Leiam o que informa o Globo. Volto em seguida.
A
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou ao ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin que os pagamentos da
empreiteira Odebrecht ao presidente Michel Temer e seus aliados
configuraram o crime de corrupção e não o de caixa dois. Com isso,
Dodge pede que Fachin reveja sua decisão de enviar o caso para a Justiça
Eleitoral, tomada após argumento das defesas dos ministros Eliseu
Padilha e Moreira Franco de que os repasses seriam apenas crime
eleitoral de caixa dois, que tem penalidades mais brandas previstas em
lei.
A PGR
argumenta que se tratou de pagamentos de propina com o objetivo de
conseguir benefícios na área da Aviação Civil, comandada à época por
Moreira Franco, dentre elas um edital de concessão do aeroporto do
Galeão (RJ).
“O
primeiro esquema criminoso que foi revelado ao longo das investigações
verificou-se da seguinte forma: no início do ano de 2014, em Brasília,
Moreira Franco solicitou vantagem indevida, em razão da função pública
que ocupava na Secretaria da Aviação Civil, no montante de R$ 4 milhões,
por beneficiar o grupo Odebrecht no contrato de concessão do Aeroporto
do Galeão/RJ de responsabilidade daquela secretaria. Eliseu Padilha e
Michel Temer receberam, após cobrança efetuada a executivos da
Odebrecht, os valores acima referidos, atuando em unidade de desígnios
com Moreira Franco e cientes, portanto, da origem ilícita dos valores”,
afirmou a PGR.
Sobre
Temer, Dodge argumenta: “Michel Temer recebeu, por meio de João Baptista
Lima Filho, vantagem indevida no montante de R$ 1.438.000,00, nos dias
19, 20 e 21/03/2014, em São Paulo”.
A Polícia
Federal já havia concluído a investigação do caso, mas Dodge ainda não
apresentou denúncia contra Temer, porque a Constituição proíbe a
responsabilização penal de um presidente por crime anterior ao seu
mandato. A PGR, então, solicitou a suspensão do inquérito, para enviá-lo
à primeira instância depois que Temer perder o mandato. Como Fachin
havia decidido enviar o caso à Justiça Eleitoral referente aos ministros
Padilha e Moreira Franco, a parte referente a Temer possivelmente
também seria transformada em investigação eleitoral. Com a manifestação,
Dodge deixa claro que quer processá-los pelo delito de corrupção
passiva, e não pelo de caixa dois. O crime de corrupção prevê pena de
reclusão de dois a doze anos, enquanto o de caixa dois é de reclusão de
até cinco anos.
Para
Dodge, apesar do argumento das defesas, não há nenhuma prova de que os
pagamentos da Odebrecht foram para campanhas eleitorais. “Veja-se que,
em relação a esse primeiro esquema criminoso, não há nos autos qualquer
elemento probatório que dê suporte à afirmação de que, além do crime de
corrupção passiva praticado em conluio por Moreira Franco, Eliseu
Padilha e Michel Temer, eles também praticaram o crime eleitoral
previsto no art. 350 do Código Eleitoral”, escreveu.
Por isso,
ao fim da manifestação, a PGR solicita que o ministro Edson Fachin
reveja sua decisão e envie o caso à Justiça Federal ou, caso negue o
pedido, submeta o caso à deliberação do plenário do STF. Tanto
Temer quanto Moreira e Padilha já negaram terem cometido irregularidade
no caso. O GLOBO procurou a defesa dos citados. A assessoria de Temer
afirmou que “o próprio relato dos delatores trata da conversa como
pedido de ajuda para campanha eleitoral. E isso esclarece os fatos, sem
necessidade de interpretação”. As defesas de Padilha e Moreira Franco já
argumentaram ao STF que o caso não configura corrupção.
“Não
existe sequer hipótese de corrupção nos autos, e todos os delatores são
claros em afirmar que jamais receberam solicitações em tal sentido.
Espera-se, portanto, que tal ponto, de caráter exclusivamente
especulativo, não seja aceito pela Suprema Corte como causa de decidir”,
afirmou o advogado de Padilha, Daniel Gerber.
Comento
A argumentação de Raquel Dodge,
procuradora-geral, segue, com efeito, um percurso peculiar. Notem bem: o
ministro Edson Fachin, que não é exatamente um garantista em matéria
penal — está bem longe disso —, não conseguiu ver no caso a evidência de
corrupção, razão por que enviou os autos, no que respeita a Moreira
Franco e a Eliseu Padilha, para a Justiça Eleitoral. Afinal, o que se
tem é a palavra dos delatores. E, como lembra a defesa, eles próprios
falam em caixa dois.
E aí vem a
argumentação peculiar da procuradora-geral. Ela alega não haver
elementos probatórios — a tal da “prova”, hoje uma quase desconhecida do
direito penal… — de que o dinheiro seja caixa dois. Bem, há o que se
tem: as delações. Mas ainda que assim fosse, pergunta-se: não havendo a
prova, como ela diz, do caixa dois, então se tem a prova automática de
que foi corrupção passiva? Não parece haver algo de estranho nesse
juízo?
Digamos
que tudo tenha se passado conforme afirmaram os delatores. O caixa dois
não chega a ser o “Moisés de Michelangelo” da moralidade, mas não é
corrupção. A menos que se resgate a tese de que todo caixa dois é,
necessariamente, corrupção, o que nem Sérgio Moro, hoje em dia, admite, a
menos que ele assuma que tem um corrupto como colega de ministério —
ainda que corrupto arrependido. Eu me refiro a Onyx Lorenzoni, que
admitiu ao menos metade do caixa dois que delatores dizem ter lhe
repassado.
A argumentação é insustentável.