores hoje espezinhados pelos "biden's" da vida e outros do tipo.]

Por mais que os reitores da opinião pública nos grandes meios de comunicação, nos ambientes culturais e intelectuais rejeitem o simples uso da palavra “moral”, em notável evidência de que a perderam, é impossível negar a desordem moral subjacente a tais questões.

Assim, enquanto ouvia a ministra falar, veio-me com clareza a ideia da importância histórica de Damares Alves (indignem-se os esquerdistas!) para a conscientização dos conservadores no Brasil, para a erupção política de Jair Bolsonaro e para o resultado eleitoral de 2018. Anos antes daquele pleito, ela agiu muito e de modo eficientíssimo para que milhões de brasileiros percebessem as causas do despenhadeiro para onde, arrebanhada, a nação era conduzida.

Quem quiser saber o valor de seu trabalho basta observar a cortina de silêncio com que a mídia militante a envolveu. Mesmo assim, cancelada pelos grandes veículos, seis estados da Federação a querem como sua senadora.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

São Paulo, a metrópole abandonada

Branca Nunes

O abandono da maior metrópole do país e as consequências imorais das medidas de isolamento social estão entre os destaques desta edição

A visão da cordilheira de arranha-céus sempre intimidou, para depois encantar, os que chegam a São Paulo. Mas a muralha de concreto com mais de 1,5 mil quilômetros quadrados, por onde se movem cerca de 12 milhões de habitantes por 17 mil quilômetros de ruas e avenidas, tem chamado a atenção dos visitantes e moradores não apenas por seus restaurantes tão diversificados quanto a gastronomia de Nova Iorque. Ou pela noite movimentada como a de Berlim. Ou pelos cinemas e espetáculos dessa Broadway brasileira.

 Moradores de rua no Túnel José Roberto Fanganiello Melhem, no entorno da Avenida Paulista -  Foto: Daniela Giorno/Revista Oeste

Além dos buracos no asfalto e nas calçadas, semáforos quebrados já no início de qualquer chuva, imóveis pichados, rios fétidos, lixo transbordando, iluminação pública precária e canteiros abandonados, as regiões nobres e centrais de São Paulo assistiram nos últimos anos à multiplicação de favelas em miniatura. Esses assustadores amontoados de barracas mudaram, por exemplo, a paisagem das ruas que levam à Avenida Paulista, o mais célebre cartão-postal da cidade.

“No farol, na porta do supermercado, em frente à farmácia. Nas praças, embaixo de pontes e viadutos”, constata Paula Leal, (pobre São Paulo)  na reportagem de capa desta edição. “Basta perambular por algumas regiões de São Paulo para deparar com a miséria e o abandono escancarado na maior metrópole do país.” Ou seria o abandono da maior metrópole do país?  
O paulistano ignora o nome do prefeito e também desconhece quem ocupa o Palácio dos Bandeirantes. 
Nenhum deles dá as caras nas ruas da cidade que escancara em cada esquina a incompetência da administração pública.

O último Censo da População em Situação de Rua, divulgado em 2020 com dados referentes a 2019, contabilizou quase 25 mil pessoas sem teto na capital paulista. “Estimativas mostram que o contingente de moradores de rua em São Paulo aumentou significativamente durante a pandemia de covid-19 e pode ter dobrado, aproximando-se de 50 mil pessoas”, registra a reportagem de Fábio Matos, que detalha o trabalho do Instituto ARCAH. Os projetos não configuram mero assistencialismo. Apostam na capacitação pessoal e profissional para oferecer uma oportunidade real de trabalho aos esquecidos do asfalto.

Em vez de culpar exclusivamente a pandemia, é recomendável contemplar os verdadeiros responsáveis pelo boom de mendigos, barracos e cracolândias ambulantes. Os governantes não se limitaram a abandonar a metrópole. Também impuseram medidas restritivas que paralisaram a economia e afetaram psicologicamente crianças, jovens, velhos e adultos. “As evidências dos danos causados pelo lockdown estão aumentando”, mostra Joanna Williams, em artigo da revista britânica Spiked, publicado no Brasil com exclusividade por Oeste. “Todo dia surgem novas estatísticas que mostram o preço altíssimo que as restrições impostas pela covid-19 cobraram da vida das pessoas.” O lockdown foi uma política profundamente imoral, resume Joanna.

A paisagem da capital paulista nesta segunda década do século 21 é a prova disso. Pobre São Paulo.

Branca Nunes - Diretora de Redação -  Revista Oeste


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Medo e insegurança - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

Há um sentimento muito importante de perda de dignidade humana, de abandono

O cenário da pandemia é o da incerteza, não se sabe exatamente quando será o seu fim e, quando vier, como se voltará ou não à normalidade anterior. E mesmo lá a experiência atual ainda se fará fortemente presente, veiculando seus próprios valores. Neste meio tempo, estamos vivendo uma situação que, apesar de ser dita transitória, está se constituindo numa nova normalidade. É o aprendizado de algo novo.

Na vivência desta nova normalidade, os valores estão sofrendo profunda mutação. Os fatores são múltiplos: 
1) as pessoas estão mais reclusas, isoladas, voltadas para seus núcleos familiares, matrimoniais ou de amizade; 
2) enquanto a vida familiar e matrimonial é presencial, a vida profissional é virtual, estabelecendo dois tipos de comunicação e de relacionamento; 3) ao saírem, as pessoas usam máscaras, mantêm distância umas das outras, o que significa que o outro é uma ameaça, alguém que pode transmitir a doença e, talvez, a morte; 
4) a própria noção de consumo sofre forte transformação, porque a atenção se volta para o necessário para viver nestas circunstâncias, e não para o que passa a ser considerado supérfluo; 
5) as pessoas passam a se vestir mais simplesmente, com menor preocupação com a aparência, estabelecendo uma distinção entre a vestimenta presencial e a virtual, ou mesmo uma tomando o lugar da outra.

A linha divisória, aqui, é o medo da morte, que pode acontecer a qualquer momento pela ação de um inimigo invisível, mas bem real, o coronavírus, que a qualquer momento pode atacar. O medo da morte comunica-se, assim, a outra pessoa, vista como uma ameaça, por mais que a estimemos, amemos ou a desprezemos. A cara do outro, por sua vez, é uma máscara. Não assusta como num filme de terror, porém não deixa de aterrorizar, na medida em que ela é vista como uma proteção contra um inimigo que ali pode estar.

As pessoas querem distância umas das outras, diferentemente do que acontecia antes da pandemia, quando havia a proximidade, o cumprimento e o toque. É o medo que estipula a distância. 
Vejamos algumas situações
1) uma criança verá na outra, na escola, não mais somente um(a) colega ou amigo(a), mas alguém também ameaçador. Quais serão os reflexos disso mais adiante? 
2) Num shopping ou numa loja de rua, a relação estabelecida não é somente a de compra e venda, produto e consumo, mas de desconfiança. 
- Posso confiar que as mãos do(a) vendedor(a) estão limpas? 
- Será que sua máscara tem a espessura suficiente de proteção? 
- Estará ela higienizada? 
3) Num ponto de ônibus ou num metrô, as pessoas olham desconfiadas umas para as outras, como se o local e o veículo pudessem ameaçá-las. 4) Como se faz um namoro nestas circunstâncias, como as pessoas se aproximam, se a distância deve ser a regra? 
- As pessoas passarão a pedir testagem antes de estabelecerem uma relação? 
- E quanto tempo vale a testagem? 
- Como ficam o beijo e a relação sexual? 
5) Sob quais condições de confiança se compra um imóvel num estande, se a desconfiança ali predominar? 
De um lado, a pessoa deve ter confiança ao comprar um imóvel, de outro, porém, se vê na desconfortável situação de desconfiar do vendedor. 
6) Como fica o comparecimento a um templo, a uma igreja, se olho com desconfiança para o lado, para a frente e para trás, verificando se as distâncias de proteção sanitária são cumpridas no momento mesmo em que a pessoa se entrega à oração e a Deus?

As pessoas estão muito mais inseguras. Algumas perdendo o emprego, outras sofrendo redução salarial, outras trabalhando só na metade do tempo. O desemprego e a queda da renda, numa situação de pandemia, são em muito agravados, porque as pessoas se sentem ainda mais desguarnecidas. 
Como vão conseguir um novo trabalho nesta situação? 
Qual o risco de sair de casa para buscar um novo emprego? 
Como alimentar os seus? 
Há um sentimento muito importante de perda de dignidade humana, de abandono, o que se traduz não apenas psicologicamente, mas também familiar e existencialmente.

Os núcleos familiares são muito diferentes entre si. Uns constituem casais heterossexuais com filhos numa situação econômica estável. Outros numa condição econômica precária. Outros constituem casais homossexuais. Outros têm relações amorosas abertas, acostumados com outro tipo de vida social, e assim por diante. Isso significa que os sentimentos que nascem de tais relações podem ser moralmente mais elevados quanto mais baixos, uns baseados em Eros, outros em Tânatos, outros na solidariedade, outros na agressividade. Tais valores e formas de conduta se reconfiguram diferentemente em pandemias, nesta nova normalidade, dadas as condições de reclusão, medo, desconfiança e insegurança.

Nas sociedades modernas, as pessoas estão muito voltadas para si mesmas, na busca do desejo, na procura incessante do prazer, nos entretenimentos que podem extrair da vida. 
- O que acontece, porém, se outras dimensões da vida/morte se fazem presentes? 
- E se as pessoas aprenderam a viver diferentemente?

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo