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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Zeitgeist - O Supremo está abusando do direito de errar por último - Merval Pereira

O Supremo Tribunal Federal (STF) está abusando do direito de errar por último
Alguém tem de avisar às excelências que a frase de Rui Barbosa tem o sentido de que o STF tem a palavra final. 
Mas e se a palavra final de um mesmo juiz muda como biruta ao vento? Muda o Zeitgeist (espírito do tempo, em alemão), muda o voto? 
 
O então ex-presidente Lula foi para a cadeia por uma decisão do Supremo de permitir a prisão depois de condenação em segunda instância. Ficou preso 1 ano, 7 meses e 1 dia, período em que vários habeas corpus em seu favor foram recusados pela maioria do Supremo. Um belo dia, ministros mudaram de ideia e de voto, permitindo que se formasse a maioria para liberar Lula: Rosa Weber, que sempre fora contra, mas seguira a maioria na votação anterior, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, alegando que havia abuso na prisão em segunda instância. 
 
O ministro Dias Toffoli, ao tomar a decisão drástica de anular todos os processos da Lava-Jato, mostrou quão volúvel é.  
Umbilicalmente ligado ao PT, de quem foi advogado, e a Lula, foi cruel ao impedi-lo, preso, de assistir ao funeral de um irmão. 
Ao assumir a presidência do STF, inovou ao convidar para assessorá-lo o general Fernando Azevedo, um militar tão próximo ao então presidente Bolsonaro que acabou nomeado ministro da Defesa. 
E passou a chamar o golpe de 64 de “movimento militar”. 
 
O ministro Gilmar Mendes, fluente em alemão, sabe o que é isso. Classificou de cleptocracia o governo petista, com base nas descobertas da Operação Lava-Jato. 
Mudou o Zeitgeist, mudou sua visão. Classificou de “organização criminosa” o grupo de Curitiba que desnudou a “cleptocracia”, depois que conversas entre os procuradores e o então juiz Sergio Moro foram vazadas devido ao hacker, hoje preso, Walter Delgatti. 
 
O ministro Gilmar alega, com razão, que não se pode combater a corrupção cometendo ilegalidades. 
 Mas por que os processos contra os corruptos não continuaram até o final, escoimados das ilegalidades? 
A velha máxima jurídica de que “o que não está nos autos não está na vida” já não vale mais. As provas obtidas de maneira ilegal pelo hacker contra os procuradores de Curitiba e Moro foram usadas em diversos votos por variados ministros, até liberadas para a defesa de Lula.

O advogado Alberto Toron, de muitos dos envolvidos na Lava-Jato, aplaudiu a decisão de Toffoli e alegou que não se pode saber a legalidade das decisões sobre o acordo de leniência da Odebrecht porque há “incertezas quanto à veracidade das informações que constam dessas plataformas” (referindo-se aos sistemas MyWebDay e Drousys, que guardavam os nomes, codinomes e quanto cada corrompido recebeu).

Por acaso foi atestada a veracidade das mensagens hackeadas dos celulares dos procuradores no Telegram? 
Também lhes faltam a “cadeia de custódia”, até por terem sido conseguidas de maneira ilegal. 
Além do mais, as confissões foram fartas, os bilhões devolvidos são reais, assim como reais são os bilhões de dólares que o governo brasileiro pagou a investidores estrangeiros da Petrobras e de outras estatais. 
A cleptocracia foi comprovada vastamente, e agora, com a liberação geral de todos os condenados, viveremos a esdrúxula situação de ter que devolver dinheiro a corruptos. 
 
Veja-se o caso atual da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro. 
Não é preciso ser bolsonarista para estranhar que nenhum ministro do Supremo tenha se levantado contra a prisão preventiva alongada do militar, método denunciado como “tortura psicológica” pelo ministro Toffoli contra a Lava-Jato. 
 
Outra questão que a volubilidade do Supremo pode provocar: até quando as consequências da delação do assessor de Bolsonaro valerão? Bolsonaro continuará inelegível ou, se mudar o Zeitgeist, mudarão também os votos de nossos ministros? 
Se eventualmente a direita ganhar a eleição em 2026, as joias acabarão legalizadas? 
Qual será o Zeitgeist do momento? 
São dúvidas que parecem absurdas, mas pertinentes diante da insegurança jurídica que as mudanças de rumo do Supremo ensejam.
 
Merval Pereira, colunista - O Globo


terça-feira, 29 de agosto de 2023

Com todas as vênias - Ministros do Supremo não podem tudo - Carlos Andreazza

O Globo 

O Supremo finalmente votou sobre a constitucionalidade do juiz de garantias. Lei aprovada pelo Congresso em 2019, cuja aplicação estava suspensa — desde 2020 — em decorrência do já histórico (e desde já as minhas escusas ao ministro) monocratismo corporativista de Luiz Fux.

Um juiz segurando, por anos, o exame de ação acerca da validade de desígnio do legislador. Um juiz, sozinho, impedindo que a Corte constitucional cuidasse de informar se lei votada pelo Parlamento estava de acordo com a Constituição.

Interditava não apenas o trânsito pleno da atividade do Legislativo. Também boicotada — interrompida mais uma vez — a expressão colegiada-impessoal do tribunal, a que dá força à Corte que compõe, cujo plenário esvaziado contrasta com a forma desinibida como os togados progressivamente usam suas musculaturas individuais.

Fux foi voto vencido (vencido igualmente o abuso de poder), ainda que tenha reformado a própria derrota — a óbvia constitucionalidade da lei obviamente posta — para que não o expusesse tão isolado. Terminou o julgamento modulando para propor-defender que a implementação do juiz de garantias fosse facultativa, a depender de cada tribunal.

Perdeu também. O STF analisava a constitucionalidade da matéria. Sua função. Sendo constitucional, e sendo lei votada pelo Congresso como de estabelecimento obrigatório, obrigatória ser-lhe-á a aplicação. Ponto final. Ainda que seja — a ideia de limite — de difícil compreensão para mentalidades autoritárias empoderadas.

Ministros do Supremo (perdão) não podem tudo. Sempre poderão, largando a caneta que assina liminares, concorrer, via voto popular, a uma cadeira no Parlamento — o espaço deliberativo essencial, na República, para a reforma das leis.

O que é, em resumo, o juiz de garantias? Figura que cuidará do período de instrução do processo, da supervisão da coleta de provas e da autorização de medidas cautelares — etapa em que o magistrado tem contato quase exclusivo com elementos levantados pela acusação, o que poderia gerar algum grau de contaminação. A partir da denúncia oferecida, entrará em campo um juiz para tratar de sua eventual recepção e, em caso positivo, do julgamento em si.

Não existe legislação capaz de encarnar a panaceia de um sistema puro, imaculado, livre de distorções. 
A constitucionalidade do juiz de garantias deriva, sem maiores fantasias, do objetivo de seu advento: por meio da redução do risco de parcialidade nos julgamentos, assegurar o próprio espírito da Constituição — o respeito aos direitos fundamentais dos investigados
Um ideal a perseguir. Uma meta, pois, constitucional.

Destaco trecho do voto de Luís Roberto Barroso:

— Bom ou ruim, gostando ou não gostando, acho que foi uma decisão legítima tomada pelo Poder Legislativo. De modo que, não havendo incompatibilidade com a Constituição Federal, nosso papel é acatar a vontade manifestada pelo legislador.

A passagem define a atribuição da Corte constitucional — faz lembrar o valor do comedimento, esse saudoso — e tem especial peso por ser Barroso, com todas as vênias, um habitual senador togado.

Passagem não desprovida de algum humor por haver o Supremo, mesmo numa rara votação em que — ao menos em discurso — colocou-se no lugar, modificado o texto aprovado pelo Congresso. Ou não terá o Legislativo determinado que o juiz de garantias sairia de cena somente após o recebimento da denúncia? Ah, os vícios...

Esse julgamento, a propósito de ampliar o alcance do debate, suscita reflexões de fundo, para além das pautas do dia. 
Porque já existe, no Brasil, desde há muito, literalmente em última instância, um juiz natural de garantias: o Supremo. O Supremo em sua natureza plenária: o juiz de garantias. 
 
A Corte impessoal garantidora de direitos. Percebida como biruta aos ventos, ajustando jurisprudências em função de circunstâncias políticas, tomando decisões de controle de constitucionalidade sob a avaliação de impactos sobre esse ou aquele lira. 
Ora plataforma para exercícios monocráticos de poder em nome da guilda e até da democracia, em defesa da qual se chancelam justiceiros, e vão autorizados inquéritos sem fim e sem objeto.

O Supremo, o tribunal garantidor, antes uma altitude para invasão de prerrogativas, pulando o muro das competências alheias onde avaliar existirem omissões — como se a omissão do Congresso não fosse também expressão da democracia representativa.

E então o desfilar de ministros-palestrantes que, em convescotes com autoridades cujo foro é o STF, fazem lobby e concorrem entre si — publicamente, estampados nas manchetes — para que seus apadrinhados sejam os escolhidos a esse e àquele cargo.

Uma Corte constitucional percebida — perigosamente — como tribunal de pequenas grandes causas privadas-elitistas. Percepção que desacreditará, desacreditado o juiz de garantias fundamental, qualquer outro.

Carlos Andreazza, colunista - O Globo

 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O autor confessa - Percival Puggina

A quem interessar possa, confesso que sou portador de um pacote de anomalias que me fazem ser a favor da instituição familiar e contra os que a depreciam, a favor da liberdade e contra arreganhos totalitários, a favor da sociedade e contra a bandidagem. Podem me olhar de cara feia, mas é assim que sou.

Também sou pobre de mimcontra a miséria e, por isso, a favor do desenvolvimento econômico. Podem me chamar de porco capitalista, mas me sinto mal ao ver um miserável papeleiro fazendo tração animal, puxando carroça, porque o município não lhe proporciona outro modo de recolher papéis pela cidade, tendo preferindo zelar pelo cavalo e não pelo papeleiro. [um pequeno adendo: muitos dos que usavam animais para puxar carroças, maltratavam em demasia os animais e grande parte t economizava na manutenção do animal, reduzindo a comida. Sem contar os espancamentos para forçar os animais famintos, doentes, alguns já no final da vida, a puxarem com rapidez uma  carroça sobrecarregada em longas jornadas.

Pior é se ver em plena Capital da República, seres humanos - filhos de DEUS - revidando latas e sacos de lixo para colher alimentos estragados para se alimentar e aos seus familiares.]  Podem me chamar de direitista – não de fascista porque, como se sabe, fascista é a mãe de quem chama –,  no entanto, não consigo discutir sobre política com quem vive no mundo da lua.

A propósito, outro dia, disse-me alguém que a discussão entre esquerda e direita não define rigorosamente o quadro político brasileiro porque existe uma esquerda democrática e uma direita democrática e as duas posições são igualmente legítimas.  Aí já comecei a vislumbrar o cidadão sentado à borda de uma cratera lunar, balançando os pés e olhando a Terra azul. No mundo real, disse a ele, não existe esquerda e direita ideal. Existe uma direita real e uma esquerda real. Esta última, a que existe no Brasil, a que vai às urnas, a que faz voto e disputa o poder, é representada por dois ou três partidos que se definem como adversários da democracia liberal, representativa, que chamam “burguesa”, e querem promover mudanças para a, assim dita, “democracia popular”. Com esse mesmo rótulo, aliás, foram comercializados os regimes totalitários no leste da Europa e da Ásia, durante décadas, a partir de 1948.

Em toda democracia, mas de modo muito especial numa sociedade pluralista e de escassos consensos como a nossa, é preciso, sim, haver uma esquerda e uma direita democráticas. Acontece que a esquerda que governou o Brasil fez o que se sabe e o que se sabe é apenas parte do que fez. Por todos os modos tentou criar sua “democracia popular”, aparelhou toda a máquina pública com seus sovietes (conselhos), tomou conta das universidades, semeou discórdia onde havia união etc., etc., etc.. Não fez diferente no Rio Grande do Sul nas duas ocasiões em que governou o Estado causando catástrofes econômicas, fiscais e sociais.

Tenho 76 anos e nem um único minuto desse tempo todo estive em cima do muro.  Não me parece sensato instalar-me sobre  ele, como se a política fosse um jogo em que eu, neutro como uma biruta de aeroporto, me movimentaria segundo o vento das circunstâncias. Sou culpado? Quem sabe? Nesta terra, disparate é a sensatez. E vice-versa.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.